Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

IGREJA ROMEIRA E MISSIONÁRIA DO REINO

Dom Fernando Panico, MSC
Bispo Diocesano de Crato, CE


SEMINÁRIO NACIONAL CEBs
Crato, 23 de janeiro de 2012


Sejam bem-vindas e bem-vindos a este Seminário Nacional e III Ampliada Nacional das CEBs, a caminho do 13º Intereclesial em 2014. Saúdo a todas e todos, em nome desta Igreja romeira e missionária que está em Crato, uma Diocese cuja história quase centenária pode testemunhar a presença e o compromisso de formar comunidades eclesiais de base, no campo e na cidade. Que este Seminário seja um momento de graça e de comunhão, pois nos propomos a conversar e aprofundar o sentido e o alcance das CEBs no caminhar da Igreja em sua missão evangelizadora e santificadora, no contexto dos 50 anos do Concílio Vaticano II. Com calma e seriedade, na força do Espírito de Deus, refletiremos o tema ou a teologia do próximo Intereclesial a realizar-se em terras nordestinas, aqui na casa do Pe. Cícero Romão Batista, patriarca da nação romeira, santo popular das CEBs romeiras do Nordeste brasileiro, conselheiro e amigo dos pobres.

Tenho uma consciência que na abertura do Seminário não cabe fazer uma conferência, mas apenas partilhar e revelar um pouco das inquietações e certezas que moram no pastoreio e no coração de um bispo romeiro e profundamente cativado e marcado pelas CEBs. Sim, comprometido com elas, alimentado na espiritualidade do caminho e respaldado por uma história de salvação, sentida e celebrada por milhões de romeiros, ao longo dos 100 anos desta Diocese. Uma história salvífica que, humildemente, desejo agregar ao riquíssimo patrimônio construído pelas CEBs, no Brasil, na América Latina e em tantos outros sítios.

Agregar não é simplesmente ajuntar ou somar, nem fazer uma coisa só, mas buscar portas para inserir a espiritualidade, o rosto da fé e a mística dos romeiros na vida, na expressão de fé e testemunho das CEBs e ajudar os romeiros a encontrarem um sentido mais profundo e missionário no jeito de viver e celebrar das CEBs. Há muito tempo mesmo essa reflexão e aproximação se fazem necessárias, ao menos para nós que vivemos e trabalhamos no Nordeste Brasileiro e apostamos na força evangelizadora das romarias realizadas, é verdade, em todo território nacional.

Temos tantos documentos oficiais que falam das CEBs e valorizam as romarias. Contudo para juntar ou agregar não basta um discurso teológico, apoiado na Tradição e no Magistério atual da Igreja, mas se requer tudo isso, e mais a experiência imprescindível de vivência nas CEBs e o banho na espiritualidade das romarias. Isso começaremos a fazer nesse Seminário e, continuar, com mais profundidade, na preparação e realização do 13º Intereclesial com milhões de romeiros e membros das CEBs.

A Diocese de Crato, diga-se a verdade, foi pioneira na aplicação das orientações pastorais do Concílio Ecumênico Vaticano II que auspiciam uma Igreja aberta ao mundo e parceira na caminhada do povo, uma Igreja solidária e educadora da esperança dos pobres. Nem sempre, porém, soube valorizar e reconhecer-se, como Instituição, nas romarias de Juazeiro do Norte. Hoje, com um olhar de síntese, agradecemos o avanço das nossas comunidades no que se refere à consciência de base desenvolvida mediante tantas iniciativas voltadas para a promoçãointegral da pessoa humana e da vida social.A memória dos “mártires” da caminhada, como o Pe. Cícero, o Pe. Ibiapina, o Beato José Lourenço, é ocultada e mantida perene, seja pelas romarias aos santuários que os recordam, como pelo propósito de perpetuar a memória deles, na realidade hoje. Fé e vida caminharam juntas. No momento presente, as CEBs encontraram um novo impulso através das Santas Missões Populares, e – particularmente – na proposta pastoral de organizar a Diocese em “rede de comunidades”. O Pe. Vileci, coordenador do Ministério da Caridade na nossa Pastoral Diocesana, poderá depois destacar e enuclear melhor a fisionomia e a presença das CEBs nesta Diocese.

Como bispo romeiro, tenho presente, tantas vezes, na minha oração e na recordação aquele projeto de Igreja, experimentado pelas primeiras comunidades, descrito nos livros do Novo Testamento, especialmente em Atos2, 42-47. Logo após a ressurreição, os cristãos foram se organizando e testemunhando a fé no meio pagão e hostil, firmando-se em quatro pilares básicos: perseverantes nos ensinamentos, comunhão fraterna, fração do pão nas casas e as orações. Isso porque no centro está viva a consciência da presença e atuação do ressuscitado.

O documento do Celam, em Aparecida, reitera que as CEBs tem sido escolas que ajudam “a formar cristãos comprometidos com sua fé, discípulos e missionários do Senhor, como o testemunho a entrega generosa, até derramar o sangue, de muitos de seus membros. Elas abraçam a experiência das primeiras comunidades, como estão descritas nos Atos dos Apóstolos !At 2, 42-47” (178).

A exemplo das primeiras comunidades e frente à clamorosa injustiça, à luz dos ensinamentos da Igreja, as CEBs se tornaram, progressivamente, o lugar privilegiado da manifestação da fé em Jesus Cristo, revelada aos pobres e pequeninos. Graças às CEBs, o povo chegou a um conhecimento maior da Palavra de Deus, ao compromisso social em nome do Evangelho. Desde o seu surgimento, as CEBs encontraram nos Círculos Bíblicos o alimento da Palavra de Deus que lhes possibilita o confronto direto com a situação concreta de vida e ações proféticas, iluminadas e fortalecidas pela Palavra do Senhor.

Para nós, com certeza, nesse Seminário, cabe a pergunta: O que a Igreja aprendeu, e guarda comcarinho, da história de vida, das celebrações e da ação transformadora e profética das CEBs? Ou talvez, dizendo assim: Que força renovadora e profética mora nas CEBs hoje? Com isso, quero me perguntar se a Igreja Institucional (bispos e padres) tem claro o que mesmo quer com as CEBs. Como pastor, bispo, desafiado por tantas interpelações do Evangelho, não aceito que as CEBs sejam uma pastoral ou instrumento pastoral na Igreja; elas são um caminho do compromisso com o evangelho, do viver no Ressuscitado, uma luz para a enculturação do evangelho e uma mistagogia de iniciação na vida cristã e na litúrgica.

As CEBs desenvolveram uma sensibilidade social para os desafios reais da comunidade que exigiram um esforço de mobilização na afirmação do seu valor humano, social e eclesial. E na medida do crescimento da sua consciência crítica e das suas ações de solidariedade, tornam-se o espaço do anúncio da Boa Nova para os excluídos e oprimidos da nossa sociedade.

Na Igreja hoje, em meio a tantos desafios e descaminhos, as CEBs são a expressão mais visível da opção preferencial pelos pobres num sinal evidente da vitalidade da Igreja Particular e respondem à dimensão de evangelização postulada pelo Papa Bento XVI na sua primeira encíclica: “Agora o amor torna-se cuidado do outro e pelo outro. Já não se busca a si próprio, não busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura, em vez disso, o bem do amado: torna-se renúncia, está disposto ao sacrifício, antes, procura-o” (Deus Caritas Est, 6).

As CEBs, desde o seu surgimento, têm testemunhado a busca da santidade no seu jeito de viver e entender a mensagem de Jesus Cristo. A santidade do amor, no espírito das Bem-Aventuranças. A santidade na política, como enfrentamento das injustiças até o martírio pela entrega da própria vida e a santidade da plenitude e da graça ao se viver à luz do Cristo Morto e Ressuscitado. Essa prática tem nos ajudado a resignificar o sentido de santidade nos dias de hoje.

Nestes tempos sombrios em que a ganância de poucos estimula a destruição da Natureza – criação de deus para todos – temos estendido o nosso conceito de generosidade e compaixão a todas as criaturas viventes sobre a face do nosso planeta Terra. É necessário, mais do que nunca, na nossa opção preferencial pelos pobres, considerar o mundo natural, pois agora o Bem Comum inclui a Terra e todas as criaturas viventes além dos humanos. Nestes tempos, a natureza é o novo pobre.

Enfim, caros irmãos e irmãs, mais do que nunca, é preciso ousar. Ou a Igreja opta pela chamada “conversão pastoral para a missão” com um projeto de vida em pequenas comunidades, ou terá que amargar consequências complicadoras no dia de amanhã. As CEBs não querem e nem podem ser a tábua de salvação, mas sim reveladoras de um jeito de ser Igreja.