(Curitiba, 24 novembro de 2008)
Considero que a oferta de cana de açúcar, e do etanol dela derivado, faz parte de um complexo agroquímico que engloba e/ou se articula com outros setores da economia, tais como o de alimentos, o petroleiro, o químico, o madeireiro, o da celulose, o automobilístico, o da construção da infraestrutura de transportes e o do armazenamento de combustíveis líquidos, além do conjunto de instituições públicas e privadas responsáveis pela pesquisa relacionada com a biotecnologia para a obtenção de energia a partir da biomassa. Tanto o complexo agroquímico como os setores com quem se relaciona são dependentes do capital financeiro mundial.
Esse complexo agroquímico está vivenciando um grande salto nas inovações tecnológicas no campo das biotecnologias dos organismos geneticamente modificados (OGMs) e dos processamentos bioquímicos industriais, em particular com a geração e aplicação de tecnologias relacionadas com os enzimas (fermentos) capazes de obterem o etanol tradicional e o de segunda geração (etanol celulósico), assim como o biodiesel e outros produtos para as indústrias químicas (como a de plásticos) a partir da sacarose, da lignina e ou da celulose.
A opção dos governos nacionais no Brasil, a partir do início deste século, foi a de expandir o tradicional e oligárquico setor sucroalcooleiro do país modernizando-o com a adoção das premissas do padrão dominante da economia, ou seja, abrindo o setor para o capital estrangeiro, facilitando a compra de usinas e terras pelas grandes empresas transnacionais, ofertando crédito subsidiado em abundância pelo BNDES, ignorando a concentração e centralização das terras e o monocultivo em larga escala da cana de açúcar, exercitando a indiferença pelo desmatamento, adotando política e ideologicamente comportamento altamente favorável a tornar o país o maior produtor mundial de etanol, enfim, atuando organicamente como agente dinamizador da expansão da economia canavieira e das usinas de etanol no país.
Essa estratégia de expansão da oferta de energia a partir da biomassa, em especial do etanol, ao reproduzir o modelo dominante da economia neoliberal negou explicitamente a alternativa de se realizar no país uma ampla e massiva reforma agrária que, por um lado, eliminasse o latifúndio (o tradicional e o moderno) e permitisse que milhões de famílias de camponeses com pouca terra e trabalhadores rurais sem terra pudessem ter acesso à terra e repovoasse o rural brasileiro com elevada qualidade de vida e de produção; e, por outro lado, implementasse dois eixos básicos de interesse nacional e popular: a oferta massiva de alimentos e a produção de energia a partir da biomassa. A opção dominante de expansão da oferta do etanol no país se deu pelo alto, à revelia dos interesses populares, ou seja, se efetivou a partir da articulação das ações governamentais com os interesses exclusivos dos grandes capitais nacionais e estrangeiros.
Ao se reafirmar nesse processo de expansão da oferta de etanol no Brasil o paradigma da sociedade capitalista liberal do tipo "norteamericana", politicamente conservadora, economicamente concentradora e socialmente excludente, se mantém e se impulsiona o tipo de sociedade que é negada pela maioria da população mundial: uma sociedade onde impera o consumismo, o individualismo, a competição e o desperdício. E, nela, um modo de produção no qual tanto as pessoas como o meio ambiente são simplesmente objetos de realização do lucro, e cuja ética é guiada pela idolatria do lucro.
É nesse sentido que o complexo agroquímico, onde se insere a produção de cana de açúcar e de seus derivados, ao reafirmar um modelo de produção economicamente concentrador e dependente do capital estrangeiro afeta muito mais do que a soberania alimentar e nutricional do povo brasileiro. Ele subordina a política de alimentos do país e a oferta de energia a partir das fontes renováveis como a biomassa aos interesses dominantes dos oligopólios das empresas transnacionais de insumos e produtos agropecuários, apoiados irrestritamente pelas agências multilaterais como a OMC, o FMI, o Banco Mundial, o BID, a FAO e os grandes bancos privados.
Consolidando essa tendência à exclusão social continuada e à afirmação da sociedade do consumismo e do desperdício, o etanol, em particular, seja o tradicional ou o de segunda geração, afirma-se tão somente como fonte estratégica de combustível líquido complementar ao petróleo. Amplia, dessa maneira, as margens de negócios dos grandes grupos econômicos detentores das fontes de energia não renováveis --- e agora das renováveis, em todo o mundo.
Devo ressaltar que 85% do etanol brasileiro é consumido no mercado interno.[1] Contribui para isso dois fatores: o aumento de 23% para 25% na proporção de álcool anidro na gasolina “C” (gasolina com mistura de etanol) em julho de 2007, e a expansão dos veículos "flex fuel", os quais representam na atualidade 90% das vendas de carros novos.[2]
A produção de etanol em 2007 foi de 20,1 bilhões de litros; em 2008 foi de 27,1 bilhões de litros e se estima que em 2030 alcance a 66,6 bilhões de litros[3]. Em 2007 foram plantados 7,08 milhões de hectares de cana, e em 2008 um total 9,0 milhões de has. Um aumento de 1,9 milhões de has plantados com cana em apenas um ano.
O Brasil conta hoje com 370 unidades sucroalcooleiras (usinas) e deverá chegar a 409 até o final da safra 2012/2013. Em 2007 a previsão era de 140 novas usinas até 2015. Essa previsão caiu para 93.[4] A tendência recente é a da concentração e centralização da produção de etanol (e da cana de açúcar).
A ampliação do monocultivo da cana de açúcar ocasiona forte pressão sobre o preço das terras e, consequentemente, sobre o preço dos alimentos e o acesso popular a eles. Estamos nos confrontando não apenas com a expansão acelerada da cana de açúcar e da produção de etanol, mas com um complexo agroquímico mundial de grande envergadura, sob o controle das grandes empresas transnacionais do agronegócio e do capital financeiro.
Para enfrentar esse complexo agroquímico deveremos inovar nos processos de luta social. Um aspecto dessa inovação seria a construção de uma contracultura ao capitalismo monopolista. Propor explicitamente a concepção de sociedade que queremos. Quem sabe precisaríamos repetir, num novo contexto, seja 1917 seja 1968.
[1] Inaê Riveras (2008). Demanda interna deve guiar produção de etanol no Brasil, São Paulo (Reuters).
http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2008/01/14.
[2] Ibidem.
[3] Fonte: PNE 2030, MME 2007.
[4] Elvira Lobato e Pedro Soares (sucursal da FSP no Rio) (2008). Crise freia projetos de expansão de álcool. In Folha de São Paulo 11 de novembro.
Esse complexo agroquímico está vivenciando um grande salto nas inovações tecnológicas no campo das biotecnologias dos organismos geneticamente modificados (OGMs) e dos processamentos bioquímicos industriais, em particular com a geração e aplicação de tecnologias relacionadas com os enzimas (fermentos) capazes de obterem o etanol tradicional e o de segunda geração (etanol celulósico), assim como o biodiesel e outros produtos para as indústrias químicas (como a de plásticos) a partir da sacarose, da lignina e ou da celulose.
A opção dos governos nacionais no Brasil, a partir do início deste século, foi a de expandir o tradicional e oligárquico setor sucroalcooleiro do país modernizando-o com a adoção das premissas do padrão dominante da economia, ou seja, abrindo o setor para o capital estrangeiro, facilitando a compra de usinas e terras pelas grandes empresas transnacionais, ofertando crédito subsidiado em abundância pelo BNDES, ignorando a concentração e centralização das terras e o monocultivo em larga escala da cana de açúcar, exercitando a indiferença pelo desmatamento, adotando política e ideologicamente comportamento altamente favorável a tornar o país o maior produtor mundial de etanol, enfim, atuando organicamente como agente dinamizador da expansão da economia canavieira e das usinas de etanol no país.
Essa estratégia de expansão da oferta de energia a partir da biomassa, em especial do etanol, ao reproduzir o modelo dominante da economia neoliberal negou explicitamente a alternativa de se realizar no país uma ampla e massiva reforma agrária que, por um lado, eliminasse o latifúndio (o tradicional e o moderno) e permitisse que milhões de famílias de camponeses com pouca terra e trabalhadores rurais sem terra pudessem ter acesso à terra e repovoasse o rural brasileiro com elevada qualidade de vida e de produção; e, por outro lado, implementasse dois eixos básicos de interesse nacional e popular: a oferta massiva de alimentos e a produção de energia a partir da biomassa. A opção dominante de expansão da oferta do etanol no país se deu pelo alto, à revelia dos interesses populares, ou seja, se efetivou a partir da articulação das ações governamentais com os interesses exclusivos dos grandes capitais nacionais e estrangeiros.
Ao se reafirmar nesse processo de expansão da oferta de etanol no Brasil o paradigma da sociedade capitalista liberal do tipo "norteamericana", politicamente conservadora, economicamente concentradora e socialmente excludente, se mantém e se impulsiona o tipo de sociedade que é negada pela maioria da população mundial: uma sociedade onde impera o consumismo, o individualismo, a competição e o desperdício. E, nela, um modo de produção no qual tanto as pessoas como o meio ambiente são simplesmente objetos de realização do lucro, e cuja ética é guiada pela idolatria do lucro.
É nesse sentido que o complexo agroquímico, onde se insere a produção de cana de açúcar e de seus derivados, ao reafirmar um modelo de produção economicamente concentrador e dependente do capital estrangeiro afeta muito mais do que a soberania alimentar e nutricional do povo brasileiro. Ele subordina a política de alimentos do país e a oferta de energia a partir das fontes renováveis como a biomassa aos interesses dominantes dos oligopólios das empresas transnacionais de insumos e produtos agropecuários, apoiados irrestritamente pelas agências multilaterais como a OMC, o FMI, o Banco Mundial, o BID, a FAO e os grandes bancos privados.
Consolidando essa tendência à exclusão social continuada e à afirmação da sociedade do consumismo e do desperdício, o etanol, em particular, seja o tradicional ou o de segunda geração, afirma-se tão somente como fonte estratégica de combustível líquido complementar ao petróleo. Amplia, dessa maneira, as margens de negócios dos grandes grupos econômicos detentores das fontes de energia não renováveis --- e agora das renováveis, em todo o mundo.
Devo ressaltar que 85% do etanol brasileiro é consumido no mercado interno.[1] Contribui para isso dois fatores: o aumento de 23% para 25% na proporção de álcool anidro na gasolina “C” (gasolina com mistura de etanol) em julho de 2007, e a expansão dos veículos "flex fuel", os quais representam na atualidade 90% das vendas de carros novos.[2]
A produção de etanol em 2007 foi de 20,1 bilhões de litros; em 2008 foi de 27,1 bilhões de litros e se estima que em 2030 alcance a 66,6 bilhões de litros[3]. Em 2007 foram plantados 7,08 milhões de hectares de cana, e em 2008 um total 9,0 milhões de has. Um aumento de 1,9 milhões de has plantados com cana em apenas um ano.
O Brasil conta hoje com 370 unidades sucroalcooleiras (usinas) e deverá chegar a 409 até o final da safra 2012/2013. Em 2007 a previsão era de 140 novas usinas até 2015. Essa previsão caiu para 93.[4] A tendência recente é a da concentração e centralização da produção de etanol (e da cana de açúcar).
A ampliação do monocultivo da cana de açúcar ocasiona forte pressão sobre o preço das terras e, consequentemente, sobre o preço dos alimentos e o acesso popular a eles. Estamos nos confrontando não apenas com a expansão acelerada da cana de açúcar e da produção de etanol, mas com um complexo agroquímico mundial de grande envergadura, sob o controle das grandes empresas transnacionais do agronegócio e do capital financeiro.
Para enfrentar esse complexo agroquímico deveremos inovar nos processos de luta social. Um aspecto dessa inovação seria a construção de uma contracultura ao capitalismo monopolista. Propor explicitamente a concepção de sociedade que queremos. Quem sabe precisaríamos repetir, num novo contexto, seja 1917 seja 1968.
[1] Inaê Riveras (2008). Demanda interna deve guiar produção de etanol no Brasil, São Paulo (Reuters).
http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2008/01/14.
[2] Ibidem.
[3] Fonte: PNE 2030, MME 2007.
[4] Elvira Lobato e Pedro Soares (sucursal da FSP no Rio) (2008). Crise freia projetos de expansão de álcool. In Folha de São Paulo 11 de novembro.
(1)Este texto é um sumário do meu artigo A ameaça à soberania nacional pela expansão do complexo agroquímico a partir da cana de açúcar e do etanol. São Paulo, 17-11-2008.