1. Por que a CPT defende um novo estágio no programa de reforma agrária dogoverno?
A reforma agrária deve ser entendida de uma forma ampla. Não é aquela quedivide o chão, mas a que inclui o posicionamento das quebradeiras de coco,dos seringueiros, dos ribeirinhos, dos quilombolas e até dos indígenas quetêm um relacionamento sui generis com a terra. Em resumo, a terra paraquem dela precisa para viver, trabalhar e conviver. Esse é o objetivosocial. O outro, mais ecológico, é no sentido de preservar o biomaamazônico e, ao mesmo tempo, todos os biomas do país que estão ameaçadospelo agronegócio. O atlas deste país revela que onde houve devastação éonde se implantou o agronegócio. As áreas indígenas, camponesas equilombolas são as mais preservadas. Ao invés de estimular com subsídios,com grandes verbas o agronegócio, o governo deveria apoiar e defender asorganizações populares na linha da convivência com a terra. Sobretudo como bioma amazônico, que é o responsável pelo equilíbrio planetário, pelaprópria estabilidade do planeta em termos climáticos.
2. Para onde a reforma agrária, na sua opinião, deveria caminhar?
Nós estamos superando cada vez mais a ideia burocrática de uma reformaagrária que divide em quinhões a terra. Não é isso que é o conceito amplode reforma agrária. Defendemos um novo estágio nesse processo. O consensoque vem vindo é na linha da soberania territorial e alimentar. Até umareforma agrária na base da concessão territorial, em vez de cessão ouvenda da terra — o que faria continuar o mesmo modelo de dividir o solopor famílias e depois pulverizar pelos herdeiros, o que pode fortalecer denovo o latifúndio.
3. O modelo que o senhor defende é diferente não só do que vem sendoaplicado pelo governo, mas até do que defendem alguns setores dosmovimentos pró-reforma agrária…
Já houve tentativa de se consolidar e se estruturar esse novo modelo. Mashá muita resistência das bases populares. O pessoal quer o próprio chão.Mas acho que os exemplos dos povos tradicionais são os que mais realizarama melhor convivência com a mãe terra, que são os indígenas, os negros, osquilombolas. Não é propriedade do negro fulano ou do cacique tal ou qual,mas a terra indígena e quilobola. É isso que está influindo no novoconceito ampliado de reforma agrária. Não tem ainda uma cartilha ou umlivro destrinchando esses conceito que estou falando porque ele está emformação.
4. Esse modelo parece com o modelo que a irmã Dorothy Stang tentavaimplantar no Pará quando foi morta?
Está nessa linha. Mas, sobretudo, na linha que inspira os movimentosambientalistas que reformam o modo de ser camponês, e o que prevalece nasdefesas de movimentos como o Via Campesina e outros movimentos camponesesem nível internacional.
5. Há uma crítica muito forte à reforma agrária, dizendo que não háqualidade de produção nos assentamentos. Existe incompatibilidade entre aconcessão coletiva e a produtividade?
Não se pode dizer isso, porque não há esse modelo ainda implantado. O quehá são as reservas indígenas que não visam a produção. O objetivo domodelo de reforma agrária não é o lucro, não é o capital, apesar de nãoexcluir a produção. Vemos muitas vezes que a produção coletivista é melhorque a capitalista quando tem todos os recursos necessários para isso. Afábrica de leite do MST nada deve a qualquer organização capitalista. Decerta maneira, tem melhor qualidade. Nós queremos, em primeiro lugar, adignidade dessas populações assentadas. A estatística mostra que quemalimenta a mesa do brasileiro é o pequeno produtor.
6. O programa de reforma agrária já enfrenta muita resistência noparlamento, no governo, na Justiça. Um projeto coletivista não vaicomplicar ainda mais a implantação?
Seria se fosse o único, se fosse impositivo, se fosse ou isso, ou nada.Mas é uma proposta entre outras. Inclusive com a de conviver com a terraque é de propriedade do pequeno produtor. É uma questão de justiça social.(LR)