1 – O Concílio Vaticano II
O Concílio Vaticano II (11.10.1962 - 08.12.1965) é considerado por Teólogos, Religiosos e especialistas como o novo pentecostes da Igreja Católica, (At 2, 1-13). O Espírito soprou na Igreja, através de um ancião, o Papa João XXIII, colocando-a diante do mundo moderno, e disposta à com ele dialogar. Afetou as estruturas, de concreto e do pensamento, ventilou os corredores, iluminou os porões da Igreja e, sobretudo, voltando-se às fontes, à primeira comunidade, (At 2, 42-47), recolocou a Igreja na estrada de Jesus.
Ao refletir sobre o Concílio Vaticano II, vinte anos após seu encerramento, o Padre José Oscar Beozzo, cita uma frase do Teólogo, Exegeta e Perito do Concílio, o Padre, francês René Laurentin, que nos serve como medida do que significa este acontecimento para toda a Igreja. Diz-nos esta citação: “Uma grande obra só pode sobreviver ultrapassando-se a si mesma na linha de uma fidelidade ao essencial. Para o Vaticano II, Concílio de volta às fontes, é preciso guardar o contato com o conjunto da Tradição” (BEOZZO, 1985, p. 5). Ora, o Concílio Vaticano é essa grande obra da Igreja nos tempos modernos.
A fidelidade ao essencial dita pelo Padre Laurentin, só pode ser fidelidade à Verdade, entendida como a Vontade e a Palavra de Deus expressa na vida e nos atos de seu Filho, Jesus de Nazaré. Esse voltar às fontes nos remete à Igreja nascente, Comunidade de Base, lugar de fraternidade e martírio. É a Igreja Povo de Deus, dita na Constituição Dogmática Lúmen Gentium, (LG 9). Povo que vive e caminha no mundo, segundo a Constituição Pastoral Gaudium Et Spes, com a missão de transformá-lo, (GS2). Já a Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina, Dei Verbum, alerta que, “A ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo”, (DV 25). O Sacrosanctum Concilium, Constituição sobre a liturgia, convoca e ordena toda a Igreja para que fale em línguas. “Procure-se por todos os meios, restabelecer e favorecer a participação plena e ativa de todo o povo na liturgia” (SC 14, p. 17). O Concílio produziu 16 (dezesseis) documentos, dos quais estes quatro se destacam. Vivemos um momento de espera. A Igreja já iniciou as comemorações dos cinqüenta anos do ainda desconhecido Concílio Vaticano II. Será este o Pentecostes pós-conciliar de nossa Igreja?
2 – O Conselho Episcopal Latino-Americano (1955)
A Igreja no Brasil já vivia toda uma caminhada de organização coletiva que buscava, sobretudo, a superação das situações que colocava em risco a vida. O primeiro e fundamental passo dado foi, sob a liderança do jovem Bispo cearense Dom Hélder Câmara, à fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB - no ano de 1952. Para refletir, sob a luz da fé, refletindo sobre a própria fé, os problemas religiosos que envolviam a Igreja e o povo de Deus no Brasil. Como o mesmo intuito, só que agora, com os olhos na América Latina, de 25 de Julho a quatro de Agosto do ano de 1955, logo após o Congresso Eucarístico Internacional, sob as bênçãos do Papa Pio XII, nascia, no Rio de Janeiro, o CELAM. Conselho Episcopal Latino-Americano. Essa é tida como a primeira Conferência Episcopal Latino-Americana, cujo principal feito foi a criação do CELAM.
3 – A II Conferência, a Conferência de Medellín (1968).
A II Conferência Episcopal Latino-Americana, aconteceu em Medellín na Colômbia no ano de1968 e encarnou a idéia do Concílio, nas palavras do Cardeal Lercaro, de que, “A pobreza era o selo da expansão evangélica”, e ainda convocava toda a Igreja para, “Uma teologia da eminente dignidade dos pobres, nos quais, Deus esconde sua glória”, (BEOZZO, 1985, p. 10/11). Medellín colocou na pauta, na agenda da Igreja, as questões político-sociais, unindo a fé à vida, retomando uma prática da Igreja nascente, de uma fé-política que não apenas constata e diagnóstica da realidade, mas busca e quer transformá-la. Teve como objetivo principal colocar em prática os ensinamentos do Concílio Vaticano II e da Encíclica Populorum Progressio – Sobre o Desenvolvimento dos Povos – do Papa Paulo VI. Tanto que a Conferência de Medellín teve como tema, “A presença da Igreja nas transformações da América - Latina à luz do Concílio”.
Estávamos ainda muito próximos do calor do Concílio. Há menos de três anos de seu encerramento. Ela começou no dia 26 de Agosto e terminou no dia 06 de Setembro de 1968. Marcou também por ser a primeira vez que um Papa visitou as terras Latino – Americanas. O Papa Paulo VI, que sucedera João XXIII, que morreu durante o Concílio, conduziu a Igreja nesta difícil missão de ser pobre, missionária e profética.
4 – A III Conferência Episcopal em Puebla, no México no ano de 1979.
Entre a Conferência de Medellín (1968) e a Conferência de Puebla (1979), algo de muito especial aconteceu no nosso continente. Por um lado, tanto o Brasil como o continente Latino – Americano viviam quase duas décadas de ditaduras sangrentas, com dezenas de milhares de desaparecidos, milhares de torturados e mortos e uma multidão de exilados políticos. Ainda a situação de pobreza e miséria, material e humana, era clamorosa. Por outro lado, como sementeiras de profetas e profetizas, cercadas de mártires e martírios, cheias de esperança, surgiam as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs. “As Comunidades Eclesiais de Base são expressão de amor preferencial da Igreja pelo povo simples; nelas se expressa, valoriza e purifica sua religiosidade e se lhe oferece possibilidade concreta de participação na tarefa eclesial e no compromisso de transformar o mundo”, (DP, n 643, p. 236).
É assim que Puebla vai falar da necessidade de “Conversão” de todos os cristãos e de toda a Igreja, essa idéia de “Opção preferencial pelos pobres”, em Puebla, diz o Padre Oscar Beozzo, “se repete mais de seis vezes”, (BEOZZO, 1985, p. 39). No mesmo intervalo de tempo, entre a segunda e terceira Conferência, nasce e cresce também a teologia que alimenta esse vigor profético da Igreja dos pobres e contra a pobreza. A Teologia da Libertação. É assim que, “A Igreja é o povo de Deus, que manifesta sua vida de comunhão e serviço evangelizador em diversos níveis e sob diversas formas históricas”, (DP nº. 618, p. 232). A conferência de Puebla teve como tema, “A Evangelização no presente e no futuro da América – Latina”. Seu horizonte utópico-profético foi a Exortação Apostólica, Evangelii Nuntiandi, - sobre a Evangelização no mundo contemporâneo – (1976), do Papa Paulo VI.
5 – A IV Conferência Episcopal Latino – Americana em Santo Domingo , 1992.
Santo Domingo, na República Dominicana, foi a tenda que acolheu a IV Conferência Episcopal Latino – Americana. Aconteceu entre os dias, 12 e 28 de outubro de 1992 e foi convocada e inaugurada pelo Papa andarilho da fé, João Paulo II. Evidenciou as virtudes e as falhas dos quinhentos anos de Evangelização de nosso continente. Discutiu como tema central “A nova Evangelização, a promoção humana e a cultura Cristã”. Seu lema, “Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre”, emplacou uma campanha de mobilização e de Santas Missões Populares no Brasil que foi responsável pela formação de muitas lideranças. Mas distanciou-se da realidade sócio-política-econômica, ao quase esquecer o rosto suado e sangrado de Jesus carregando a cruz, para vê-lo transfigurado, ressuscitado. Sem a cruz, aliás, sem carregar a cruz do irmão que sofre não podemos querer ressurreição.
Apesar de ter como proposta dá continuidade à obra de Medellín e Puebla, Santo Domingo, como tudo na vida, foi reflexo da realidade concreta de seu tempo. Até hoje se busca entender o que realmente quis dizer Santo Domingo, sobre “Nova Orientação Pastoral” e ainda não está entendido em que consiste a “Nova Evangelização”, apesar de ser centrada em Jesus Cristo , proposta embasada na Carta aos Hebreus, (Hb 13,6).
Parece ter perdido consistência aquela precisão nas palavras e nas ações, nos anúncios e nas denúncias, marcas do DNA do Concílio e herdadas por Medellín e Puebla. O sujeito da ação profética perde em grande parte a sua identidade e ficam difusas a causa e a ação. A vida cristã e a promoção humana parecem querer dizer, “qualquer coisa”, ao dizer ao mesmo tempo, tudo, diferentemente das duas Conferências anteriores que têm e deixam claros estes pontos. O pobre e a pobreza; a conversão de todo o povo e da Igreja; a vida e a primazia das comunidades. Tudo isto parece ficar escondido na transição da Igreja e da sociedade Latino – Americana naquele momento. Francisco Catão, diz que, “(...) Santo Domingo Rompe com o movimento de renovação da Igreja latino-americana despertado pelo Concílio e sustentado por Medellín e Puebla, (...) (CATÃO, 1993, p. 7)”. Este parece ser o sentimento óbvio quando lemos o texto de Santo Domingo.
6 – A V Conferência Episcopal Latino – Americana. A Conferência de Aparecida (13- 31 de Maio de 2007).
A V Conferência Geral dos Bispos do nosso Continente, realizada na Basílica de Nossa Senhora Aparecida - cidade de Aparecida do Norte, Estado de são Paulo, Brasil-, cuja abertura ocorreu em 13 de maio de 2007, com a presença do Papa Bento XVI e se estendeu até 31 de maio do memso ano. Já na introdução ao documento final o texto nos traz uma citação do Papa Bento XVI, na Encíclica, “Deus Caritas Est”, que nos parece mais que oportuna para a Igreja atual. Assim nos diz o Papa, “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva”, (DAp n 12, p. 13). Aparecida apresenta a Igreja como alguém que vem de uma grande travessia. Tem sede, tem fome, está cansado e desacostumado ao convívio familiar. Agora é hora de tomar um bom banho, sentar-se à mesa e conversar. Às vezes, lendo o texto base e lembrando do grande deserto atravessado pela Igreja, tendo no meio dessa travessia Santo Domingo e a partir dele, todo um distanciar-se na prática da opção preferencial pelos pobres e da Igreja povo de Deus. Da Igreja comunidade de Irmãos.
Vem-nos à lembrança, ao lermos o Documento de Aparecida, um importante canto cantado nas comunidades por muito tempo. Diz assim, “Achei difícil a viagem até aqui, mas eu cheguei, mas eu cheguei!” entre tantos sinais resgatados por Aparecida, daquela Igreja dos pobres e contra a pobreza, daquela Igreja povo de Deus para transformar o mundo, a Conferência de Aparecida nos trás com toda a força que a fez nascer, a ideia de comunidade na III Conferência. “Torna-se cada vez mais necessária a multiplicação de pequenas comunidades territoriais ou ambientais, que correspondam a uma evangelização mais personalizante”, (DP nº. 111). Volta a ousar e falar de conversão e define as Comunidades Eclesiais como “Células vivas da Igreja, (...) Escolas de comunhão”, (DAp nº. 170). A paróquia por vez, diz o documento, “Seja reformulada, para que seja, uma rede de comunidades e grupos, capazes de se articular conseguindo que seus membros se sintam realmente discípulos e missionários de Jesus Cristo em comunhão”, (DAp nº. 172, p. 87). Aparecida nos traz um novo momento de profecia para toda a Igreja.
Curitiba, 19 de Março de 2012.
João Santiago. Teólogo, Poeta e Militante.
Mestrando em Teologia pela PUCPR.
Autor do livro, “O Menino do Cariri -
O Poeta do Brasil.
BIBLIOGRAFIA
- BEOZZO, Oscar José. (org) O Vaticano II e Igreja Latino-Americana. São Paulo: Paulinas, 1985.
- BÍBLIA Sagrada – TEB – Tradução Ecumênica da Bíblia. São Paulo: Loyola, 1994.
- CATÃO, Francisco. Santo Domingo – Significação e Silêncios. São Paulo: Paulinas, 1993.
- CELAM. Conselho Episcopal Latino-Americano. Conclusões da Conferência de Puebla. São Paulo: Paulinas, 13 Ed. 2004.
- CELAM. Conselho Episcopal Latino-Americano. Documento de Aparecida. São Paulo: Paulinas/Paulus, 7ª. Ed. 2008.
- PADIM, Cândido Dom. (OSB). A Conferência de Medellín – Renovação Eclesial. São Paulo: Coleção Instituto Jacques Maritain do Brasil. LTr Editora Ltda., 1999.
- PAULO VI. Exortação Apostólica – EVANGELII NUNTIANDI - Sobre a evangelização no mundo contemporâneo. São Paulo: Paulinas, 21ª. Ed. 2009.
- PAULO VI. Carta Encíclica - POPULORUM PROGRESSIO - Sobre o desenvolvimento dos povos. São Paulo: Paulinas, 12 Ed.1990.
- VATICANO II. Constituição Dogmática sobre a revelação divina – DEI VERBUM. São Paulo: Paulinas, 4 Ed. 1998.
- VATICANO II. Constituição Pastoral GAUDIUM ET SPES – Sobre a Igreja no mundo de hoje. São Paulo: Paulinas, 10ª. Ed. 1998.
- VATICANO II. Constituição Dogmática LUMEN GENTIUM – Sobre a Igreja. São Paulo: Paulinas, 13ª. Ed. 1999.
- VATICANO II. Constituição SACROSANCTUM CONCILIUM Sobre a sagrada liturgia. São Paulo: Paulinas, 6ª. Ed. 2004.