Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

FÉ PRECISA DE SUSTENTAÇÃO

O mais belo espetáculo que um povo pode proporcionar é, sem dúvida, o da própria fé. Não digo os espetáculos midiáticos nos quais nossas Celebrações Eucarísticas estão se diluindo, mas o espetáculo humano da esperança no qual reside a nossa fé. Tenho verificado pessoalmente manifestações comovedoras da fé que anima o nosso povo, principalmente os mais humildes e empobrecidos, e por isto desejo expressar sinceramente a minha admiração.

Durante as Missões Populares da Arquidiocese de Campinas em 2007, nas comunidades que hoje formam a paróquia Nossa Senhora Auxílio da Humanidade, um episódio deixou-me emocionado e, sobretudo, incomodado. Ao reunir-me com algumas crianças do bairro Campo Belo, pude indagá-las acerca do que esperam do futuro, especialmente no que diz respeito à profissão que sonham ter. Algumas responderam que sonham em ser médicos, advogados, empresários etc, no entanto, um menino chamou-me a atenção quando disse que gostaria de ser “ladrão”. Ora, o que leva uma criança de cinco anos sonhar com tal ocupação? Respondeu-me que sendo ladrão poderia levar comida para casa.

O que isso tem a ver com o “espetáculo de fé” do povo? Absolutamente tudo, penso eu. O bairro mencionado está localizado na periferia de Campinas, debaixo do aeroporto de Viracopos, cercado de inúmeros bairros e vilas carentes formados por casebres e ocupações irregulares. A área é dominada pelo tráfico de drogas e, na maior parte do tempo (exceto em época de eleições), esquecido pela administração pública. O sistema de saúde é precário, como também são precárias as escolas, o transporte público, os serviços de saneamento básico e a oferta de lazer para a população, além de ter grande parte de seus moradores em situação de desemprego e subemprego. O que leva o povo desta região acreditar na vida e no futuro? Será que são as promessas políticas que os fazem crer que o amanhã poderá ser melhor?

Busco explicações na fé real daquele povo. Isso mesmo, “fé real”, não uma fé teórica aprendida em sala de aula ou catequese, mas a fé que germina de suas próprias vidas, do sangue que derramam para sustentar suas famílias, para agüentar o pesado fardo do trabalho explorado e do pouco caso dos que moram em condomínios fechados. Sim, esse povo “possui a estranha mania de ter fé na vida”.

Mas a fé precisa de comunhão e direção. Outro fato que me inquieta é o enorme tempo que aquela região ficou abandonada também pela Igreja. Não me esqueço que Igreja somos todos nós, mas não há Igreja se não houver um ponto ou uma “ação” aglutinadora que proporcione vida à comunidade. Foi o que muitas pessoas buscaram nas inúmeras comunidades protestantes situadas perto de suas casas. E para mim, particularmente, isso não é ruim. Ruim foi o distanciamento entre Igreja Católica e o povo daquela região, mantido por um grande período de tempo.

Talvez o principal determinante para a resposta daquele menino à minha pergunta fora esta situação de “perda de boas referências”. A fé brota da esperança cultivada a cada dia por aquelas pessoas. E este espetáculo é revelado na luta diária pela sobrevivência e pelo amanhecer de uma nova realidade. No entanto, para que esta fé tenha verdadeiramente bons frutos, é preciso apresentar-lhes uma Boa Nova pela qual podem esperar, um rosto no qual podem se espelhar e um Caminho no qual podem seguir. E tudo isso quem pode oferecer são aquelas pessoas que já conhecem a razão de sua fé. Não podemos permitir que o belo espetáculo da fé se transforme em um triste futuro para aquele menino e outros milhares que depositam suas esperanças em outras referências, em falsos ídolos.

Dizia o santo papa João XXIII que “o milagre dá-se quando a vontade dos homens é a mesma de Deus”. Para que o milagre aconteça faz-se necessário que o projeto de Deus, revelado por Jesus Cristo, seja apresentado àqueles que, embebecidos de fé, não sabem para onde olhar. Talvez a nossa vida, como cristãos, não possua uma característica mais clara que a lealdade e a convicção de que Cristo é necessário e verdadeiro para construir o futuro. É o que pode sustentar a fé de um povo tão machucado para que possam continuar manifestando tamanho espetáculo de esperança.

Maycon Mazzaro (Campinas-SP)