Dercy Cunha,
vice-presidenta do Sindicato
dos Trabalhadores e Trabalhadoras de Xapuri, no Acre, que foi
companheira de militância de Chico
Mendes, diz que alianças de Marina impossibilitam programa de
sustentabilidade.
A candidata a presidente pelo PSB,
Marina Silva, causou rebuliço nas redes sociais ao explicar seu
conceito de "elite" durante o último debate presidencial, transmitido
pela TV Bandeirantes na terça-feira (26): na concepção da ex-senadora, a
herdeira do banco Itaú Neca
Setúbal, uma das "mentoras" das campanhas a
presidente de Marina em 2010 e 2014, e o líder seringueiro Chico Mendes (1944-1988),
com quem Marinacomeçou
sua militância, no Acre, integrariam uma mesma "elite", baseada não
em elementos sociais e econômicos, mas na "coragem".
A reportagem e a entrevista é publicada por Rede Brasil Atual - RBA, 28-08-2014.
Não foi isso, no entanto, que incomodou o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Xapuri,
entidade da cidade natal de Mendes onde desempenhou sua militância por melhores
condições de vida para os trabalhadores da floresta e pela união com os
chamados povos tradicionais, e que sedia o acervo de sua vida e luta. Para os
militantes que dão continuidade à causa de Mendes, o que incomoda é a
transfiguração do líder assassinato por fazendeiros de sindicalista para
"ambientalista", caracterização que o sindicato, em nota oficial,
afirma fazer parte da "temática ambiental capitalista".
"O companheiro Chico foi um sindicalista e não
ambientalista", diz o texto. "Isso o coloca num ponto específico da
luta de classes que compreendia a união dos povos tradicionais (extrativistas,
indígenas, ribeirinhos) contra a expansão pecuária e madeireira, e a
consequente devastação da floresta. Essa visão distorcida do Chico
Mendes ambientalista
foi levada para o Brasil e a outros países como forma de desqualificar e
descaracterizar a classe trabalhadora do campo e fortalecer a temática
capitalista ambiental que surgia."
O texto diz ainda que os trabalhadores e trabalhadoras de Xapuri "não
concordam com a atual política ambiental idealizada pela candidata Marina
Silva enquanto
ministra do Meio Ambiente, refém de um modelo santuarista e de grandes ONGs
internacionais". Para eles, "essa política prejudica a manutenção da
cultura tradicional de manejo da floresta e a subsistência, e favorece
empresários que, devido ao alto grau de burocratização, conseguem legalmente
devastar".
Dercy Cunha, atual vice-presidenta do sindicato
e presidenta da entidade antes de Chico Mendes, na década de 1980, reafirma as
críticas. De acordo com ela, que conversou brevemente com a RBA durante
estadia no Rio de Janeiro para participar de eventos sindicais, "as
alianças da candidatura de Marina impedem que ela realize um projeto de
sustentabilidade", e Mendes não a apoiaria em 2014.
Eis a entrevista:
Há desconforto dos trabalhadores de Xapuri com a forma como o
legado de Chico Mendes está sendo tratado pela campanha de Marina Silva?
Sim, exatamente.
Por quais motivos?
O nome de Chico
Mendes é usado de
forma indevida, colocando ele em uma condição do que ele não era. Ele era um
sindicalista defensor dos direitos dos trabalhadores, de melhoria de qualidade
de vida, e nunca foi esse ambientalista da forma como é colocado pelos
políticos.
Por que isso acontece, na sua opinião?
Porque isso rende, né? Isso, de certa
forma, em termos de angariar recursos e apoios, tem importância.
Que relação a senhora teve com o Chico Mendes?
Fui a segunda presidenta do sindicato, logo depois do presidente
fundador, e antes do Chico.
Tivemos sempre uma relação muito boa, de muito trabalho conjunto.
Pelo que a senhora conhecia dele, acredita que ele concordaria com
a forma como o legado dele surge na campanha eleitoral? Ele apoiaria Marina?
Só se ele tivesse mudado muito de opinião. Do contrário, eu
imagino que ele teria a mesma postura que nós. A gente entende que, na campanha
política, tudo acontece para chegar ao poder, mas as alianças e os vínculos que
a Marinatem nos
mostram que ela jamais teria condições de aplicar um projeto de
sustentabilidade. A verdadeira sustentabilidade ofende os interesses do grande
capital.
Existe alguma candidatura que contemple as demandas dos
trabalhadores e trabalhadoras de Xapuri?
Olha, infelizmente, as candidaturas que representam aquilo que a
gente sonha estão em desvantagem em termos de preferência. Tem algumas
candidaturas que, se não mudarem ao chegar ao poder (porque o problema é quando
os partidos chegam ao poder), seriam alinhadas, como as do Psol e
do PSTU. São candidaturas que representam o que
a gente sonha. Não orientamos votos, preferimos que as pessoas tirem suas
próprias conclusões.
Entre as que estão disputando a liderança das pesquisas de
opinião, há alguma mais próxima das posições do sindicato?
Não, são todas muito próximas. As
propostas postas para a Amazônia, todos eles, são projetos de destruição, como
as grandes obras de hidrelétricas e mineração. Isso não combina com nossos
ideais.