Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

domingo, 23 de agosto de 2009

Criminalização Racial. Acorda Brasil!

Por Luiz Carlos Paixão da Rocha

Por mais que queiram negar, o racismo é um fenômeno presente e estrutural da sociedade brasileira. Ele se reproduz nas mais diferentes esferas e formas. É constantemente criado e recriado. A construção de um país democrático e justo passa necessariamente pelo combate a todas as formas de discriminação, entre elas, a discriminação étnico-racial.

Assisti estarrecido ontem à noite (20/08/09) mais uma reportagem na televisão sobre um caso de discriminação racial. Desta vez no Supermercado Carrefour, em Osasco, na grande São Paulo.

O trabalhador e cidadão negro Januário Santana, segurança e técnico em eletrônica é agredido de forma covarde por um grupo de seguranças do referido supermercado. O motivo alegado é de que ele foi confundido com ladrões e considerado suspeito de roubar o seu próprio carro, uma EcoSporte.

O fato ocorreu em 07 de agosto, enquanto Santana aguardava - no carro e com a filha de dois anos - a família fazer compras. Após o alarme de uma moto disparar no estacionamento do supermercado, desceu do carro e logo foi abordado por seguranças. Um destes apontou uma arma. Santana foi levado a uma sala e foi covardemente agredido por cinco seguranças.

O trabalhador negro cliente do referido supermercado afirmou que as agressões só pararam com a chegada de um policial militar, mas, mesmo assim, continuou a ser humilhado.

Você tem cara de quem tem passagem (pela polícia). No mínimo, umas três passagens. Tua cara não nega, negão”, afirmou Santana, reproduzindo o que teria dito um dos homens.

De tanto insistir, foram até o automóvel onde sua família o esperava. Após conferir a documentação, os policiais foram embora. "Já passei outros constrangimentos com esse carro. Acho que vou vender", disse ele.

Na reportagem, aos prantos, a esposa de Santana, Maria dos Remédios se preocupa com o futuro dos filhos.

“Pode acontecer com eles também porque eles são negros. E isso me dói. Acho que o negro não pode viver, não pode ter os seus bens conquistados e me deixa muito ferida”.

A reportagem causa repulsa e indignação, tamanha é a criminalização pela cor. O trabalhador negro vende sua força de trabalho em jornadas duplas a fim de garantir um pouco de qualidade de vida para a sua família. Qualidade que historicamente lhe foi negada. Qual o lugar do negro na sociedade brasileira? Não basta ultrapassar as barreiras sociais, é preciso ultrapassar as barreiras raciais. Em um país onde o racismo opera, estas são quase intransponíveis.

Corajosamente, Santana divulgou o episódio na imprensa e, nos próximos dias, ingressará com ação judicial. A polícia de São Paulo abriu inquérito para investigar o caso. Afirmou, em nota, que “ não compactua com nenhum tipo de discriminação e que instaurou um procedimento para averiguar o fato. Também em nota, o grupo Carrefour diz que “repudia qualquer forma de agressão ou desrespeito. E que vai colaborar com a polícia, além de esperar que os responsáveis sejam ‘rigorosamente punidos’”. Segundo o Carrefour, os seguranças são terceirizados, um deles foi afastado.

As investigações possivelmente se perderão no tempo e no espaço das teias das estruturas, quase invisíveis, do racismo social brasileiro. A punição dos culpados e a indenização, embora fundamentais, serão insuficientes para que a mãe possa imaginar um futuro justo para os seus filhos. Estas precisam estar acompanhadas de um amplo programa de implementação de políticas públicas em virtude da dívida social que o país tem com a população negra brasileira. Políticas públicas para área da educação, da saúde, do mercado de trabalho, da mídia, da segurança pública, entre outras.

Para além das notas, das punições dos culpados e de possíveis indenizações, o fato marcará profundamente a alma da família negra de Januário Santana e Maria dos Remédios. Sem sombra de dúvidas, amanhã a imprensa brasileira esquecerá desta autêntica família brasileira. Enquanto o estado brasileiro não levar isto a sério, muitos outros casos como o de Januário continuarão acontecendo nos hipers e micros mercados da vida, no atacado e no varejo.

Acorda Brasil!

Luiz Carlos Paixão da Rocha é Mestre em Educação e professor da rede Estadual do Paraná.

Atualmente é Secretário Estadual de Imprensa e Divulgação da APP-Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Paraná e Integrante do Coletivo Nacional Contra a Discriminação Racial da CUT.
Assista a reportagem:
http://shasca.blogspot.com/2009/08/no-carrefour-racismo-social.html