A Igreja da América Latina mudou muito desde a Conferência Episcopal de Medellín, em 1968. Ali aconteceu a tomada de posição em favor dos pobres do continente, com todos os desdobramentos experimentados nas últimas décadas.
Mais que construir uma outra doutrina social, os bispos levaram a sério a "evangelização integral, em todas as suas dimensões, inclusive a social". A integração entre fé e vida passou a ser uma expressão cotidiana de grande parte dos cristãos do continente. Em 1975 o Papa Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi, incorpora definitivamente a dimensão social como essencial da própria evangelização.
Mesmo em anos mais recentes, quando houve grande recuo nessa linha de evangelização, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, tem feito declarações em momentos eleitorais, normalmente de forma genérica, mais em forma de princípios, para que os cristãos sejam responsáveis ao votar. Aí estão incluídas as dimensões mais próprias do mundo político, como a ética no trato do bem público, a ficha limpa do candidato, sua preocupação com a justiça social, a educação, a saúde e as populações mais pobres. Os documentos do episcopado não citam nomes, não execram publicamente nenhuma pessoa.
Por isso, é absolutamente fora dos padrões eclesiais a declaração do bispo de Guarulhos pedindo que os cristãos de sua diocese não votem em Dilma Roussef, por seu pressuposto apoio ao aborto.
O bispo erra em vários pontos. Primeiro, porque é uma atitude eclesialmente isolada. Nem sua aparente postura de defensor da vida lhe dá credibilidade.
Segundo, é uma leitura politicamente equivocada. A decisão sobre o aborto passa pelo Legislativo, não pelo Executivo. Há parlamentares favoráveis ao aborto em todos os partidos, assim como há contra. Portanto, não é exclusividade do partido de Dilma. Se é de citar um nome, que fossem citados todos. No fundo apenas revela sua opção eleitoral para o mês de outubro e seu preconceito contra a candidata e seu partido.
Terceiro, seria bom respeitar a opinião da própria pessoa, que já disse não ser favorável à descriminalização do aborto.
Por fim, seria melhor exigir de Dilma, como de todos os outros, a defesa da comunidade inteira da vida, ameaçada pela fome, pela sede, pelo Aquecimento Global. Seria bom ver também a dimensão da educação, da saúde, do acesso à água, ao saneamento, a implantação da reforma agrária e tantos outros consensos já existentes no episcopado.
Hoje há um enorme desencanto da população com a política, particularmente da juventude. Parece um fato repetitivo, sem capacidade de provocar mudanças. Se formos reduzir as preocupações da eleição à vida uterina, maior será seu desencanto.
* Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra
Mais que construir uma outra doutrina social, os bispos levaram a sério a "evangelização integral, em todas as suas dimensões, inclusive a social". A integração entre fé e vida passou a ser uma expressão cotidiana de grande parte dos cristãos do continente. Em 1975 o Papa Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi, incorpora definitivamente a dimensão social como essencial da própria evangelização.
Mesmo em anos mais recentes, quando houve grande recuo nessa linha de evangelização, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, tem feito declarações em momentos eleitorais, normalmente de forma genérica, mais em forma de princípios, para que os cristãos sejam responsáveis ao votar. Aí estão incluídas as dimensões mais próprias do mundo político, como a ética no trato do bem público, a ficha limpa do candidato, sua preocupação com a justiça social, a educação, a saúde e as populações mais pobres. Os documentos do episcopado não citam nomes, não execram publicamente nenhuma pessoa.
Por isso, é absolutamente fora dos padrões eclesiais a declaração do bispo de Guarulhos pedindo que os cristãos de sua diocese não votem em Dilma Roussef, por seu pressuposto apoio ao aborto.
O bispo erra em vários pontos. Primeiro, porque é uma atitude eclesialmente isolada. Nem sua aparente postura de defensor da vida lhe dá credibilidade.
Segundo, é uma leitura politicamente equivocada. A decisão sobre o aborto passa pelo Legislativo, não pelo Executivo. Há parlamentares favoráveis ao aborto em todos os partidos, assim como há contra. Portanto, não é exclusividade do partido de Dilma. Se é de citar um nome, que fossem citados todos. No fundo apenas revela sua opção eleitoral para o mês de outubro e seu preconceito contra a candidata e seu partido.
Terceiro, seria bom respeitar a opinião da própria pessoa, que já disse não ser favorável à descriminalização do aborto.
Por fim, seria melhor exigir de Dilma, como de todos os outros, a defesa da comunidade inteira da vida, ameaçada pela fome, pela sede, pelo Aquecimento Global. Seria bom ver também a dimensão da educação, da saúde, do acesso à água, ao saneamento, a implantação da reforma agrária e tantos outros consensos já existentes no episcopado.
Hoje há um enorme desencanto da população com a política, particularmente da juventude. Parece um fato repetitivo, sem capacidade de provocar mudanças. Se formos reduzir as preocupações da eleição à vida uterina, maior será seu desencanto.
* Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra