Sermão
do encontro
O mistério de Jesus
Está Jesus não em um jardim de delicias, como o
primeiro Adão que nele se perdeu e a todo o gênero humano, mas em um jardim de
suplicas, onde se salvou e a todo o gênero humano. Sofre, no horror da noite,
essa pena e esse abandono. Creio que só desta vez Jesus se queixou. Mas foi
como se não pudesse mais conter em si a dor excessiva: “Minha alma esta triste
até a morte”. Jesus procura companhia e alivio da parte dos homens. Penso que
isso aconteceu uma só vez em toda a sua vida. E nada recebe. Os seus discípulos
dormem. Jesus estará em agonia ate o fim do mundo. É preciso não dormir durante
esse tempo. Blaiser Pascal
O encontro dos anjos de asas quebradas
Conta-se que
havia um anjo que quebrou a asa e entrou numa enorme crise existencial. E
caminhando com sua dor e desolação, encontra-se com outro anjo também com a asa
quebrada. Os dois anjos de asas quebradas se abraçaram e, de maneira
surpreendente, se descobrem com duas asas. Ensaiam um vou abraçados e percebem que
deu certo. Superaram a crise e voaram juntos para o seu destino final, podendo,
assim, um anjo completar o outro.
Agora
os dois anjos quebrados tornaram-se um anjo inteiro e voaram para o infinito, a
eternidade.
Diante
destes dois anjos de asas quebradas, Jesus e Maria, que se aproximam para este
encontro, perguntamo-nos, tristes e desolados, o que se passa no transfundo
destes dois sagrados corações?
Passa
exatamente o palco da historia de toda a humanidade. É aquilo que mais angustia
a cada coração humano.
De
fato, o que mais agita o ser humano são as demandas do coração onde moram as
grandes emoções que invadem toda nossa existência. São aqueles sentimentos profundos de pertença
à humanidade que nos enche de medo, duvidas, angustias, solidão, desespero,
dor, abandono e desolação.
Perscrutar
o coração do outro e sentir com ele suas dores é fazer com ele uma aliança de
compromisso que nos obriga, muitas vezes, a silenciar nossas palavras, abrir
mão de nossas respostas prontas e a nos colocar no lugar do outro, para
procurar entender os seus sentimentos com o seu próprio coração.
Como
bem nos advertia Guimarães Rosa:
Diante da vida do povo sofrido, a gente não fala, só sabe calar, esquece
as ideias do povo sabido, fica humilde e começa a pensar!
É
isso que Maria fez ao encontrar-se com seu filho Jesus, estes anjos de asas
quebradas.
Quanta
historia de vida passou pela mente e o coração de Maria neste instante!
Maria,
também agora um anjo de asa quebrada, é aquela mulher que viveu em toda sua vida
as mais desafiadoras questões para um ser humano.
Primeiro. Maria, sempre viveu
mergulhada no mistério divino, sendo acolhida e envolvida por ele.
Segundo. Maria sempre foi uma mulher de
comunhão solidaria com seu povo, sua raça, sua religião, sua família e sua
comunidade, vivendo plenamente um amor correspondido e comprometido.
Terceiro. Maria soube se colocar sempre
em disponibilidade serviçal e missionária, na vivencia de um amor compartilhado
e solidário.
Maria: Amor acolhido
Ø Ave Maria, a cheia de graça
Ø Eis que conceberás em teu seio e darás à luz um filho
Ø Olhou para a humildade de sua serva
Ø Conservava todas estas coisas em seu coração
1-
Maria: amor correspondido
Ø És feliz porque acreditaste
Ø Era-lhes submisso
Ø Minha alma engrandece o Senhor
Ø A mãe de Jesus estava perto da cruz
2-
Maria: amor compartilhado
Ø Foi às pressas para a montanha
Ø Viram o menino com Maria sua mãe
Ø Fazei tudo o que Ele vos disser
Ø Eis ai o teu filho. E o discípulo a recebeu em sua casa
Do sim livremente pronunciado pelos lábios de Maria
nasceu a Igreja de sue filho Jesus
Maria, mulher
simples, totalmente aberta ao Mistério, ao Amor, porque “cheia de graça”. Corajosa como uma profetiza ao
suplicar a intervenção de deus para “derrubar os poderosos dos seus tronos” e
para “encher de bens os famintos”, estava preparada para acolher dentro de si o
maior Mistério da historia. Estava pronta para fazer-se solidaria com a sorte
de todos os pobres e oprimidos da face da terra e com os sofrimentos e alegrias
da humanidade.
Estava
ela pronta para receber e hospedar o Espírito Santo dentro de si, com todas as
consequências que este hospede impõe a quem tem a coragem de o receber.
“O
Espírito virá sobre ti e o poder do altíssimo te cobrirá com sua sombra”.
E
Maria disse SIM, que assim seja!
Desde
aquele instante, o Espírito Santo está plenamente nesta mulher. Aquele mesmo
Espírito santo que pairava sobre o abismo, sobre o caos e a confusão, na
criação do mundo. Aquele mesmo Espírito que fez gerar todos os seres,
enchendo-os de vida. Aquele Espírito que empurra todas as coisas para cima e
para frente, que penetra todos os mistérios e faz a diversidade de todas as
coisas. Aquele Espírito que faz explodir em cada criatura os sentimentos de
cuidado, ternura, zelo, amizade, amor, compaixão e misericórdia. Aquele
Espírito que faz os profetas e profetizas gritarem o amor e a bondade de Deus,
quebrando a arrogância humana, que destrói e penaliza os humildes quando estes
são subjugados pelos tiranos. Aquele mesmo espírito que faz os poetas cantarem
seus amores e desilusões afogados nas magoas da existência e a exaltarem a
beleza e a grandeza de um amor correspondido. Aquele Espírito que inspira a
arte, a ciência, o invento, o trabalho, a honradez e toda sorte de bem querer.
Repito: É este
mesmo Espírito que agora está plenamente nesta mulher, Maria de Nazaré, a Nossa
Senhora, e, por meio dela, vivifica e renova toda a face da terra. Fecunda com
sua energia, vigor, ternura e força o útero mais sagrado para transforma-lo na
manjedoura da graça que acolhe o Santíssimo e Sacrossanto, bendito fruto deste
ventre.
Assim como o
Espírito veio até Maria, Ela foi até o Espírito, sentindo sempre que Deus
estava com ela em seu alento, como um fogo abrasador, uma Sarça Ardente a
emperrá-la cada vez mais para a experiência mais profunda do Mistério.
Maria
espiritualizou-se de tal maneira que se identificou plenamente com o Espírito
Santo que a habita e a invade.
Este Espírito
fecundou no seio de Maria os frutos de todas as bênçãos que nos veem da
santíssima Trindade. De Deus Pai, ela agora recebe a bênção da fecundidade
biológica e espiritual; de Deus Filho, recebe a bênção da fidelidade a toda
prova e de Deus Espírito Santo, a bênção da indissolubilidade, aquela força que
se renova a cada instante e mantém acessa a chama do amor.
Fecundidade,
fidelidade e indissolubilidade vão agora acompanhar Maria por todos os séculos
dos séculos, por todas as gerações que, olharão para ela e a proclamarão para
sempre a bem aventurada, a cheia de graça, aquela que é feliz porque acreditou.
E
como a mãe da Igreja por excelência, Maria transmite para todos os seus filhos
e filhas que a invocarem estas três bênçãos que os acompanharão e os sustentarão
por todos os tempos para guiá-los a eternidade feliz dos bem aventurados, na
casa do Pai.
E perplexa, Maria exclama: “Como será fará isso se não
conheço homem algum?”
Superado o susto
inicial, Maria mostra-se, desde o início, capaz de acolher o infinito dentro de
si e gerar o Mistério, que poderá salvá-la e toda a humanidade, reestabelecendo
o canal de ligação entre o céu e a terra, que havia sido interrompido por causa
do pecado e permitir o inicio do Reinado de Deus sobre a face da terra.
Em Maria, o Filho eterno do amoroso
Pai, armou sua tenta entre os mortais e fez entre estes sua morada para sempre.
E Maria tornou-se, por excelência, a Arca da Aliança, o Tabernáculo da
Trindade, a Custódia da salvação e o Sacrário da Divindade.
E
Maria experimenta agora uma nova dor de parto, ao perceber que Aquela mesma
Palavra que em seu ventre se fez “carne e habitou entre nós”, agora se faz
Mistério silenciado, o Servo sofredor, o Homem das dores, rejeitado e
humilhado, um malfeitor, o lixo e o esterco da humanidade, um verme sem beleza
e formosura, vítima escorraçada e escarrada.
E ele agora um grão de trigo caído por terra,
quase morto e triturado, um cacho de uva pisoteado por zombadores a festejarem
tal colheita com escarno e zombaria, gozação e blasfêmia em um ato sacrílego e
desumano ferindo diretamente a face de Deus e o sagrado coração de uma mãe
desconsolada, a Santíssima Virgem Maria, pura e cheia de graça.
E Maria guardava todas estas coisas em seu
coração. Ela, e somente ela, sabia que:
Para que tivéssemos a
luz, veio-te a faltar a vista.
Para que tivéssemos a
união, sentistes a separação do Pai.
Para que tivéssemos a sabedoria, tu te fizeste
ignorância.
Para que tivéssemos a inocência, tu te fizeste pecado.
Para que tivéssemos a esperança, tu quase chegastes ao
desespero.
Para que Deus estivesse em nós, sentiste-o longe de
ti.
Para que o céu fosse nosso, saboreaste o inferno.
Para dar-nos uma feliz passagem pelo mundo entre centenas de irmãos,
aceitastes ser expulso do céu e da terra, do meio da humanidade e da natureza.
És Deus, o meu Deus, o nosso Deus de amor infinito.
(Chiara Lubichi
– 1998)
O segredo de Maria
Somente Maria e
mais ninguém sabe e guarda silencioso em seu coração que Ele é o Filho eterno
do Pai, o Mistério mais profundo, a beleza mais esplendorosa capaz de salvar o
mundo!
Ela
sabe que Ele assumiu nossa carne, fazendo-se um miserável e vulnerável, escravo
e malfeitor, “tornando-se pecado”, cercado de fraquezas e horror, porque Ele
“aprendeu a obedecer através dos sofrimentos” e dirigiu ao Pai, por meio de
“súplicas e lágrimas”, seus gemidos, súplicas, gritos e clamores, carregando em
suas pisaduras as chagas e os pecados de toda a humanidade.
Maria
sabe que seu filho Jesus, o homem das dores, o Senhor dos passos, soube
orientar toda sua existência, não a partir de si mesmo como centro, mas, tendo
o seu Pai, Abbá, Papaizinho, como o eixo orientador de sua vida, dos seus
desejos e vontade. “Pai, seja feita a vossa vontade!”
E
mais ainda: ela sabe que o seu filho, ao chamar a Deus de Abbá, Papaizinho,
criou a possibilidade de cada ser humano, sentir-se também filho e filha amada
desde mesmo Pai amoroso. Todos estamos mergulhados na mesma natureza humana que
Ele carregou, que somos feitos do mesmo barro, do “pó da terra” e “para a terra
iremos voltar”. Mas somos espírito, seres espirituais que para o Pai iremos
voltar. “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito!” Neste exato momento, nossa natureza foi
tocada pelo Filho eterno em toda sua plenitude e nos tornamos filhos e filhas
do mesmo Pai, seres divinizados e eternos no Filho eterno do Pai.
Este é o ponto mais alto da consciência
alcançado por Maria naquele exato momento desse encontro entre estes dois anjos
de asas quebradas, os anjos das dores!
O
Homem das Dores, o Senhor dos Passos, mostra o seu poder e a sua vitória sobre
as dimensões mais sombrias da existência humana neste momento, quando, em seu
silencio mais profundo vence o ódio, a maldade, as enfermidades, a violência, a
prepotência, a arrogância, o pecado, o desespero, o medo e a morte.
Em
Jesus, neste exato momento, toda a face da terra começa a se renovar a partir
de dentro. Aproxima-se o inicio do reinado de Deus, que se desencadeará em um
processo que, a partir de agora, somente terá fim, quando houver a
transformação de todas coisas em um “novo céu e nova terra”. Quando a criação
for redimida e liberta, “pois a criação inteira foi submetida ao pecado e à
morte e geme, como em dores de parto, aguardando a manifestação dos filhos e
filhas de Deus”.
A dor de Maria
E a maior dor
que invade o coração de Maria é saber que seu Filho “veio para os seus e os
seus o rejeitaram”, “veio como luz e as trevas o rejeitaram”.
Maria
sabe que diante de seu Filho Jesus, de cada encontro com Ele, sendo Ele o
sacramento do encontro, todos, indistintamente, temos que fazer uma opção: ou
ficar contra ou a favor dele, como Ele mesmo afirmou: “quem não recolhe comigo,
se espalha!” “Quem se envergonhar de mim diante dos homens eu me envergonharei
dele diante do meu Pai!” “Quem se declarar a meu favor neste mundo, eu o
defenderei diante de meu Pai!”
Mas,
sobretudo, Maria é consciente de que seu filho “não despreza nenhum daqueles
que dele se aproximar”. Que suas
palavras são de conforto e acolhimento: “Não perturbeis os vossos corações. Eu
vos dou a paz, a minha paz, não como o mundo a dá. Eu vou para o meu Pai e
vosso Pai, meu Deus e vosso Deus. Na casa do meu pai há muitas moradas. Vou
preparar-lhes um lugar para esteja comigo todos os que eu amo”.
Maria
agora toma consciência plena do significado daquele SIM e do que é se fazer a
“serva do Senhor”. Pois o Senhor mesmo já havia alertado pela boca profeta,
“não basta ser meu servo, Eu farei de ti luz das nações”.
Jesus, o Homem
das Dores, o Servo do Senhor, torna-se agora a luz das nações. Ele é o Sol, “o
sol da justiça que nos veio visitar, lá do alto, como luz resplandecente, a
iluminar a todos quantos jazem nas trevas e na sombra da morte estão sentados”.
Maria é a lua, a mulher das doze estrelas. Ambos agora iluminam a escuridão
mais densa de nossa alma.
A nossa missão
E agora,
autorizados por Cristo, o Servo, a Luz, todos nós recebemos dele a mais nobre
herança: “Vocês são a luz do mundo!” Não se pode esconder uma cidade construída
sobre um monte e nem se acende uma lâmpada para escondê-la. Que seja colocada
em lugar visível para que ilumine a todos.
Somos
agora a nova cidade, a nova Jerusalém, sem muros e sem templo, cuja lâmpada é o
Cordeiro imolado. Somos a nova cidade banhada pelo sangue do Justo e inocente
que grita por justiça desde o primeiro justo Abel até o último eleito da face
da terra que clama pela intervenção divina em nossa história.
Lavemos,
pois as nossas vestes no sangue do Cordeiro para que sejamos dignos de
participar do banquete do reino. Purifiquemos, pois nossas mentes, consciências
e coração, abrindo mão de nossos pecados e ações abomináveis, tornando-nos
filhos e filhas da luz.
Que
sejamos “mansos como as pombas e prudentes como as serpentes” tomando cuidado
com o alerta de Jesus: “Orai e vigiai para não cairdes em tentação”. “Se comigo
fazem o que fazem, sendo eu um lenho verde, imagem com vocês que são lenho
seco!” “Coragem, não tenham medo, eu venci o mundo!” “Não tenham medo pequenino
rebanho! Foi do agrado do meu Pai confiar-lhes o Reino”. “Eu não peço que os tire do mundo. Eu rogo ao
Pai para que o livre do maligno!”
Que
Maria, a Mulher forte do Magnificat, que cantou as maravilhas de Deus, cuja
alma o engrandeceu, ao ver os poderosos derrubados de seus tronos e os famintos
saciados, a mulher grávida da nova humanidade redimida, nos sustente em nosso
combate espiritual, para que esmaguemos a cabeça da serpente e alcancemos o
fulgor das estrelas e a coroa da glória dos bem aventurados. Assim seja!
Pe. Nelito Dornelas
Matipó – MG, 17 de abril de 2013