Opinião de Kent Hayden, mestre em teologia pastoral pelo Princeton Theological Seminary, em artigo para o sítio The Huffington Post, 02-08-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Wendell Berry disse que comer é um ato agrícola. Eu sempre suspeitei que a agricultura é um ato teológico. A forma como produzimos e consumimos algo tão básico quanto o nosso alimento não só determina a nossa saúde física e ambiental, mas também é um reflexo da nossa saúde social e um fator contribuinte da nossa saúde espiritual.
Essa é uma ideia que deveria nos incomodar e nos estimular. Se comer é algo agrícola, e a agricultura é algo teológico, então comer direito é um sinal de fé, e comer de forma injusta e esteticamente desprovida coloca a alma em risco.
Tenho suspeitas sobre essa conexão desde que meu avô lavou suas mãos agrícolas calejadas em água benta para batizar minha cabeça de criança. Minhas memórias do barulho do trator do meu avô estão misturadas com as da retumbância da sua pregação. Eu sempre imaginei que havia uma ligação entre a força de sua fé e a força de seu aperto de ordenhador.
Mas, nos primeiros 25 anos da minha vida, essas noções vagas permaneceram no fundo do meu pensamento e da minha vida. Eu estava descontente tanto com o "fast food" e a "fast religion" da nossa sociedade. Eu me rendi a ambos, mas só fui recompensado com o aumento ocasional da autorretidão ao passar na frente de uma lanchonete de hambúrgueres com fome ou ao desligar um sermão de rádio pessimista. Eu sabia que a comida fácil e a religião fácil com as quais eu costumava abastecer meu corpo e minha alma em grande parte da minha vida foram ruins para mim. Mas eu pensava que o jejum era a única solução.
No período em que eu me formei no seminário, eu estava começando a ver sinais de esperança no nosso discurso público. As pessoas estavam falando sobre os alimentos e a agricultura de formas significativas. As pessoas estavam levantando suas vozes em apoio a uma religião que tinha suas mãos sujas de terra. Cheguei a possuir a perigosa combinação de otimismo, convicção e descontentamento que às vezes leva a uma aventura. Eu estava desejando uma forma significativa de vida, que nem os meus anos de consumo nem o jejum haviam fornecido, e eu suspeitava que o melhor lugar para encontrá-la era no próprio jardim que nossas escolhas alimentares excluíram de nós há muito tempo. Candidatei-me para um estágio em uma pequena fazenda orgânica no Estado de Washington, fiz as malas com algumas roupas, uma barraca e meu cachorro e peguei a estrada.
Nas últimas três semanas, tenho vivido, trabalhado e comido com as mãos sujas de terra. Nessas três semanas, tomei banho em um total de seis vezes, criei bolhas nas mãos cinco vezes, assisti 21 pores-do-sol e 15 nasceres, me deitei debaixo de um irrigador de jardim duas vezes, desci o rio Yakima três vezes e queimei minha nuca no sol inúmeras vezes. Eu tenho sido surpreendido pela beleza todos os dias e tenho ido dormir contente todas as noites.
A abundância espiritual que eu tenho desfrutado, embora vivendo com dor nas costas e bolhas nas mãos, não pode ser explicada pelos alimentos que tenho comido. Eu comia bem antes. Não é por causa da admiração que tenho experimentado. Eu estava imerso na beleza antes. Ela cresce a partir das próprias bolhas e dores, ganhadas em busca de uma simples coisa boa. É o resultado do reordenamento do meu entendimento do "bem", para incluir a luta e a superação das aflições benevolentes dos amanheceres e dos dias longos e quentes.
A solução para o descontentamento de uma cultura "fast-food" e de uma religião "fast-food" não é apenas a rejeição dos frutos dessas tendências sociais. É uma metanoia total, uma virada da mente em direção a uma estética teológica e culinária que inclua tanto a dificuldade quanto a satisfação como partes do bem.
Nossos pregadores devem proclamar a complexa mistura do doloroso e do sublime que constitui a verdadeira beleza da criação. Nossas comunidades de fé devem nos convidar para essa beleza, derrubando as cercas de madeira brancas que construímos entre o nosso bem e o nosso mal autorreferenciais. Devemos abrir novos campos de trabalho e de crescimento e colocarmo-nos a difícil tarefa de construir relações.
Da mesma forma, o nosso sistema alimentar deve recuperar o valor e a dignidade do trabalho duro, conectando os consumidores aos produtores, por meio de hortas comunitárias, agricultura comunitária e alimentos locais e sazonais. Devemos exigir que o "comércio justo" deixe de ser um luxo, para que, quando nos encontremos com os homens e as mulheres cujas mãos nos dão o pão nosso de cada dia, possamos olhá-los nos olhos e sorrir. Devemos reaprender a postura das costas curvadas da agricultura e, com ela, a postura das costas curvadas da oração.
Esse será um trabalho difícil e será lento. Treinar nossos músculos espirituais para trabalhar e para colher exige disciplina. Relacionar-se com a beleza do mundo em seus próprios termos requer humildade. A inércia de grande parte da nossa vida está contra nós. Mas, atrás de nós, impulsionando-nos para a frente, está a força constante da comunidade, a força da boa vida e dos bons relacionamentos, a força da família, da terra, do lar.
Nosso erro foi um velho erro. Nossos ancestrais nos alertaram sobre os perigos de tentar polarizar o trabalho e o prazer. Assim como Adão e Eva, nós definimos o bem e o mal em termos da nossa própria conveniência, dividindo aquilo que tem o seu ser na unidade. Em nossa tentativa de viver apenas naquela metade suave do ser que chamamos de bem, negamos a nós mesmos a experiência total, nos colocamos para fora do jardim.
Felizmente, a solução para o nosso erro é tão antiga quanto clara. Junto com Adão e Eva, nós ferimos a Terra e ferimos a nós mesmos. A resposta de Deus permanece a mesma:
Enquanto viveres,dela [da terra] te alimentarás com fadiga.A terra produzir-te-á espinhos e ervas daninhas,e comerás a erva dos campos. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes para a terra, pois dela foste tirado. Tu és pó, e ao pó voltarás.
Essa vida, essa luta, essa bênção é nossa. É hora de pegar nossas enxadas e afirmar isso com uma gratidão e uma energia iguais à beleza do dom.
Fonte: IHU
Essa é uma ideia que deveria nos incomodar e nos estimular. Se comer é algo agrícola, e a agricultura é algo teológico, então comer direito é um sinal de fé, e comer de forma injusta e esteticamente desprovida coloca a alma em risco.
Tenho suspeitas sobre essa conexão desde que meu avô lavou suas mãos agrícolas calejadas em água benta para batizar minha cabeça de criança. Minhas memórias do barulho do trator do meu avô estão misturadas com as da retumbância da sua pregação. Eu sempre imaginei que havia uma ligação entre a força de sua fé e a força de seu aperto de ordenhador.
Mas, nos primeiros 25 anos da minha vida, essas noções vagas permaneceram no fundo do meu pensamento e da minha vida. Eu estava descontente tanto com o "fast food" e a "fast religion" da nossa sociedade. Eu me rendi a ambos, mas só fui recompensado com o aumento ocasional da autorretidão ao passar na frente de uma lanchonete de hambúrgueres com fome ou ao desligar um sermão de rádio pessimista. Eu sabia que a comida fácil e a religião fácil com as quais eu costumava abastecer meu corpo e minha alma em grande parte da minha vida foram ruins para mim. Mas eu pensava que o jejum era a única solução.
No período em que eu me formei no seminário, eu estava começando a ver sinais de esperança no nosso discurso público. As pessoas estavam falando sobre os alimentos e a agricultura de formas significativas. As pessoas estavam levantando suas vozes em apoio a uma religião que tinha suas mãos sujas de terra. Cheguei a possuir a perigosa combinação de otimismo, convicção e descontentamento que às vezes leva a uma aventura. Eu estava desejando uma forma significativa de vida, que nem os meus anos de consumo nem o jejum haviam fornecido, e eu suspeitava que o melhor lugar para encontrá-la era no próprio jardim que nossas escolhas alimentares excluíram de nós há muito tempo. Candidatei-me para um estágio em uma pequena fazenda orgânica no Estado de Washington, fiz as malas com algumas roupas, uma barraca e meu cachorro e peguei a estrada.
Nas últimas três semanas, tenho vivido, trabalhado e comido com as mãos sujas de terra. Nessas três semanas, tomei banho em um total de seis vezes, criei bolhas nas mãos cinco vezes, assisti 21 pores-do-sol e 15 nasceres, me deitei debaixo de um irrigador de jardim duas vezes, desci o rio Yakima três vezes e queimei minha nuca no sol inúmeras vezes. Eu tenho sido surpreendido pela beleza todos os dias e tenho ido dormir contente todas as noites.
A abundância espiritual que eu tenho desfrutado, embora vivendo com dor nas costas e bolhas nas mãos, não pode ser explicada pelos alimentos que tenho comido. Eu comia bem antes. Não é por causa da admiração que tenho experimentado. Eu estava imerso na beleza antes. Ela cresce a partir das próprias bolhas e dores, ganhadas em busca de uma simples coisa boa. É o resultado do reordenamento do meu entendimento do "bem", para incluir a luta e a superação das aflições benevolentes dos amanheceres e dos dias longos e quentes.
A solução para o descontentamento de uma cultura "fast-food" e de uma religião "fast-food" não é apenas a rejeição dos frutos dessas tendências sociais. É uma metanoia total, uma virada da mente em direção a uma estética teológica e culinária que inclua tanto a dificuldade quanto a satisfação como partes do bem.
Nossos pregadores devem proclamar a complexa mistura do doloroso e do sublime que constitui a verdadeira beleza da criação. Nossas comunidades de fé devem nos convidar para essa beleza, derrubando as cercas de madeira brancas que construímos entre o nosso bem e o nosso mal autorreferenciais. Devemos abrir novos campos de trabalho e de crescimento e colocarmo-nos a difícil tarefa de construir relações.
Da mesma forma, o nosso sistema alimentar deve recuperar o valor e a dignidade do trabalho duro, conectando os consumidores aos produtores, por meio de hortas comunitárias, agricultura comunitária e alimentos locais e sazonais. Devemos exigir que o "comércio justo" deixe de ser um luxo, para que, quando nos encontremos com os homens e as mulheres cujas mãos nos dão o pão nosso de cada dia, possamos olhá-los nos olhos e sorrir. Devemos reaprender a postura das costas curvadas da agricultura e, com ela, a postura das costas curvadas da oração.
Esse será um trabalho difícil e será lento. Treinar nossos músculos espirituais para trabalhar e para colher exige disciplina. Relacionar-se com a beleza do mundo em seus próprios termos requer humildade. A inércia de grande parte da nossa vida está contra nós. Mas, atrás de nós, impulsionando-nos para a frente, está a força constante da comunidade, a força da boa vida e dos bons relacionamentos, a força da família, da terra, do lar.
Nosso erro foi um velho erro. Nossos ancestrais nos alertaram sobre os perigos de tentar polarizar o trabalho e o prazer. Assim como Adão e Eva, nós definimos o bem e o mal em termos da nossa própria conveniência, dividindo aquilo que tem o seu ser na unidade. Em nossa tentativa de viver apenas naquela metade suave do ser que chamamos de bem, negamos a nós mesmos a experiência total, nos colocamos para fora do jardim.
Felizmente, a solução para o nosso erro é tão antiga quanto clara. Junto com Adão e Eva, nós ferimos a Terra e ferimos a nós mesmos. A resposta de Deus permanece a mesma:
Enquanto viveres,dela [da terra] te alimentarás com fadiga.A terra produzir-te-á espinhos e ervas daninhas,e comerás a erva dos campos. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes para a terra, pois dela foste tirado. Tu és pó, e ao pó voltarás.
Essa vida, essa luta, essa bênção é nossa. É hora de pegar nossas enxadas e afirmar isso com uma gratidão e uma energia iguais à beleza do dom.
Fonte: IHU