Jesus em busca das mulheres prostituídas (Parábola)
Gilvander Moreira[1], frei Carmelita
(Artigo publicado nos Jornais da Pastoral da Mulher, da Arquidiocese de Belo Horizonte, MG: Jornal Grito Mulher, Ano XIX, n. 112, maio/2010, p. 6; e Jornal Alô Mulher, Ano 5, n. 12, abril/maio de 2010, p. 3.)
"Quando Deus andou no mundo..!" “(...) as prostitutas vos precederão no Reino de Deus.” (Mateus 21,31)
Certa vez, Jesus reuniu os discípulos e as discípulas e disse: "Quando vocês forem anunciar a Boa Nova do Reino, não levem dinheiro nem comida, mas confiem no povo. Digam: O Reino chegou! Está chegando!'" E os discípulos assim foram.
Jesus também foi. Andou, andou. Estava começando a escurecer, quando chegou num dos “hotéis de alta rotatividade” da rua Guaicurus, no centro de Belo Horizonte, região onde se concentra o maior número de mulheres que exercem a prostituição na capital mineira. Jesus viu prédios velhos e mal cuidados. Viu os quartos de alguns hotéis em péssimas condições, muito pequenos, e com pouca ventilação. Alguns não tinham sequer água encanada, em outros, apenas uma pia, ou um pequeno bidê e pia.
Jesus, manso e humilde, não viu apenas as condições físicas. Jesus viu centenas e centenas de mulheres que ali tentavam ganhar o pão de cada dia, quase todas mães, filhas pobres de famílias do interior e até de outros estados do Brasil. Jesus ouviu ali que certos saduceus, ricos piedosos, sem nunca ouvir as “mulheres da batalha”, as taxavam de promíscuas, de pecadoras e libertinas. Jesus ficou indignado com esse moralismo. Jesus viu o Deus da Vida, pai de infinito amor, presente nas mulheres prostituídas, pois encontrou muita humanidade no meio delas. Jesus viu que desde muito cedo aquelas jovens tiveram de buscar meios de promover o próprio sustento. Jesus viu nelas mães, que precisaram prover os próprios filhos desde a adolescência. Jesus viu que todas tinham no coração um grande sonho: melhorar de vida. “Sonhamos com dias melhores”, Jesus ouviu isso de várias.
De mansinho, Jesus começou a dialogar com as mulheres da batalha. Perguntou: “Quais os motivos que levaram vocês a abraçar a prostituição como uma profissão?” Uma a uma, foram dizendo: falta de orientação familiar, falta de oportunidades, necessidade de luxo, ilusão, baixa escolaridade, falta de profissão, filhos para sustentar, dificuldades da vida, necessidade de comprar o amor da família ...
Jesus viu que as “mulheres da batalha” deviam almoçar correndo. Caso perdessem tempo, não conseguiriam pagar a diária no fim do dia. Enquanto almoçava com elas, Jesus arriscou perguntar: “O que causa medo em vocês?” Disseram: “os homens violentos com seus desejos abusivos, o autoritarismo dos gerentes dos hotéis, o medo de não conseguir pagar a diária, a falta de chaves (quartos) para trabalhar, o hotel sem clientes, AIDS, drogas, a doença mental, a discriminação... Uma que não quis revelar o nome desabafou:“A maior tristeza da prostituta é a discriminação. Como você vai falar: sou prostituta?”
Jesus, com olhar penetrante e sentindo com o coração, percebeu que reinava ali um clima amistoso. Ele viu que a zona permite que a mulher encontre espaços para exercer um pequeno poder e para que o homem expresse sua fragilidade. Jesus ouviu lá: “Muitos vêm aqui para conversar e chorar; outros se tornam “clientes fixos” e estabelecem um pacto de ajuda mútua.” Jesus se comoveu ao ouvir de uma batalhadora: “No dia que eu estava mal, as meninas vieram conversar comigo e eu acalmei. É pior ficar sozinha nessas horas.”
Jesus viu também como uma mulher mais experiente dava dicas a uma novata. Jesus viu que elas tinham fé e sentiam-se amadas por Deus. Jesus, quando menos se esperava, se viu rodeado por muitas mulheres. Ele espontaneamente acabou dizendo: “A paz esteja com vocês. Meu Deus é o Deus de vocês. Ele é nosso pai e nos ama infinitamente. Não pune e nem castiga ninguém, mas pede conversão e perdoa. Está sempre de braços e coração aberto para acolher todos seus filhos e filhas. Não tenham medo! Deus está com vocês. Ama vocês.” Nesse momento uma delas falou: "Mas Jesus, aqui todo mundo conhece você. Você é muito amigo da gente. Sinta-se em casa no meio de nós!" E Jesus desapareceu da presença delas. “Cadê Jesus que tava aqui?”, gritou uma. Outra respondeu: “Ele está dentro de nós. Está vivo em nós e no nosso meio.”
Aquelas mulheres, uma vez mais, fizeram uma profunda experiência de Deus. Aquele homem que esteve com elas, diferente de outros homens que costumam visitá-las, não veio para explorá-las, mas demonstrou profundo amor. Amor que entra no quarto de prostituição, que rompe todos os preconceitos e discriminação e toca a essência humana. Amor que anuncia a misericórdia e denuncia as injustiças. Aquelas mulheres sentiram-se profundamente amadas por este homem que liberta com sua capacidade de sentar ao lado e afagar a vida ferida de quem espera um gesto de amor e compreensão.
Ao chegar em casa, Jesus olhou para sua mamãe e disse: "Mãe, o Reino de Deus também está lá no meio das “mulheres da batalha”! Mas fiquei indignado com o donos dos hotéis que ganham uma montanha de dinheiro submetendo as mulheres a situações degradantes. Vou enviar meus discípulos e discípulas para que revelem às meninas o amor de Deus e exijam dos patrões respeito e condições dignas para elas".
Agora entendo porque Jesus gostava de dizer: “As prostitutas vos precederão no Reino de Deus.” (Mateus 21,31)
Frei Gilvander Moreira
E-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
www.gilvander.org.br
Belo Horizonte, 29/05/2010.
Gilvander Moreira[1], frei Carmelita
(Artigo publicado nos Jornais da Pastoral da Mulher, da Arquidiocese de Belo Horizonte, MG: Jornal Grito Mulher, Ano XIX, n. 112, maio/2010, p. 6; e Jornal Alô Mulher, Ano 5, n. 12, abril/maio de 2010, p. 3.)
"Quando Deus andou no mundo..!" “(...) as prostitutas vos precederão no Reino de Deus.” (Mateus 21,31)
Certa vez, Jesus reuniu os discípulos e as discípulas e disse: "Quando vocês forem anunciar a Boa Nova do Reino, não levem dinheiro nem comida, mas confiem no povo. Digam: O Reino chegou! Está chegando!'" E os discípulos assim foram.
Jesus também foi. Andou, andou. Estava começando a escurecer, quando chegou num dos “hotéis de alta rotatividade” da rua Guaicurus, no centro de Belo Horizonte, região onde se concentra o maior número de mulheres que exercem a prostituição na capital mineira. Jesus viu prédios velhos e mal cuidados. Viu os quartos de alguns hotéis em péssimas condições, muito pequenos, e com pouca ventilação. Alguns não tinham sequer água encanada, em outros, apenas uma pia, ou um pequeno bidê e pia.
Jesus, manso e humilde, não viu apenas as condições físicas. Jesus viu centenas e centenas de mulheres que ali tentavam ganhar o pão de cada dia, quase todas mães, filhas pobres de famílias do interior e até de outros estados do Brasil. Jesus ouviu ali que certos saduceus, ricos piedosos, sem nunca ouvir as “mulheres da batalha”, as taxavam de promíscuas, de pecadoras e libertinas. Jesus ficou indignado com esse moralismo. Jesus viu o Deus da Vida, pai de infinito amor, presente nas mulheres prostituídas, pois encontrou muita humanidade no meio delas. Jesus viu que desde muito cedo aquelas jovens tiveram de buscar meios de promover o próprio sustento. Jesus viu nelas mães, que precisaram prover os próprios filhos desde a adolescência. Jesus viu que todas tinham no coração um grande sonho: melhorar de vida. “Sonhamos com dias melhores”, Jesus ouviu isso de várias.
De mansinho, Jesus começou a dialogar com as mulheres da batalha. Perguntou: “Quais os motivos que levaram vocês a abraçar a prostituição como uma profissão?” Uma a uma, foram dizendo: falta de orientação familiar, falta de oportunidades, necessidade de luxo, ilusão, baixa escolaridade, falta de profissão, filhos para sustentar, dificuldades da vida, necessidade de comprar o amor da família ...
Jesus viu que as “mulheres da batalha” deviam almoçar correndo. Caso perdessem tempo, não conseguiriam pagar a diária no fim do dia. Enquanto almoçava com elas, Jesus arriscou perguntar: “O que causa medo em vocês?” Disseram: “os homens violentos com seus desejos abusivos, o autoritarismo dos gerentes dos hotéis, o medo de não conseguir pagar a diária, a falta de chaves (quartos) para trabalhar, o hotel sem clientes, AIDS, drogas, a doença mental, a discriminação... Uma que não quis revelar o nome desabafou:“A maior tristeza da prostituta é a discriminação. Como você vai falar: sou prostituta?”
Jesus, com olhar penetrante e sentindo com o coração, percebeu que reinava ali um clima amistoso. Ele viu que a zona permite que a mulher encontre espaços para exercer um pequeno poder e para que o homem expresse sua fragilidade. Jesus ouviu lá: “Muitos vêm aqui para conversar e chorar; outros se tornam “clientes fixos” e estabelecem um pacto de ajuda mútua.” Jesus se comoveu ao ouvir de uma batalhadora: “No dia que eu estava mal, as meninas vieram conversar comigo e eu acalmei. É pior ficar sozinha nessas horas.”
Jesus viu também como uma mulher mais experiente dava dicas a uma novata. Jesus viu que elas tinham fé e sentiam-se amadas por Deus. Jesus, quando menos se esperava, se viu rodeado por muitas mulheres. Ele espontaneamente acabou dizendo: “A paz esteja com vocês. Meu Deus é o Deus de vocês. Ele é nosso pai e nos ama infinitamente. Não pune e nem castiga ninguém, mas pede conversão e perdoa. Está sempre de braços e coração aberto para acolher todos seus filhos e filhas. Não tenham medo! Deus está com vocês. Ama vocês.” Nesse momento uma delas falou: "Mas Jesus, aqui todo mundo conhece você. Você é muito amigo da gente. Sinta-se em casa no meio de nós!" E Jesus desapareceu da presença delas. “Cadê Jesus que tava aqui?”, gritou uma. Outra respondeu: “Ele está dentro de nós. Está vivo em nós e no nosso meio.”
Aquelas mulheres, uma vez mais, fizeram uma profunda experiência de Deus. Aquele homem que esteve com elas, diferente de outros homens que costumam visitá-las, não veio para explorá-las, mas demonstrou profundo amor. Amor que entra no quarto de prostituição, que rompe todos os preconceitos e discriminação e toca a essência humana. Amor que anuncia a misericórdia e denuncia as injustiças. Aquelas mulheres sentiram-se profundamente amadas por este homem que liberta com sua capacidade de sentar ao lado e afagar a vida ferida de quem espera um gesto de amor e compreensão.
Ao chegar em casa, Jesus olhou para sua mamãe e disse: "Mãe, o Reino de Deus também está lá no meio das “mulheres da batalha”! Mas fiquei indignado com o donos dos hotéis que ganham uma montanha de dinheiro submetendo as mulheres a situações degradantes. Vou enviar meus discípulos e discípulas para que revelem às meninas o amor de Deus e exijam dos patrões respeito e condições dignas para elas".
Agora entendo porque Jesus gostava de dizer: “As prostitutas vos precederão no Reino de Deus.” (Mateus 21,31)
Frei Gilvander Moreira
E-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
www.gilvander.org.br
Belo Horizonte, 29/05/2010.
[1] Mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; professor de Teologia Bíblica; assessor da CPT, SAB, CEBI e Via Campesina;
e-mail:
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