(março / 2009)
Frei Cláudio van Balen[1]
O CASO: a gravidez de gêmeos por parte de uma menina de nove anos, após ser estuprada, durante três anos, pelo padrasto. Com autorização jurídica, médicos provocaram o aborto. E mereceram o “muito obrigada” da menina. O povo aplaudiu a intervenção. Autoridades eclesiásticas divergiram. (Matar pode: guerra, legítima defesa, evitar um mal maior. Abortar nunca pode! Como se, nesse caso, não pudesse haver uma legítima defesa.) Tudo indica que a menina ia sofrer grave ameaça de saúde física e psíquica e, muito provavelmente, nem ela nem os gêmeos iam sobreviver. Para os doutores da lei, o palco estava armado. Gostam de amarrar, proibir, tirar a graça, fechar caminhos e matar esperança, alegria, fé. Meu Deus!
Autoridades eclesiásticas – Recife, Roma, Brasília – se manifestaram contra a intervenção médica. Para os eclesiásticos: excesso de zelo pastoral? Intromissão indevida? Dependência servil? Equívocos no discernimento? Defenderam realmente a vida? Honraram seu compromisso? Pergunta: nesse caso alguém, de fora, pode definir, categoricamente, o que vem a ser o melhor para terceiros? Em questões controvertidas, membros do clero têm direito de cultivar idéias fixas e impô-las a terceiros? Não conviria, antes, ouvir as pessoas envolvidas no episódio – no respeito à complexidade do fato – para, só depois, emitir uma opinião? Se, em princípio, somos todos contra o aborto, há casos... E mãe nenhuma nem médico vai querer o aborto por simples prazer. Pode haver algum desnaturado, até em fileiras eclesiásticas.
Tive acesso a uma carta em que um padre erudito se refere a crianças, fruto de estupro, alvo de carinho especial para as mães. Tudo bem, casos são casos. Quem ousa saber o que convém aos outros, mesmo sendo crianças aparentemente usadas como ‘objetos’ para compensação de suas mães - “servindo elas de doce remédio”. Refiro-me a seu escrito: Por que as mães teriam de tremer de vergonha ou de culpa ao se lembrarem do passado quando pensaram em abortar? Teriam de ser pessoas de outro mundo? Seria lhes vedado a terem sentimentos comuns? Mais. Um padre ou doutor poderia arrogar-se de falar em nome delas? E isso com segurança catedrática? Afinal, basta saber das “coisas”, das leis? Não seria melhor enfronhar-se, modestamente, no mistério das “relações” humanas, sofridas e ameaçadoras? Por que enquadrar as mães, genérica e globalmente na mesma bitola? “Não julgueis...”
Dizer, detrás da cátedra, que o aborto é algo monstruoso... Claro, em princípio somos contra. Mas temo que se acentue a dramaticidade pelo fato de afirmar – gratuitamente – que há ‘vida humana’ desde a concepção. Durante dezenove séculos, nunca se o soube no âmbito da Igreja. Além disso, convém lembrar que a própria natureza, não raro, provoca aborto. E, parece, o faz com sabedoria. Afirmar: “Aborto como alívio para estupro”. Seria simplesmente uma falsidade. Algum reverendo é que o sabe? Pretende saber. E um padre pode permitir-se a expressão dramática ao aludir a restos mortais de bebês, que criminosos extraem do ventre das mães para jogá-los no lixo. Sic!. Um padre, um bispo, não deveriam ter grande sensibilidade frente à dramaticidade do sofrimento humano? Ou será que não devem nada a ninguém? Só imposições e proibições apodíticas? Compaixão, nem pensar. E isto porque sabem das “coisas”. Frente a “relações” continuam analfabetos? Quem sabe, seu estilo de vida empobrece ou até castra sua sensibilidade humana. Os outros, então, é que não passam de “algozes”. E eis a mulher de Pilatos a lavar as mãos.
Por que afirmar com fria certeza: “A menina não estava prestes a morrer nem o aborto se apresentava como a "solução". Por acaso, o padre ou bispo é também ‘médico’? De novo, o doutor sabe tudo. Morte seria somente algo físico. Será que tudo e todos não passam de ‘coisas’? Chegou às minhas mãos essa carta do padre que se reconhece “escravo de Jesus”. Daí é só um passo para se deixar manipular por doutrinas, autoridades, instituições. Friamente livresco e dogmático, mostra-se incapaz de discernir as circunstâncias. Tudo e todos não passam de coisa. Basta um livro – o Direito Canônico – para sua orientação. Que todos somos, de alguma forma, assassinos e suicidas – por nosso jeito defeituoso de lidar com vida e pessoas – isso nem passa por sua cabeça. O drama não o atinge, a não ser como transgressão da lei. Nem um conselho precisa dar. Basta só uma ordem, uma condenação.
Na carta que li, o padre até sabe que não há furto ‘legal’ e muito menos aborto ‘legal’. Porém, nem coisa é só ‘coisa’. Acontece que a lei não pode prever todas situações em que um cidadão está dispensado de observá-la; e, portanto, ao fazer o oposto, procede ‘legalmente’. Em tempo de guerra, com fome, eu mesmo já pude “legalmente” roubar algo para matar a fome. Porém, o bom fiscal não se pode permitir tal luxo. Afinal, ele é escravo que tem de esclarecer todo indício de fraude. Lei é lei. Pecado é só pecado. Como ‘coisa’, o que está fora da norma é lixo. Com seu zelo de vigilante, coloca-se no rastro dos réus a fim de enquadrá-los na transgressão da lei. Compaixão de nada vale. Punição é a solução. Porém – no caso da menina - o aborto foi realizado depois de abalizada recomendação médica.
Enfim, na referida carta, o padre parabeniza o bispo como ‘escravo do direito’. Bem máximo? Claro, assim, o bispo teria defendido “não só a lei de Deus, mas até lei dos homens”. Sic! Por acaso, o padre seria também jurista? Triste sina de pastor! Por esse bem vale a pena dar a própria vida? Felizes de todos que enxergam em Jesus o grande líder que não veio trazer a paz para os donos da ordem, para os doutores da lei - fariseus hipócritas. Feliz quem se dispõe a pagar um preço, denunciando a hipocrisia nas instituições, sua violência a degradar e matar, sistematicamente, tantas pessoas. Felizes os que respeitam leis justas e têm na compaixão a força motriz de seu comportamento. Feliz quem torce para se eliminar da lei eclesiástica a “excomunhão” – “lesa dignidade”. Felizes os que não impõem a outros um peso que doutores e líderes religiosos não querem mexer nem com um só dedo. Feliz quem assume a fragilidade da condição humana e, em dúvidas, busca no diálogo uma luz para suas decisões.
Autoridades eclesiásticas – Recife, Roma, Brasília – se manifestaram contra a intervenção médica. Para os eclesiásticos: excesso de zelo pastoral? Intromissão indevida? Dependência servil? Equívocos no discernimento? Defenderam realmente a vida? Honraram seu compromisso? Pergunta: nesse caso alguém, de fora, pode definir, categoricamente, o que vem a ser o melhor para terceiros? Em questões controvertidas, membros do clero têm direito de cultivar idéias fixas e impô-las a terceiros? Não conviria, antes, ouvir as pessoas envolvidas no episódio – no respeito à complexidade do fato – para, só depois, emitir uma opinião? Se, em princípio, somos todos contra o aborto, há casos... E mãe nenhuma nem médico vai querer o aborto por simples prazer. Pode haver algum desnaturado, até em fileiras eclesiásticas.
Tive acesso a uma carta em que um padre erudito se refere a crianças, fruto de estupro, alvo de carinho especial para as mães. Tudo bem, casos são casos. Quem ousa saber o que convém aos outros, mesmo sendo crianças aparentemente usadas como ‘objetos’ para compensação de suas mães - “servindo elas de doce remédio”. Refiro-me a seu escrito: Por que as mães teriam de tremer de vergonha ou de culpa ao se lembrarem do passado quando pensaram em abortar? Teriam de ser pessoas de outro mundo? Seria lhes vedado a terem sentimentos comuns? Mais. Um padre ou doutor poderia arrogar-se de falar em nome delas? E isso com segurança catedrática? Afinal, basta saber das “coisas”, das leis? Não seria melhor enfronhar-se, modestamente, no mistério das “relações” humanas, sofridas e ameaçadoras? Por que enquadrar as mães, genérica e globalmente na mesma bitola? “Não julgueis...”
Dizer, detrás da cátedra, que o aborto é algo monstruoso... Claro, em princípio somos contra. Mas temo que se acentue a dramaticidade pelo fato de afirmar – gratuitamente – que há ‘vida humana’ desde a concepção. Durante dezenove séculos, nunca se o soube no âmbito da Igreja. Além disso, convém lembrar que a própria natureza, não raro, provoca aborto. E, parece, o faz com sabedoria. Afirmar: “Aborto como alívio para estupro”. Seria simplesmente uma falsidade. Algum reverendo é que o sabe? Pretende saber. E um padre pode permitir-se a expressão dramática ao aludir a restos mortais de bebês, que criminosos extraem do ventre das mães para jogá-los no lixo. Sic!. Um padre, um bispo, não deveriam ter grande sensibilidade frente à dramaticidade do sofrimento humano? Ou será que não devem nada a ninguém? Só imposições e proibições apodíticas? Compaixão, nem pensar. E isto porque sabem das “coisas”. Frente a “relações” continuam analfabetos? Quem sabe, seu estilo de vida empobrece ou até castra sua sensibilidade humana. Os outros, então, é que não passam de “algozes”. E eis a mulher de Pilatos a lavar as mãos.
Por que afirmar com fria certeza: “A menina não estava prestes a morrer nem o aborto se apresentava como a "solução". Por acaso, o padre ou bispo é também ‘médico’? De novo, o doutor sabe tudo. Morte seria somente algo físico. Será que tudo e todos não passam de ‘coisas’? Chegou às minhas mãos essa carta do padre que se reconhece “escravo de Jesus”. Daí é só um passo para se deixar manipular por doutrinas, autoridades, instituições. Friamente livresco e dogmático, mostra-se incapaz de discernir as circunstâncias. Tudo e todos não passam de coisa. Basta um livro – o Direito Canônico – para sua orientação. Que todos somos, de alguma forma, assassinos e suicidas – por nosso jeito defeituoso de lidar com vida e pessoas – isso nem passa por sua cabeça. O drama não o atinge, a não ser como transgressão da lei. Nem um conselho precisa dar. Basta só uma ordem, uma condenação.
Na carta que li, o padre até sabe que não há furto ‘legal’ e muito menos aborto ‘legal’. Porém, nem coisa é só ‘coisa’. Acontece que a lei não pode prever todas situações em que um cidadão está dispensado de observá-la; e, portanto, ao fazer o oposto, procede ‘legalmente’. Em tempo de guerra, com fome, eu mesmo já pude “legalmente” roubar algo para matar a fome. Porém, o bom fiscal não se pode permitir tal luxo. Afinal, ele é escravo que tem de esclarecer todo indício de fraude. Lei é lei. Pecado é só pecado. Como ‘coisa’, o que está fora da norma é lixo. Com seu zelo de vigilante, coloca-se no rastro dos réus a fim de enquadrá-los na transgressão da lei. Compaixão de nada vale. Punição é a solução. Porém – no caso da menina - o aborto foi realizado depois de abalizada recomendação médica.
Enfim, na referida carta, o padre parabeniza o bispo como ‘escravo do direito’. Bem máximo? Claro, assim, o bispo teria defendido “não só a lei de Deus, mas até lei dos homens”. Sic! Por acaso, o padre seria também jurista? Triste sina de pastor! Por esse bem vale a pena dar a própria vida? Felizes de todos que enxergam em Jesus o grande líder que não veio trazer a paz para os donos da ordem, para os doutores da lei - fariseus hipócritas. Feliz quem se dispõe a pagar um preço, denunciando a hipocrisia nas instituições, sua violência a degradar e matar, sistematicamente, tantas pessoas. Felizes os que respeitam leis justas e têm na compaixão a força motriz de seu comportamento. Feliz quem torce para se eliminar da lei eclesiástica a “excomunhão” – “lesa dignidade”. Felizes os que não impõem a outros um peso que doutores e líderes religiosos não querem mexer nem com um só dedo. Feliz quem assume a fragilidade da condição humana e, em dúvidas, busca no diálogo uma luz para suas decisões.
FELIZES DE NÓS QUANDO NOS INSPIRAMOS NA BOA NOVA DE JESUS.
A BOA NOVA
A BOA NOVA
(Segue a reformulação das idéias básicas
da BOA NOVA de Jesus,
“Sermão da Montanha” e “Bem-aventuranças”.)
Na “Boa Nova”, o amor vai além das medidas.
“Se alguém se apropria do que é teu,
não feches o coração para ele”!.
A Boa Nova conhece um só Mandamento:
“Colocar tua própria vida
no lugar da vida alheia”.
A Boa Nova faz abrir portas a excluídos.
“Que tua justiça não se detenha
no rigor de normas”.
A Boa Nova transborda em um bem querer.
“Mesmo quem te incomoda,
possa contar sempre contigo”.
A Boa Nova gera “Bons Samaritanos”.
“Abraçar os teus,
a estranhos prestar socorro”.
Essência da Boa Nova: o Amor há de reinar.
“Se Deus é compaixão,
inclui todos em tua compaixão”.
A Boa Nova é fonte inesgotável de anistia.
“Não prives outros
do que tanto queres para ti”.
Boa Nova estimula a corrigir desequilíbrios:
“Renova a esperança de pobres,
cegos, surdos e mudos”.
Graças à Boa Nova acontecem surpresas:
“O perdido é achado, o excluído valorizado,
o triste consolado”.
As tarefas da Boa Nova estão ao alcance de todos:
“Um pedaço de pão, um copo de água,
o perdão para uma dívida”.
A Boa Nova prepara uma festa para fragilizados:
“Pecadores, enfermos,
condenados e excluídos”.
A Boa Nova é desafio para uns, alegria para outros.
“Requer generosidade, despojamento
e confraternização”.
A Boa Nova é dádiva e tarefa para todos.
“Como procurei fazer,
prossegue nesse ensaio”.
JESUS
[1] Doutor em Teologia, vigário da Paróquia N. Sra do Carmo, de Belo Horizonte, MG.
da BOA NOVA de Jesus,
“Sermão da Montanha” e “Bem-aventuranças”.)
Na “Boa Nova”, o amor vai além das medidas.
“Se alguém se apropria do que é teu,
não feches o coração para ele”!.
A Boa Nova conhece um só Mandamento:
“Colocar tua própria vida
no lugar da vida alheia”.
A Boa Nova faz abrir portas a excluídos.
“Que tua justiça não se detenha
no rigor de normas”.
A Boa Nova transborda em um bem querer.
“Mesmo quem te incomoda,
possa contar sempre contigo”.
A Boa Nova gera “Bons Samaritanos”.
“Abraçar os teus,
a estranhos prestar socorro”.
Essência da Boa Nova: o Amor há de reinar.
“Se Deus é compaixão,
inclui todos em tua compaixão”.
A Boa Nova é fonte inesgotável de anistia.
“Não prives outros
do que tanto queres para ti”.
Boa Nova estimula a corrigir desequilíbrios:
“Renova a esperança de pobres,
cegos, surdos e mudos”.
Graças à Boa Nova acontecem surpresas:
“O perdido é achado, o excluído valorizado,
o triste consolado”.
As tarefas da Boa Nova estão ao alcance de todos:
“Um pedaço de pão, um copo de água,
o perdão para uma dívida”.
A Boa Nova prepara uma festa para fragilizados:
“Pecadores, enfermos,
condenados e excluídos”.
A Boa Nova é desafio para uns, alegria para outros.
“Requer generosidade, despojamento
e confraternização”.
A Boa Nova é dádiva e tarefa para todos.
“Como procurei fazer,
prossegue nesse ensaio”.
JESUS
[1] Doutor em Teologia, vigário da Paróquia N. Sra do Carmo, de Belo Horizonte, MG.