Bravos lutadores pela Reforma Agrária que caminhais sobre São Gabriel, a fim de garantir a desapropriação das terras que vos são destinadas, permitam que eu vos saúde!
Vós me lembrais a Caminhada de 250 anos atrás, que eu mesmo fiz, à frente de 1.500 irmãos guaranis, a fim de garantir as terras que ocupávamos desde sempre.
Vós partistes de todo Rio Grande rumo ao centro do latifúndio. Para recuperar essa terra que nos pertence, que pertence a todo povo gaúcho, e que nos foi usurpada, por meia dúzia de impostores, que pensam ter o poder de propriedade absoluto, sobre a mãe natureza!
Nós, índios, partíamos em direção ao sul. Num dia de domingo, depois da Missa da benção na catedral de São Miguel, deixamos a cidade carregando nossos estandartes e os andores com as imagens de nossos santos protetores.
Vejo que vós também carregais os símbolos da luta em favor da Reforma Agrária. Os gritos de “Pátria Livre” e “Reforma Agrária já” mantêm acesa vossa esperança e vosso entusiasmo, assim como nosso grito “Esta terra é nossa porque a recebemos de Deus e do seu Arcanjo São Miguel!” enchia nossa alma de fé e coragem.
Nós íamos combater os exércitos de Espanha e Portugal, as duas maiores potências militares de então, que se haviam juntado na altura de São Gabriel, em sua marcha rumo aos Sete Povos a fim de esbulhar nossas terras.
Sem armas de fogo, com lanças apenas, os enfrentamos com nossa coragem, porque sabíamos que a verdade estava do nosso lado.
Foi numa dessas escaramuças dos exércitos imperiais, que perdi a vida, lutando. Fui assassinado ao mesmo tempo por Espanha e Portugal. Era 7 de fevereiro de 1756. Três dias depois, a 10 de fevereiro, os 1500 irmãos guaranis foram também massacrados, no alto da coxilha do Caiboaté, mas lutaram bravamente, perderam a vida, mas não se entregaram.
Perdemos a batalha, as terras e a vida. Mas não perdemos a causa. Deixamos aos nossos herdeiros, que hoje sois vós, a verdade e a lição de lutar sempre pela justiça e igualdade. As terras devem ser para todo povo, e vós agora, voltais para recuperar a justiça!
Os latifundiários, seu poder político, sua imprensa mentirosa, repetem a ação do exército imperial de Espanha e Portugal. Mas já perderam a verdade. Já perderam a legitimidade. Não vos amedronteis! Estarei sempre convosco!
Segui sempre, com todo povo brasileiro, nessa longa caminhada rumo à Terra-Sem-Males que havereis de conquistar!.
No Rio Grande dos Sete Povos das Missões, a Terra era de todos. Ao cultivar a Mãe-Terra, nós, os guaranis, dizíamos que era Tupãbaê, trabalho para Deus, comunitário, sempre em prol do bem comum, e não da ganância e da exploração.
Com a minha morte e a dos meus irmãos, penetrou no Rio Grande a ganância do latifúndio.Vós, homens, mulheres e crianças que caminhais em direção a São Gabriel, fostes escolhidos para recuperar os direitos históricos de nosso povo. Em São Gabriel, no Caiboaté, com a batalha final da guerra guaranítica, entrou o latifúndio. Agora, com a vossa chegada à terra em que derramei meu sangue, juntamente com meus 1500 irmãos, a terra começa a ser novamente repartida.
Depois daquele massacre, se espalhou, como um rastilho, por todos os rincões deste Estado que eu haveria de retornar. Na vossa pessoa estou voltando. Caminho lado a lado convosco.
Não tenhais medo!... O sonho guarani da Terra-Sem-Males será concretizado por meio de todos os pobres que lutam por Terra para plantar, no campo, e por terra e trabalho, na cidade.
E do local em que meu sangue embebeu a terra, do alto das coxilhas do Caiboaté... amaldiçôo toda ganância!... Amaldiçôo todas as cercas que privam as pessoas do pão, do trabalho e da dignidade.Eu vos abençôo e vos garanto: Essa terra é nossa!... De todo povo!
Meus queridos descendentes SEM TERRA!
Do irmão, do amigo e agora vosso protetor SÃO SEPÉ TIARAJU, líder do povo guarani-riograndenseCoxilhas de Caiboaté, 18 de dezembro de 2009.
“O sonho guarani da Terra-Sem-Males será concretizado pormeio de todos os pobres que lutam por Terra...”
