Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

terça-feira, 27 de março de 2012

CEBs ROMEIRA DO REINO NO CAMPO E NA CIDADE - JUSTIÇA E PROFECIA A SERVIÇO DA VIDA

CEBs ROMEIRA DO REINO NO CAMPO E NA CIDADE
JUSTIÇA E PROFECIA A SERVIÇO DA VIDA

INTRODUÇÃO:

O objetivo deste texto é refletir sobre a caminhada das Comunidades Eclesiais de Base, tanto no passado (de onde viemos) quanto no sentido futuro (para onde caminhamos, em busca de que) para definir quem somos no presente. Trata-se, portanto, de entender os desafios da IDENTIDADE das Comunidades Eclesiais de Base como “sementeiras de lideranças”, em sua identidade missionária e profética; as PARCERIAS (com a pergunta sobre com quem caminhamos); o PROJETO de sociedade e de igreja que temos; a MÍSTICA ou ESPIRITUALIDADE que nos anima e impulsiona na caminhada; e a METODOLOGIA própria de nosso trabalho, ou seja, o JEITO próprio de caminhar, que é também um jeito antigo e sempre novo de toda a Igreja ser (no que re-invocamos o nosso compromisso de sermos fermento na massa da sociedade e da própria Igreja). Não tem, portanto, este texto, a intenção de oferecer respostas prontas tampouco de buscá-las. Busca e deseja despertar e fazer novas perguntas que nos faça caminhar na estrada de Jesus. A exemplo dos discípulos de Emaús, buscamos sinais, gestos e o calor que nos faça arder os corações e reconhecer também a presença de Jesus em nosso caminho-vida.    

Caminhar é o nosso caminho

A vida é devedora dos que caminham. É caminhando que a vida nasce e renasce. É no caminho que a vida ressuscita e se revela. Para as comunidades caminhantes de todos os tempos é significativa a presença – aparição - de Jesus ressuscitado na caminhada e no caminho dos discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35). É no caminho que a vida se nos revela plenamente. É caminhando que se aprende a caminhar e se constrói identidade. É no caminho que se encontra, se faz e se vive a esperança. E a esperança, além de caminhar, é a companheira de caminhada da fé. “A fé une o ser humano a Cristo, a esperança abre essa fé para o vasto futuro de Cristo. Por isso, a esperança é a companheira inseparável da fé”. (MOLTMANN, 2005, p. 35). É no caminho que se dá a marcha dos que utopicamente vivem a aventura de ser e saber que são. De saber inclusive que este ser é sempre um estar sendo. Somente o caminho e nele o caminhar pode responder às perguntas que nos movem. Quando caminhamos podemos apenas caminhar, mas quando caminhamos juntos esse caminhar se faz marcha e romaria. E na romaria já não somos mais simples indivíduos, buscando individualmente, apenas sobreviver. Em marcha somos comunidade que busca a libertação coletiva. 

(...) E que bom seria para a ampliação e a consolidação de nossa democracia, sobretudo para a sua autenticidade, se outras marchas se seguissem à sua. A marcha dos desempregados, dos injustiçados, dos que protestam contra a impunidade, dos que clamam contra a violência, contra a mentira e o desrespeito à coisa pública. A marcha dos sem-teto, dos sem-escola, dos sem-hospital, dos renegados. A marcha esperançosa dos que sabem que mudar é possível. (FREIRE, 2000, p. 61).

            É no caminho que damos concretude à mudança. Esse caminhar não é um caminhar qualquer, nem é também um simples caminhar. É por isso que, tão importante quanto caminhar é como caminhamos, com quem caminhamos, para onde caminhamos e tudo isto nos ajuda a sabermos por que caminhamos.


CAMINHAR: DE ONDE?
A questão da IDENTIDADE – perguntar de onde viemos; a origem das CEBs; a doutrina social da Igreja; a experiência dos outros intereclesiais; os 50 anos do Concilio Vaticano II; o documento de Aparecida;

O caminhar é sempre sair de uma situação que muitas vezes é desfavorável em busca da libertação. Seu primeiro gesto, portanto, é um diagnóstico da situação na qual nos encontramos. Para caminhar é preciso olhar para si, (OLHAR E VER) primeiro, para o contexto sócio-político-econômico-eclesial no qual estamos inseridos. A partir daí, o olhar para si se torna um sair de si, pela via de um chamado à missão. Depois de olhar para a realidade, somos chamados a ser agentes de transform-ação: depois do ver é preciso agir individual e coletivamente. Cada um (a) tem a sua ação específica, recebe o seu chamado e é enviado, para que a missão da comunidade seja cumprida.  
Não à toa, a identidade das CEBs está envolvida com o seu jeito próprio de diagnosticar a realidade e de lutar por sua transformação. O método ver, julgar e agir demonstra o empenho e o compromisso profético que liga vida-Bíblia-ação: ver analiticamente (analisar a realidade), julgar teologicamente (olhar a realidade com os olhos de Deus; um olho na Bíblia e outro na vida) e agir pastoralmente (trabalhar conforme a proposta de Jesus e em vista da construção de seu Reino). Esse método nos indica a identidade missionária e profética das Comunidades Eclesiais de Base, que são inspiradas pelo clamor dos pequenos e marginalizados. As CEBs, como tendas da Palavra de Deus, dizem crendo com as mãos, “Eu vi o sofrimento do meu povo”, pela palavra que brota da Bíblia “Ouvi o clamor do meu povo” e que induz à libertação e transformação da realidade “Desci para livrá-los das mãos dos seus opressores”, (Ex 3,8).
Deus vê e ouve, mas, sobretudo, se compadece. É esse sentimento de compaixão frente à dor e ao sofrimento do povo devido às injustiças que motiva a ação e a luta pela transformação dessas situações de morte (Lc 10, 29-37). Não se trata apenas de um olhar superficial, portanto, mas de um envolvimento, de um sentir a dor do outro, de um estar com ele, ser com ele, conhecer profundamente a dor do outro como sua. Ser o seu próximo. Essa atitude é própria da identidade das CEBs, porque ela é uma Igreja doméstica: é na casa que conhecemos os outros, que ele se revela como é. A casa é o lugar da intimidade, da relação, da identidade. É onde se manifestam os problemas, as dores, as faltas... A vida como ela é. A casa é o coração pulsante dos problemas sociais, nela se efetivam todos os desafios e anseios vividos pela sociedade como um todo. É aquele lugar no qual chegamos, tiramos as sandálias e descansamos entre uma marcha e outra. E quanta gente vive sem casa ou fora de casa... O que dizer de milhares de famílias nessa situação? A elas não é negada apenas um teto material, mas, sobretudo, esse lugar de partilha, sacralidade e construção de subjetividades.
Deus ouve e porque frequenta a casa do povo, se compadece dele. Deus conhece a intimidade da casa através do olhar do vizinho, do compadre, da companheira..., que na con-vivência, experimentam a fraternidade verdadeira, respeitando o espaço de cada um, sua individualidade e sua diversidade. E porque freqüenta, Deus sabe como agir, e age conforme os anseios do próprio povo. Aqui existe então um envolvimento, uma convivência que exige e revela compaixão. Trata-se de um movimento de dentro para fora, ou seja, no modo próprio das CEBs não cabem “coisas que vem de fora, de cima, prontas”. As CEBs querem construir juntos, ser juntos, fazer com – e não fazer para. Reinventar, não apenas repetir.  
O resultado seria a geração do protagonismo próprio dos indivíduos, famílias e comunidades: cada um (a) é ator do seu próprio destino, cada um (a) tem o seu rosto (identidade) e tem a chance e a vez de mostrá-lo através da partilha, da circularidade, da igualdade no dizer a palavra, a sua palavra. No círculo bíblico cada um diz, fala, interpreta. Rompe-se com isso a tradição hierárquica e sacerdotal de interpretação da Palavra de Deus: na circularidade das CEBs todos tem nome, voz e vez!
Essa identidade cresceu aos poucos, na formação e na história das Comunidades Eclesiais de Base no Brasil e na América Latina, nos desafios da conjuntura política e eclesial.


CAMINHAR: PARA ONDE?
A questão do PROJETO de sociedade e de Igreja que temos; a meta do nosso trabalho; os problemas sociais; a desigualdade; a corrupção; a economia; o consumo; o problema ambiental; a ameaça urgente de existência de um futuro para os seres vivos em geral e para o próprio ser humano;

Desde as origens, com Abraão, caminhamos em busca de pão, palavra e projeto. Alimentando o corpo com o pão e o espírito com a palavra, estamos convocados a organizar o sentido de nossa caminhada: dar sentido ao caminho e ao caminhar. Trata-se de elaborar um projeto de vida e de sociedade na qual possamos viver e efetivar o Reino de Deus. As CEBs sempre se preocuparam com esse projeto, que era, sobretudo, um compromisso cotidiano que passa por vários âmbitos: social, eclesial, econômico, político...
O projeto é o lugar para onde queremos ir, é a forma concreta de nossos sonhos e utopias, que deixam de ser apenas vagos ideais e se transformam em plano com metas e objetivos. Estes devem ser claros e conhecidos e buscados por toda a comunidade.  
Por isso, o projeto das CEBs, que é também o projeto dos movimentos e grupos que visam a transformação das estruturas opressivas, envolveu a todos nós nas lutas pela implementação concreta de uma sociedade o mais próximo possível daquela apresentada por Jesus nos Evangelhos. Essas lutas são parte da história das CEBs. São, em certa medida, a sua vocação. São as causas do povo, o grito e o anseio das comunidades Brasil afora.  Entre essas estão: a proteção e a promoção da vida e dos direitos humanos de forma plena e indivisível, com destaque para os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (alimento, saúde, moradia, emprego, educação, terra, etc.); a organização política de uma sociedade mais justa e menos violenta; a estruturação de uma verdadeira democracia, com governos justos, políticas sociais dirigidas à superação da desigualdade social; uma economia popular solidária, em plena e profunda harmonia com o ambiente e todas as formas de vida. Sabemos que são as pessoas quem fazem à economia, por isso, antes de tudo, precisamos educar para a solidariedade.
Para onde vamos? Para a terra sem males, para a terra prometida que não pode ser perdida de vista, deve ser mantida no horizonte de nosso trabalho e de nossas esperanças e certezas.


CAMINHAR: COM QUEM?
A questão das PARCERIAS: crise dos movimentos sociais no mundo contemporâneo; crise das instituições (Igreja, Estado, Família, Emprego e Escola); crise das pastorais sociais; os novos movimentos urbanos (facebook, multidão, juventude). Grito dos Excluídos, Romaria da Terra, das Águas, da Vida.

Nessa hora em que muitos falam da crise dos movimentos e pastorais sociais (nos quais os militantes das CEBs estão inseridos), sentimo-nos convocados a mais uma vez, a partir de nossa identidade e de nossas utopias, fornecer à Igreja e à sociedade a energia transformadora, a liderança profética, o compromisso efetivo e o modo libertador de celebrar a nossa fé. Podemos afirmar que o caminho é feito por cada um de nossos passos, mas a beleza da caminhada depende muito de quem caminha ao nosso lado.
Para isso nos sentimos irmanados e em comunhão com todas as entidades, movimentos e iniciativas que visem à vida plena de nosso povo. Reafirmamos nossa parceria com todos os que sonham e lutam cotidianamente nas favelas, nos acampamentos, nas periferias, nas florestas, nos sertões e em todo lugar onde a vida é ameaçada.
Caminhamos na estrada de Jesus (muitas vezes na contramão do mundo) participando nas mobilizações, nas greves, nas romarias, nas marchas, nos Gritos dos excluídos e também resgatando do silêncio aqueles que nem gritar podem.


CAMINHAR: POR QUÊ?
A questão da MÍSTICA e da ESPIRITUALIDADE: o sentido último da caminhada; o “julgar” bíblico; caminhar é fazer-se, dar-se um sentido; as experiências bíblicas de caminhadas; as romarias do povo de Deus no Brasil e no Paraná; a celebração como forma de manutenção da mística e da espiritualidade;

Vida é movimento. É sair de si em direção a outro ou a alguma coisa. Quem fica parado é devorado pelo egoísmo e pelo individualismo. Água parada adoece e não move moinho. Vida é alimentar a certeza de que há um lugar melhor do outro lado do horizonte. Nossa história como povo de Deus desde os patriarcas e matricarcas, mártires, santos e profetas, místicos, ascetas e monges, romeiros e romeiras é uma história de caminhadas. Deus mesmo caminha conosco. E nos convoca à caminhada em todos os momentos: “Ide, pois; de todas as nações fazei discípulos, (...). Quanto a mim, eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos tempos” (Mt 28, 19-20). Significa que Deus não age sozinho, quando ficamos parados, esperando em situação de passividade. Precisamos agir para que Deus também possa agir na nossa vida.
Essa caminhada precisa de um “primeiro amor”, de um caminhar para dentro de nós mesmos, resgatando a nossa força interior. O caminho mais longo e o lugar mais longe onde devemos chegar é para dentro de nós mesmos. Porque daí é que partimos para a grande caminhada do Reino. Como disse o nosso profeta maior Dom Helder Câmara, “é graça divina começar bem. Graça maior persistir na caminhada certa. Mas graça das graças é não desistir nunca”.


CAMINHAR: COMO?
A questão da METODOLOGIA do trabalho das CEBs; o jeito de caminhar; os meios de ação e de intervenção; a tentativa de romper o dualismo rezar x agir como base da metodologia das CEBs; a democracia e a dialética metodológicas.

Caminhar junto. Jesus, ao enviar seus discípulos, os enviou, dois a dois, (Mc 6,7). Isto significa que devemos caminhar e sempre acompanhados, pois assim, nasce e se caracteriza o que poderemos chamar de início de uma comunidade. “Pois, onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou no meio deles”, (Mt 18,20). Não pode existir comunidade ou vida comunitária com uma única pessoa. E ainda, uma pessoa até pode caminhar sozinha, mas seus caminhar é sempre busca de outra que lhe dê suporte e lhe faça companhia. O texto de Mateus, (10, 1 – 15) é sugestivamente rico em como deve ser esse caminhar. Deve dar preferência aos pobres e necessitados, (v 6), viver e pregar a gratuidade, (v 8), viver a simplicidade e a justiça, (v 9-10), ser mensageiros da paz, (v 13). Esse tem sido o caminhar da CEBs. Inseridas no meio do povo, igreja como “Comunidade de Comunidades”, para usar uma expressão do Documento de Aparecida. (DAp nº. 170). Ainda dialogando com Aparecida e retomando um apelo feito anteriormente de voltarmos ao primeiro amor, retomamos também um antigo apelo sempre presente em nossa caminhada. “Hoje se propõe escolher entre caminhos que conduzem à vida ou caminhos que conduzem à morte, (Dt 30,15)”, DAp nº. 13). As CEBs, como sementeiras de profetas e profetizas, apesar de ser também lugar de martírio, não escolheram o caminho que leva à morte, mas à vida.

PARA CONTINUARMOS CAMINHANDO E REFLETINDO:
1-    Quais são os sinais que encontramos na nossa vida e da Igreja que confirmam estarmos no caminho de Jesus?
2-    Quais são os maiores desafios das CEBs, como Igreja povo de Deus, para a transformação da sociedade injusta e violenta?
3-    Quais são as três ações mais urgentes para a Igreja, sem as quais ela distancia-se da estrada de Jesus?

Cantos de inspiração:
Pelos caminhos da América
Se calarem a voz dos profetas

BIBLIOGRAFIA:

- Bíblia Sagrada - TEB – Tradução Ecumênica da Bíblia. São Paulo: Loyola, 1994.
- CNBB - Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil. CELAM – Conferência Episcopal Latino-Americana. Documento de Aparecida. São Paulo: Paulus/Paulinas, 7ª Ed. 2008.
- FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação – Cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
- MOLTMANN Jürgen. Teologia da Esperança. São Paulo: 3ª. Ed. 2005.