Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

quinta-feira, 30 de julho de 2009

O medo do silêncio

Nestes dias, lia uma pequena lição que dizia assim: Alguns irmãos de Sketis iam visitar o patriarca Antão. Para chegar até onde ele se encontrava, embarcaram em um navio. Ali encontraram um velho que também queria ir para lá, mas os irmãos não o conheciam. Enquanto no navio, eles conversavam uns com os outros sobre os ensinamentos dos escritos populares e também sobre os seus trabalhos. O velho, porém, permanecia calado. Quando chegaram ao destino, viu-se que o velho também ia para o patriarca Antão. Chegando eles na sua presença, Antão disse: “Encontraste um bom companheiro neste ancião”. E disse também a este: “Gente boa, tens contigo”.

O ancião replicou: “Bons , bem que eles são, mas sua fazenda não tem porta e qualquer um pode entrar no estábulo e soltar o burro”. Isto ele disse por que eles falavam tudo que lhes dava na cabeça.

Quem não sabe guardar segredo não é capaz de entender os mistérios da vida. O grande mérito para ganhar a confiança e a credibilidade diante dos outros, está na capacidade de falar o que precisa, a quem precisa. Em nenhum momento estamos autorizados a abrir a porteira da fazenda para quem quiser entrar e nela amarrar os burros que a mim não me pertencem. O cuidar com o que dizer, a quem dizer e porque dizer, favorece a tranqüilidade de consciência e abre caminhos para um conhecimento verdadeiro de si mesmo e do outro. O livro dos Provérbios diz; “No muito falar não faltará o pecado”(Prov. 10,19). Recordo um velho ditado popular: “Boca fechada não entra mosca”. Isto nos alerta para a necessidade de frear a língua e soltá-la do jeito certo, na hora certa.

Assim, mais do que nunca, vivemos numa sociedade barulhenta, ensurdecedora, o silêncio oprime e mata, porque não queremos dar tempo a nós mesmos para ouvir a verdade em nós. Não gostamos de calar, porque não sabemos ouvir os outros. Até quando os nossos ouvidos serão capazes de ouvir o que queremos? Será que um dia não seremos obrigados a ouvir o que não queremos? O silêncio da surdez obrigatória, gerada hoje nos decibéis de sons automotivos, amordaçando a verdadeira voz em nós e nos outros, será a herança que muitos levarão para o resto da vida. Já ouvi pesquisas onde relatam verdadeiros problemas auditivos no futuro, para quem não souber usar os seus ouvidos, adequadamente, hoje. Queira ou não, nós fomos feitos para falar e ouvir. Hoje mais do que nunca, a sociedade, o homem moderno necessita de gente que saiba ouvir. Por isso estamos vendo os consultórios de psicologia sem horários.

Diante da necessidade de ouvir e ser ouvido, surge a exigência de cultivar em nós a dinâmica do silêncio. Como faz bem parar e sair da rotina estressante, para estar tranqüilo em um ambiente onde só ouvimos a nós mesmos e a voz de Deus que em nós ecoa, despertando sentimentos, harmonizando desejos, abrindo perspectivas, favorecendo o equilíbrio emocional e afetivo, tão necessário para um correto e verdadeiro relacionamento. De nada adianta o muito falar, porque só abafa a verdade e deixa brotar as máscaras do ser e do conviver. “O silêncio e a fala não são dois pólos opostos, mas eles se complementam mutuamente. O que importa é falar de modo a não destruir a atitude de silêncio....Quando em silêncio, eu conversei comigo mesmo e ensaiei meu papel, então ao falar ele jorra de mim sem qualquer barreira”. São Bento o criador da vida contemplativa diz aos seus monges: “O monge deve falar com humildade, com seriedade e dignidade, com respeito, com coerência, com amor, submetendo-se, com mansidão, com modéstia e com temor de Deus”.(Anselm Grün, “As exigências do Silêncio”).


Dom Anuar Battisti é arcebispo metropolitano de Maringá-PR