Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

sábado, 12 de junho de 2010

Socialismo e liberdade

Por Frei Betto

O socialismo é estruturalmente mais justo que o capitalismo. Porém, em suas experiências reais não soube equacionar a questão da liberdade individual e corporativa. Cercado por nações e pressões capitalistas, o socialismo soviético cometeu o erro de abandonar o projeto originário de democracia proletária, baseado nos sovietes, para perpetuar a maldita herança da estrutura imperial czarista da Rússia, agora eufemisticamente denominada "centralismo democrático".


Em países como a China é negada à nação a liberdade concedida ao capital. Ali o socialismo assumiu o caráter esdrúxulo de "capitalismo de Estado", com todos os agravantes, como desigualdade social e bolsões de miséria e pobreza, super-exploração do trabalho etc.


Não surpreende, pois, que o socialismo real tenha ruído na União Soviética, após 70 anos de vigência. O excessivo controle estatal criou situações paradoxais, como o pioneirismo dos russos na conquista do espaço. No entanto, não conseguiram oferecer à população bens de consumo elementares de qualidade, mercado varejista eficiente e uma pedagogia de formação dos propalados "homem e mulher novos".


Nesse cenário, Cuba é uma exceção. Trata-se de uma quádrupla ilha: geográfica, política (é o único país socialista da história do Ocidente), econômica (devido ao bloqueio imposto criminalmente pelo governo dos EUA) e órfã (com o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim, em 1989, perdeu o apoio da extinta União Soviética).


O regime cubano é destaque no que concerne à justiça social. Prova disso é o fato de ocupar o 51º lugar no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) estabelecido pela ONU (o Brasil é o 75º) e não apresentar bolsões de miséria (embora haja pobreza) nem abrigar uma casta de ricos e privilegiados. Se há quem se lance no mar na esperança de uma vida melhor nos EUA, isso se deve às exigências, nada atrativas, de se viver num sistema de partilha. Viver em Cuba é como habitar um mosteiro: a comunidade tem precedência sobre a individualidade. E é preciso considerável altruísmo.


Quanto à liberdade individual, ela jamais foi negada aos cidadãos, exceto quando representou ameaça à segurança da Revolução ou significou empreendimentos econômicos sem o devido controle estatal. É inegável que o regime cubano teve, ao longo de cinco décadas (a Revolução completou 50 anos em 1º de janeiro de 2009), suas fases de sectarismo, tributárias de sua aproximação com a União Soviética.


Porém, jamais as denominações religiosas foram proibidas, os templos fechados, os sacerdotes e pastores perseguidos por razões de fé. A visita do papa João Paulo II à Ilha, em 1998, e sua apreciação positiva sobre as conquistas da Revolução, mormente nas áreas de saúde e educação, o comprovam.


No entanto, o sistema cubano dá sinais de que poderá equacionar melhor a questão de socialismo e liberdade através de mecanismos mais democráticos de participação popular no governo, a flexibilização do monopartidarismo, maior rotatividade no poder, de modo que as críticas ao regime possam chegar às instâncias superiores sem que sejam confundidas com manifestações contra-revolucionárias. Sobretudo na área econômica, Cuba terá de repensar seu modelo, facilitando à população acesso à produção e consumo de bens que englobam desde o pão da padaria da esquina às parcerias de empresas de economia mista com investimentos estrangeiros.


No socialismo não se trata de falar em "liberdade de" e sim em "liberdade para", de modo que esse direito inalienável do ser humano não ceda aos vícios capitalistas que permitem que a liberdade de um se amplie em detrimento da liberdade de outros. O princípio "a cada um, segundo suas necessidades; de cada um, segundo suas possibilidades" deve nortear a construção de um futuro socialista em que o projeto comunitário seja, de fato, a condição de realização e felicidade pessoal e familiar.