A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Monsenhor,
Recentemente, o senhor quis declarar publicamente a excomunhão de uma mãe de família. Que tinha feito a sua filha de nove anos, grávida de quatro meses, abortar depois de ter sido estuprada desde os seis anos pelo seu padrasto. O senhor também decidiu publicamente a excomunhão dos médicos que realizaram esse aborto. Reajo publicamente à sua intervenção com esta carta aberta.
Recentemente, o senhor quis declarar publicamente a excomunhão de uma mãe de família. Que tinha feito a sua filha de nove anos, grávida de quatro meses, abortar depois de ter sido estuprada desde os seis anos pelo seu padrasto. O senhor também decidiu publicamente a excomunhão dos médicos que realizaram esse aborto. Reajo publicamente à sua intervenção com esta carta aberta.
Asseguro-lhe desde já: para mim, o aborto é a supressão de uma vida. Sou, portanto, firmemente contrário a ele.
A mãe dessa menina talvez pensou que fosse melhor salvar uma vida do que arriscar a perder três... Talvez, os médicos lhe haviam dito que um pequeno útero de nove anos não se dilata infinitamente... Eu não sei. O que sei é que, nessa tragédia, o senhor acrescentou dor acima de dor e provocou sofrimento e escândalo em muitas pessoas em todo o mundo.
Em uma situação tão dramática, eu acredito firmemente que nós, bispos, pastores na Igreja, devemos, sobretudo, manifestar a bondade de Jesus Cristo, o único e verdadeiro Bom Pastor. Estou certo que o senhor ama essa mãe e que busca homens e mulheres que possam ajudá-la a prosseguir o caminho, sentindo-se amparada em amizade, espiritual e, se necessário, materialmente.
Estou certo de que o senhor quer dar amor a essa menina, marcada para a vida, e à irmã mais velha, deficiente, também ela estuprada. Estou certo que o senhor pediu à administração da prisão para se aproximar do padrasto estuprador para que ele se arrependa, se converta e volte a ser um dia um homem autêntico. Estou certo de que Cristo estima que, se for possível, o senhor fale com os médicos que realizaram esse aborto para que, como os 40 ginecologistas e obstetras que eu encontrei há alguns meses e com os quais não compartilhava todas as posições, a maior parte deles aprecia ser escutado e ouvir pontos de vista diferentes, já que muitas vezes vivem dramas de consciência.
Monsenhor, ajudemo-nos uns aos outros para ser, antes de tudo, homens de esperança em Deus e em todo ser humano!
Tenho relações de amizade e de colaboração com muitos evangélicos que são contrários, como o senhor e eu, ao aborto. Mas não proclamam condenações públicas. Talvez, é uma das razões pelas quais as comunidades evangélicas atraem hoje tantos católicos, particularmente no Brasil. Constato que a opinião pública não entende nada de excomunhão. Ela a percebe como uma condenação das pessoas e não uma proposta de cura e de conversão. Considero que devemos encontrar outros meios para dizer às nossas comunidades que o comportamento ou as palavras de certos católicos não estão de acordo com o que a Igreja pretende e crê que seja a vontade de Deus.
Não lhe escondo nem que me pergunto também como se pode dizer que o estupro é menos grave do que o aborto que suprime a vida no ventre de uma mãe. Mulheres estupradas se confiaram a mim. Algumas puderam resolver-se e avançar na vida com a lembrança das suas feridas que nunca desaparece completamente. Mas outras, mesmo estando vivas fisicamente, foram mortas no mais profundo do seu ser e não conseguem mais viver. A vida não é apenas física, o senhor bem o sabe.
Não pude obter o texto completo do que o Cardeal Re disse, mas o apoio que – segundo a imprensa – ele lhe deu não muda em nada a minha reação pastoral. Para a clareza das relações entre bispos, envio uma cópia desta carta ao Cardeal Re.
Saúdo-lhe com tristeza, mas também com sentimentos respeitosamente fraternos, assegurando-lhe a minha oração pelo senhor e por aqueles que, de qualquer maneira, foram implicados no drama dessa menina.
Gérard Daucourt
Bispo de Nanterre, França