1. Fortalecimento da luta das mulheres
É evidente que o fato de o Brasil eleger uma mulher e com a história da Presidenta Dilma seja significativo e possa fortalecer a luta por igualdade e liberdade. Sinaliza para o conjunto da sociedade que as mulheres podem e devem estar nos espaços de poder. No entanto, a vitória de uma mulher não significa mudança nos valores da sociedade brasileira, que são machistas, preconceituosos, patrimonialistas, sexistas e homofóbicos. A contradição revela que nossa sociedade está em movimento e a vitória de Dilma ajuda a recolocar as questões de gênero na agenda política.
2. Continuidade do Governo Lula
Todo governo continua determinadas políticas do anterior, redimensiona e cria outras. O que muda de um governo para o outro é o reconhecimento de quem são os sujeitos políticos estratégicos para determinado projeto. O próprio governo Lula mudou no segundo mandato. Pelo tom conciliatório de classes, no governo dele houve manutenção do equilíbrio existente na sociedade. Não possibilitou mudanças na correlação de forças, historicamente desfavorável ao campo popular, que resultou numa das sociedades mais desiguais do mundo.
Quando ministra da Casa Civil, Dilma defendeu o desenvolvimentismo quase a qualquer preço. No debate sobre o marco regulatório da energia isso se evidenciou. Uma das possibilidades para o governo atual, com este projeto desenvolvimentista (onde a questão socioambiental entra apenas no discurso ou como secundária) é a aliança com o setor produtivista do empresariado e com o movimento sindical.
Esta aliança desse empresariado (da economia real) e do movimento sindical pode levar ao enfrentamento do setor financeiro (questão dos juros) e do movimento social preocupado com as questões socioambientais. Essa aliança, cujas bases foram lançadas no governo Lula, pode estar em curso. Apesar de tão sonhada por setores da esquerda, pouco altera a estrutura de poder no Brasil. Pode levar a taxas significativas de crescimento econômico, mas não significa grandes mudanças estruturais. É necessário vir acompanhada de uma estratégia política de incorporação no cenário da disputa política de novos setores, tais como os inseridos no mercado informal, pequenos produtores e empresários, setores sociais não representados por sindicatos etc.
3. Política externa e de cooperação
Apesar da mudança do ministro, não há grandes mudanças na política externa e de cooperação. O eixo central desta política no governo Lula foi tornar o Brasil um interlocutor relevante nas relações internacionais. Para isso era necessário fortalecer o Brasil nas relações Sul/Sul, contrapor-se à hegemonia do Norte nos espaços internacionais e criar novos espaços multilaterais, visando disputar mercado e poder nas esferas internacionais. A política de cooperação executada pela ABC (Agência Brasileira de Cooperação), ligada ao Ministério das Relações Exteriores, segue a lógica futebolística de tirar o país da segunda divisão e ir para a primeira, mas sem mudar as regras do campeonato. A expectativa é a de continuidade da política em relação ao Mercosul e à América latina, pois Dilma, como economicista, é mais aberta a pressões políticas em favor de um equilíbrio entre "a soberania brasileira e a igualdade com países de economia menores."
4. Combate às desigualdades
Talvez seja o ponto de maior descontinuidade em relação ao governo Lula. Divergíamos do governo anterior por entender que a desigualdade é produto do acesso diferenciado dos diferentes grupos aos seus direitos. A desigualdade tem a dimensão econômica, mas não apenas. Significa a desigualdade nos acessos ao poder e aos direitos pelas mulheres, pelas populações negra, indígena, urbana e rural, pela população homo afetiva, etc. Apesar de ter criado os Ministérios da Igualdade Racial, das Mulheres e dos Direitos Humanos, o Governo Lula teve uma concepção apenas econômica das desigualdades e, como estratégia central para o enfrentamento dela, a incorporação no mercado de trabalho e a transferência de renda com condicionantes.
Apesar disso, avançou na criação de um sistema de proteção social com o SUAS (Sistema Único de Assistência Social) e dando à Assistência Social o status de política pública, conforme determinação da Constituição de 1988. O governo Dilma indica um retrocesso significativo nesta área, de acordo com seu discurso inicial de combate à miséria/pobreza. A primeira medida do governo Dilma nesta área foi pedir uma nova definição da linha da miséria e da pobreza onde o único critério é o da renda per capta da família. Está havendo a subordinação da lógica social à lógica econômica, e uma economista dirige o Ministério de Desenvolvimento Social. Parece uma reedição do discurso dominante na década de 90, com belas fórmulas e números para combater a miséria.
Esta estratégia de combate à miséria/pobreza leva a uma personalização das políticas públicas. Centrada no indivíduo, tira a possibilidade de serem instrumentos de fortalecimento dos sujeitos políticos ou mesmo da organização desses cidadãos/ãs, podendo interferir nas decisões políticas e nos espaços de poder. Essa estratégia de combate à miséria não incorpora a dimensão participativa, ou seja, a organização política dos "usuários" dessas políticas públicas.
O combate à desigualdade nos governos Lula e Dilma tem diferenças, mas ambos não caminham na direção do que pensamos ser o combate a todas as desigualdades, e a todas as dimensões da construção desta desigualdade, inclusive a dimensão cultural.
O discurso do governo Dilma sobre a desigualdade (econômica), de certa forma, caminha na mesma direção do discurso e estratégias de algumas agências de cooperação. Isso pode enfraquecer o campo que defende os direitos humanos como elemento fundamental no combate a todas as formas e processos de desigualdades.
José Antônio Moroni, membro da coordenação executiva do PAD e membro do colegiado de gestão do INESC.
PAD - Processo de Articulação e Diálogo entre Agências Ecumênicas e Parceiros Brasileiros, atua com foco na cooperação internacional a partir do tema do Dhesc(A) e Desenvolvimento.
Fonte: CEBI