A V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano (Aparecida: 13 a 31 de maio de 2007) colocou como pano de fundo dos desafios que emergem da realidade vivida por nossos povos, o modelo de globalização neo-liberal. Ao lado de janelas de oportunidade e de uma explosão das comunicações que aproximou os povos, este modelo contém um cerne perverso e excludente: a total financeirização das relações econômicas e a busca do lucro como objetivo primeiro. Esta globalização excludente agravou a distância entre os países e aprofundou as desigualdades econômicas e sociais da população, empobrecendo drasticamente milhões de desempregados, migrantes e refugiados de guerras, desastres econômicos e ambientais, verdadeira massa sobrante em nossas sociedades.
O aquecimento global, a contaminação das águas, os desmatamentos, de modo particular na Amazônia e a poluição do ar nas grandes cidades, enfim os graves problemas do meio ambiente que vêm afetando de maneira dramática os mais pobres, surgiu como outro grave desafio na nossa realidade continental.
Um terceiro desafio veio da persistente desigualdade e discriminação social, cultural, racial e de gênero que pesam sobre as populações indígenas e afro-americanas, sobre as mulheres, os migrantes e outros grupos sociais, como os presos, idosos e enfermos de AIDS.
Destacou-se por outro lado, os esforços dos movimentos sociais e políticos para reverterem esta situação, imprimirem uma orientação social aos governos, recuperarem o controle dos recursos naturais com ascensão aos governos, em muitos dos nossos países, de lideranças dos setores populares.
Entre as propostas para renovar o anuncio do evangelho no continente, a Conferência propôs o fiel seguimento de Jesus e de sua prática, reencontrando seu rosto no rosto sofredor dos mais pobres, renovando a evangélica opção preferencial pelos pobres, retomando a forma de ser igreja das comunidades eclesiais de base, apoiadas na leitura popular da Bíblia, num aberto e leal diálogo ecumênico e inter-religioso, na acolhida e reconhecimento dos ministérios leigos em especial das mulheres.
Colocou ainda entre as proposta,s a construção de um continente de justiça e de paz em que os esforços de integração dos povos da América Latina e do Caribe, venham acompanhados de uma maior atenção e cuidado com toda a criação.
Ganharam finalmente espaço e destaque a identidade própria dos povos indígenas e afro-americanos e a necessidade de a Igreja respeitar a sua alteridade e continuar no caminho da inculturação do evangelho, da pastoral, da liturgia e da teologia, defendendo ao mesmo tempo suas terras ameaçadas e lutando por superar, internamente e na sociedade, as discriminações, preconceitos e racismo ainda presentes.
Merece destaque o propósito explicitamente declarado da Conferência de retomar, em suas análises, na sua reflexão e prática pastoral, o método “ver, julgar e agir”, como importante ferramenta para melhor diagnosticar os problemas existentes e empenhar-se na transformação daquelas realidades que ferem a dignidade do ser humano e a integridade da criação. Neste sentido ressaltou-se também a necessidade do empenho político dos cristãos para se construir a justiça, superar as desigualdades e a violência crescente nas nossas sociedades.
Reafirmou-se o propósito de a Igreja lançar uma grande missão continental voltada principalmente para os católicos que ficaram à margem do cuidado evangelizador e pastoral da igreja nas zonas rurais afastadas, nas áreas de migração e na periferia das grandes cidades. Deixou-se porém a cada igreja a tarefa de melhor delinear os conteúdos e o método desta missão e para a próxima Assembléia do CELAM que vai se reunir em Cuba, no mês de julho, discutir a maneira de apoiar e articular os esforços das igrejas locais.
Em Aparecida retomou-se uma caminhada latino-americana e caribenha de Igreja, renovando-se, neste sentido, a esperança de uma igreja mais próxima do povo, a serviço mais do Reino do que de si própria, nos caminhos apontados pelo encontro do índio Diego com a Virgem de Guadalupe e dos pescadores pobres do Paraíba do Sul com a Virgem Negra de Aparecida.
Na ênfase colocada na Palavra de Deus e na partilha eucarística para a vida das comunidades, faltou enfrentar com coragem, a questão da multiplicação dos ministérios ordenados, inclusive das mulheres, para que não continuem as comunidades em muitos lugares, como ovelhas sem pastor.
Dos movimentos, veio a proposta insistente de um itinerário de formação mais aprofundada dos batizados todos e de um empenho mais ativo na vida da Igreja.
A teologia da libertação que atravessa como pano de fundo e um fio invisível partes importantes da Mensagem e do Documento final não é mencionada como uma das riquezas da caminhada eclesial latino-americana e caribenha.
O último parágrafo da Mensagem, que acrescentamos logo abaixo, oferece um roteiro iluminador das principais opções e propostas da V Conferência, terminando com o apelo a se construir a Esperança no serviço à vida, à justiça e à paz.
“Em Medellín e em Puebla terminamos dizendo: “CREMOS”. Em Aparecida, como o fizemos em Santo Domingo, proclamamos com todas as nossas forças: CREMOS E ESPERAMOS.
Esperamos…
Ser uma Igreja viva, fiel e crível, que se alimenta na Palavra de Deus e na Eucaristia.
Viver o nosso ser cristão com alegria e convicção como discípulos-missionários de Jesus Cristo.
Formar comunidades vivas que alimentem a fé e impulsionem a ação missionária.
Valorizar as diversas organizações eclesiais em espírito de comunhão.
Promover um laicato amadurecido, co-responsável com a missão de anunciar e fazer visível o Reino de Deus.
Impulsionar a participação ativa da mulher na sociedade e na Igreja.
Manter com renovado esforço a nossa opção preferencial e evangélica pelos pobres.
Acompanhar os jovens na sua formação e busca de identidade, vocação e missão, renovando a nossa opção por eles.
Trabalhar com todas as pessoas de boa vontade na construção do Reino.
Fortalecer com audácia a pastoral da família e da vida.
Valorizar e respeitar nossos povos indígenas e afro-descendentes.
Avançar no diálogo ecumênico “para que todos sejam um”, como também no diálogo inter-religioso.
Fazer deste continente um modelo de reconciliação, de justiça e de paz.
Cuidar a criação, casa de todos, em fidelidade ao projeto de Deus.
Colaborar na integração dos povos da América Latina e do Caribe.
Que este Continente da esperança seja também o Continente do amor, da vida e da paz!”
Pe. José Oscar Beozzo