Há cerca de oito dias, nossa cidade foi tomada de surpresa por umatrágica notícia de um acontecimento que chocou o país: uma menina de 9anos de idade, tendo sofrido violência sexual por parte de seupadrasto, engravidou de dois gêmeos. Além dela, também sua irmã, de 13anos, com necessidade de cuidados especiais, foi vitima do mesmocrime. Aos olhos de muitos, o caso pareceu absurdo, como de fato assimtambém o entendemos, dada a gravidade e a forma como há três anos issovinha acontecendo dentro da própria casa, onde moravam a mãe, as duasgarotas e o acusado.
O Conselho Tutelar de Alagoinha, ciente do fato, tomou as devidasprovidências no sentido de apossar-se do caso para os devidos fins eencaminhamentos. Na sexta-feira, dia 27 de fevereiro, sob ordemjudicial, levou as crianças ao IML de Caruaru-PE e depois ao IMIP(Instituto Médico Infantil de Pernambuco), de Recife a fim de seremsubmetidas a exames sexológicos e psicológicos. Chegando ao IMIP, emcontato com a Assistente Social Karolina Rodrigues, a ConselheiraTutelar Maria José Gomes, foi convidada a assinar um termo em nome doConselho Tutelar que autorizava o aborto. Frente à sua consciênciacristã, a Conselheira negou-se diante da assistente a cometer tal ato.Foi então quando recebeu das mãos da assistente Karolina Rodrigues umpedido escrito de próprio punho da mesma que solicitava um“encaminhamento ao Conselho Tutelar de Alagoinha no sentido demostrar-se favorável à interrupção gestatória da menina, com base noECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e na gravidade do fato”. AConselheira guardou o papel para ser apreciado pelos demaisConselheiros colegas em Alagoinha e darem um parecer sobre o mesmo comprazo até a segunda-feira dia 2 de março. Os cinco Conselheirosenviaram ao IMIP um parecer contrário ao aborto, assinado pelosmesmos. Uma cópia deste parecer foi entregue à assistente socialKarolina Rodrigues que o recebeu na presença de mais duas psicólogasdo IMIP, bem como do pai da criança e do Pe. Edson Rodrigues, Párocoda cidade de Alagoinha.
No sábado, dia 28, fui convidado a acompanhar o Conselho Tutelar até oIMIP em Recife, onde, junto à conselheira Maria José Gomes e mais doismembros de nossa Paróquia, fomos visitar a menina e sua mãe, sob penade que se o Conselho não entregasse o parecer desfavorável até o dia 2de março, prazo determinado pela assistente social, o caso secomplicaria. Chegamos ao IMIP por volta das 15 horas. Subimos aoquarto andar onde estavam a menina e sua mãe em apartamento isolado. Oacesso ao apartamento era restrito, necessitando de autorizaçãoespecial. Ao apartamento apenas tinham acesso membros do ConselhoTutelar, e nem tidos. Além desses, pessoas ligadas ao hospital. Assimsendo, à área reservada tiveram acesso naquela tarde as conselheirasJeanne Oliveira, de Recife, e Maria José Gomes, de nossa cidade.
Com a proibição de acesso ao apartamento onde menina estava, meencontrei com a mãe da criança ali mesmo no corredor. Profunda evisivelmente abalada com o fato, expôs para mim que tinha assinado“alguns papéis por lá”. A mãe é analfabeta e não assina sequer o nome,tendo sido chamada a pôr as suas impressões digitais nos citadosdocumentos.
Perguntei a ela sobre o seu pensamento a respeito do aborto.Valendo-se se um sentimento materno marcado por preocupação extremacom a filha, ela me disse da sua posição desfavorável à realização doaborto. Essa palavra também foi ouvida por Robson José de Carvalho,membro de nosso Conselho Paroquial que nos acompanhou naquele dia atéo hospital. Perguntei pelo estado da menina. A mãe me informou que elaestava bem e que brincava no apartamento com algumas bonecas queganhara de pessoas lá no hospital. Mostrava-se também muito preocupadacom a outra filha que estava em Alagoinha sob os cuidados de umafamília. Enquanto isso, as duas conselheiras acompanhavam a menina noapartamento. Saímos, portanto do IMIP com a firme convicção de que amãe da menina se mostrava totalmente desfavorável ao aborto dos seusnetos, alegando inclusive que “ninguém tinha o direito de matarninguém, só Deus”.
Na segunda-feira, retornamos ao hospital e a história ganhou novorumo. Ao chegarmos, eu e mais dois conselheiros tutelares, fomosautorizados a subirmos ao quarto andar onde estava a menina. Tomamos oelevador e quando chegamos ao primeiro andar, um funcionário do IMIPinterrompeu nossa subida e pediu que deixássemos o elevador e fôssemosà sala da Assistente Social em outro prédio. Chegando lá fomosrecebidos por uma jovem assistente social chamada Karolina Rodrigues.Entramos em sua sala eu, Maria José Gomes e Hélio, Conselheiros deAlagoinha, Jeanne Oliveira, Conselheira de Recife e o pai da menina, oSr. Erivaldo, que foi conosco para visitar a sua filha, com umaposição totalmente contrária à realização do aborto dos seus netos.Apresentamo- nos à Assistente e, ao saber que ali estava um padre, elade imediato fez questão de alegar que não se tratava de uma questãoreligiosa e sim clínica, ainda que este padre acredite que se trata deuma questão moral.
Perguntamos sobre a situação da menina como estava. Ela nos afirmouque tudo já estava resolvido e que, com base no consentimento assinadopela mãe da criança em prol do aborto, os procedimentos médicosdeveriam ser tomados pelo IMI dentro de poucos dias. Sem compreenderbem do que se tratava, questionei a assistente no sentido de encontrarbases legais e fundamentos para isto. Ela, embora não sendo médica,nos apresentou um quadro clínico da criança bastante difícil, segundoela, com base em pareceres médicos, ainda que nada tivesse sido nosapresentado por escrito.
Justificou-se com base em leis e disse que se tratava de salvar apenasuma criança, quando rebatemos a idéia alegando que se tratava de trêsvidas. Ela, desconsiderando totalmente a vida dos fetos, chegou achamá-los em “embriões” e que aquilo teria que ser retirado parasalvar a vida da criança. Até então ela não sabia que o pai da criançaestava ali sentado ao seu lado. Quando o apresentamos, ela perguntouao pai, o Sr. Erivaldo, se ele queria falar com ela. Ele assimaceitou. Então a assistente nos pediu que saíssemos todos de sua salaos deixassem a sós para a essa conversa. Depois de cerca de vinte ecinco minutos, saíram dois da sala para que o pai pudesse visitar asua filha. No caminho entre a sala da assistente e o prédio ondeestava o apartamento da menina, conversei com o pai e ele me afirmouque sua idéia desfavorável ao aborto agora seria diferente, porque “amoça me disse que minha filha vai morrer e, se é de ela morrer, émelhor tirar as crianças”, afirmou o pai quase que em surdina paramim, uma vez que, a partir da saída da sala, a assistente fez de tudopara que não nos aproximássemos do pai e conversássemos com ele. Elasubiu ao quarto andar sozinha com ele e pediu que eu e os Conselheirosesperássemos no térreo. Passou-se um bom tempo. Eles desceram eretornamos à sala da assistente social. O silêncio de que havia algoestranho no ar me incomodava bastante. Desta vez não tive acesso àsala. Porém, em conversa com os conselheiros e o pai, a assistentesocial Karolina Rodrigues, em dado momento da conversa, reclamou daConselheira porque tinha me permitido ver a folha de papel na qual elasolicitara o parecer do Conselho Tutelar de Alagoinha favorável aoaborto e rasgou a folha na frente dos conselheiros e do pai da menina.A conversa se estendeu até o final da tarde quando, ao sair da sala, aassistente nos perguntava se tinha ainda alguma dúvida. Durante todo otempo de permanência no IMIP não tivemos contato com nenhum médico.Tudo o que sabíamos a respeito do quadro da menina era apenas fruto deinformações fornecidas pela assistente social. Despedimo-nos evoltamos para nossas casas. Aos nossos olhos, tudo estava consumado enada mais havia a fazer.
Dada a repercussão do fato, surge um novo capítulo na história. OArcebispo Metropolitano de Olinda e Recife, Dom José Cardoso, e obispo de nossa Diocese de Pesqueira, Dom Francisco Biasin, sentiram-seimpelidos a rever o fato, dada a forma como ele se fez. Dom JoséCardoso convocou, portanto, uma equipe de médicos, advogados,psicólogos, juristas e profissionais ligados ao caso para estudar alegalidade ou não de tudo o que havia acontecido. Nessa reunião que sedeu na terça-feira, pela manhã, no Palácio dos Manguinhos, residênciado Arcebispo, estava presente o Sr. Antonio Figueiras, diretor do IMIPque, constatando o abuso das atitudes da assistente social frente anós e especialmente com o pai, ligou ao hospital e mandou que fossesuspensa toda e qualquer iniciativa que favorecesse o aborto dascrianças. E assim se fez.
Um outro encontro de grande importância aconteceu. Desta vez foi noTribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, na tarde da terça-feira.Para este, eu e mais dois Conselheiros, bem como o pai da meninaformos convidados naquela tarde. Lá no Tribunal, o desembargador JonesFigueiredo, junto a demais magistrados presentes, se mostrou dispostoa tomar as devidas providências para que as vidas das três criançaspudessem ser salvas. Neste encontro também estava presente o pai dacriança. Depois de um bom tempo de encontro, deixamos o Tribunalesperançosos de que as vidas das crianças ainda poderiam ser salvas.
Já a caminho do Palácio dos Manguinhos, residência do Arcebispo, porvolta das cinco e meia da tarde, Dom José Cardoso recebeu umtelefonema do Diretor do IMIP no qual ele lhe comunicava que um grupode uma entidade chamada Curumins, de mentalidade feminista pró-aborto,acompanhada de dois técnicos da Secretaria de Saúde de Pernambuco,teriam ido ao IMIP e convencido a mãe a assinar um pedido detransferência da criança para outro hospital, o que a mãe teriaaceito. Sem saber do fato, cheguei ao IMIP por volta das 18 horas,acompanhado dos Conselheiros Tutelares de Alagoinha para visitar acriança. A Conselheira Maria José Gomes subiu ao quarto andar para vera criança. Identificou- se e a atendente, sabendo que a criança nãoestava mais na unidade, pediu que a Conselheira sentasse e aguardasseum pouco, porque naquele momento “estava havendo troca de plantão deenfermagem”. A Conselheira sentiu um clima meio estranho, visto quetodos faziam questão de manter um silêncio sigiloso no ambiente.Ninguém ousava tecer um comentário sequer sobre a menina.
No andar térreo, fui informado do que a criança e sua mãe não estavammais lá, pois teriam sido levadas a um outro hospital há pouco tempoacompanhadas de uma senhora chamada Vilma Guimarães. Nenhumfuncionário sabia dizer para qual hospital a criança teria sidolevada. Tentamos entrar em contato com a Sra. Vilma Guimarães, vistoque nos lembramos que em uma de nossas primeiras visitas ao hospital,quando do assédio de jornalistas querendo subir ao apartamento ondeestava a menina, uma balconista chamada Sandra afirmou em alta voz quesó seria permitida a entrada de jornalistas com a devida autorizaçãodo Sr. Antonio Figueiras ou da Sra. Vilma Guimarães, o que nos leva acrer que trata-se de alguém influente na casa. Ficamos a nos perguntaro seguinte: lá no IMIP nos foi afirmado que a criança estava correndorisco de morte e que, por isso, deveria ser submetida ao procedimentosabortivos. Como alguém correndo risco de morte pode ter alta de umhospital. A credibilidade do IMIP não estaria em jogo se liberasse umpaciente que corre risco de morte? Como explicar isso? Como um quadropode mudar tão repentinamente? O que teriam dito as militantes doCurumim à mãe para que ela mudasse de opinião? Seria semelhante ao quefoi feito com o pai?
Voltamos ao Palácio dos Manguinhos sem saber muito que fazer, uma vezque nenhuma pista nós tínhamos. Convocamos órgãos de imprensa parafazer uma denúncia, frente ao apelo do pai que queria saber ondeestava a sua filha.
Na manhã da quarta-feira, dia 4 de março, ficamos sabendo que acriança estava internada na CISAM, acompanhada de sua mãe. O CentroIntegrado de Saúde Amaury de Medeiros (FUSAM) é um hospitalespecializado em gravidez de risco, localizado no bairro daEncruzilhada, Zona Norte do Recife. Lá, por volta das 9 horas damanhã, nosso sonho de ver duas crianças vivas se foi, a partir de atode manipulação da consciência, extrema negligência e desrespeito àvida humana.
Isto foi relatado para que se tenha clareza quanto aos fatos comoverdadeiramente eles aconteceram. Nada mais que isso houve. Porém,lamentamos profundamente que as pessoas se deixem mover por umamentalidade formada pela mídia que está a favor de uma cultura demorte. Espero que casos como este não se repitam mais.
Ao IMIP, temos que agradecer pela acolhida da criança lá dentro e atéonde pode cuidar dela. Mas por outro lado não podemos deixar delamentar a sua negligência e indiferença ao caso quando, sabendo doverdadeiro quadro clínico das crianças, permitiu a saída da menina delá, mesmo com o consentimento da mãe, parecendo ato visível de quemquer se ver livre de um problema.
Aos que se solidarizaram conosco, nossa gratidão eterna em nome dosbebês que a esta hora, diante de Deus, rezam por nós. “Vinde a mim ascrianças”, disse Jesus. E é com a palavra desde mesmo Jesus quecontinuaremos a soltar nossa voz em defesa da vida onde quer que elaesteja ameaçada. “Eu vim para que todos tenham vida e a tenhamplenamente” (Jo, 10,10). Nisso cremos, nisso apostamos, por issohaveremos de nos gastar sempre. Acima de tudo, a Vida!
Pe. Edson Rodrigues
Pároco de Alagoinha-PE