Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Relato de marcelo barros, sobre a Posse de fernando lugo

Queridos irmãos e irmãs,

Escrevo-lhes do aeroporto de Assunção, voltando das cerimônias de posse de Fernando Lugo, como novo presidente do Paraguai. É difícil contar as impressões que penso serem minhas e dos companheiros e companheiras que participamos desta festa aqui em Assunção. Talvez, o modo mais correto seja simplesmente descrever o que vimos e vocês tiram as conclusões.

1. Na noite da 5ª feira, véspera da festa.
Com o atraso habitual da TAM, Dom Tomás e eu chegamos em Assunção uma hora e meia depois do horário marcado. Fomos à posse do Fernando Lugo como convidados e representantes da Via Campesina, o que me enche de orgulho. No aeroporto, havia um carro nos esperando e um motorista posto à nossa disposição. Ele nos levou diretamente a um imenso parque esportivo, onde o presidente eleito se encontrava com os movimentos populares e muitas delegações de outros países do continente. Conheci Fernando Lugo, há alguns anos, em um encontro de pastoral. Ele ainda era bispo de uma das dioceses mais pobres da América Latina: San Pedro de Icuamandiú. Agora, nem imaginei que ele se lembrasse de mim. Lembrou e fez questão de nos receber ele mesmo no Parque. Dizem que havia lá mais de 10 mil pessoas com bandeiras de muitos países amigos e principalmente delegações indígenas e camponesas de todo o Paraguai. O presidente Fernando Lugo nos tomou pela mão e nos apresentou à multidão como irmãos e companheiros da Teologia da Libertação e do compromisso com os mais pobres. Estava vestido muito simplesmente, de camisa branca e calçado de sandálias. Com este mesmo traje, no dia seguinte pela manhã, ele foi à Praça do Congresso para receber o cargo e fazer o juramento como novo presidente do Paraguai.
Ao vê-lo falar tão diretamente com a multidão, me lembrei que há dois anos, em um encontro internacional em Cuba, já decidido a deixar o ministério episcopal para se candidatar, ele declarou: “A partir de agora, minha grande catedral será meu país”. Naquele momento, uma jornalista lhe perguntou se não era ambicioso demais querer transformar um país inteiro em uma catedral. Ele explicou que não se tratava de nenhum projeto de sacralização do mundo: “Com esta metáfora, eu quis dizer que, durante anos, como bispo, partilhei a vida dos mais pobres e procurei ajudar as pessoas, ensinando e trabalhando em uma catedral. Agora, me coloco à disposição de todos os cidadãos do meu país, para, a partir da Política, construir uma nação justa e fraterna para todos os cidadãos do Paraguai”.
Agora, ele começa esta missão como presidente da República. Algumas coisas me impressionaram. Um de seus primeiros atos como presidente foi renunciar ao salário presidencial. Dizem também que não vai morar no palácio. Continuará tendo um apartamento em um colégio de irmãs e usará o palácio como lugar de encontros e de despacho para atividades não oficiais da presidência. Do seu discurso de posse, quase a metade em língua Guarani, compreendi que os índios e as crianças pobres terão a prioridade fundamental. No final do ato, depois de despedida a multidão (o que foi significativo para não parecer populista), ele ficou só com um grupo de caciques indígenas do país que o abençoaram e invocaram em suas religiões as bênçãos divinas para o seu novo presidente.

2. A cerimônia de posse.
Na 6ª feira, 15, às seis da manhã, a praça principal de Assunção já estava lotada e nós tínhamos de lutar para conseguir cadeiras, mesmo na ala dos convidados internacionais. A cerimônia de posse foi feita em uma grande tenda, na praça central da cidade. Ali chegaram os presidentes de todos os países vizinhos, além do vice presidente da China, do príncipe Filipe de Astúrias e delegações diplomáticas de muitos países. Fernando Lugo chegou com sua roupa de camponês e sua sandália indígena. Seu discurso oficial não foi do tipo político, com programa de governo e plataforma. Foi uma comunicação afetuosa e como uma profissão de fé na mudança do país. Assim mesmo foi forte e incômodo para os conservadores porque citou diversos revolucionários e disse claramente suas opções de transformar o país. Fez uma homenagem especial ao presidente Allende e disse aos paraguaios que vivem fora do país que sua luta será para possibilitar que eles possam voltar a viver em seu país.
Certamente, ele enfrentará muita oposição. O jornal ABC deste domingo já trazia uma entrevista com um governador de oposição que conclamava os colorados a pegar em “armas” para derrubar os que ousaram tira-los do poder, depois de 60 anos de domínio no país. Entretanto, tive a impressão que o povo todo, em geral, queria esta mudança.
Depois daquela cerimônia, o presidente e os convidados participaram de um Te Deum na Catedral. Foi uma cerimônia, ao meu ver, negativa e vergonhosa, por causa da postura triunfalista e mesquinha do arcebispo de Assunção. Ele agiu como se o Paraguai fosse um país católico romano e esta Igreja devesse ter todos os privilégios de religião oficial. O discurso do arcebispo foi uma série de citações de arcebispos do Paraguai que, segundo ele, se dedicaram ao povo. Nenhuma palavra sobre a realidade atual. Nenhuma referência concreta ao novo momento que o país inicia. Nenhuma palavra sobre o novo presidente. Nem o nome dele foi pronunciado. Tanto Dom Tomás, como Leonardo Boff, como eu, saímos dessa cerimônia decididos a denunciar esta atitude do arcebispo e propor ao governo um apoio mais ecumênico e mais laical.

3. O encontro em São Pedro Icuyamandu
Para mim, a festa estava encerrada. Voltávamos ao Brasil no sábado pela madrugada. Aí recebemos um convite do presidente para irmos com ele a uma celebração em São Pedro Icuyamandu, onde ele foi bispo e onde um primeiro ato de seu governo seria encontrar-se com a massa de lavradores acampados ali perto e exigindo reforma agrária. Dom Tomás não pode ficar porque tinha romaria da Terra em Minas Gerais. Eu aceitei que mudassem minha passagem para o domingo. No sábado de madrugada, me levaram ao aeroporto e embarcamos, eu e um grupo de pessoas, inclusive Roberto Baggio, a mais esta comemoração.
São Pedro é uma cidade pequena – 10 mil habitantes – ao norte do país. Construções velhas e desgastadas e quase nenhuma estrada asfaltada. Poeira e pobreza. Tudo começou por um café da manhã, no qual fiquei ao lado do presidente Hugo Chaves que me reconheceu (estive em Caracas duas vezes) e me pediu que escrevesse um livro sobre Teologia e Espiritualidade Bolivariana. Promete até fazer o prefácio do livro, se eu o escrever. E falamos de um possível encontro de teologia que ele quer convocar em Caracas.
A Missa lá em San Pedro foi melhor do que a cerimônia de Assunção ontem. Assim mesmo, continuo achando inadequado este ato de cristandade católica pouco ecumênico e excludente para pessoas de outras Igrejas e religiões. É claro que era o direito dos presidentes Lugo e Chavez que são católicos terem a missa, mas não naquele contexto oficial.
Depois da missa, houve um comício na praça. Ali os presidentes assinaram uma série de convênios e protocolos entre Venezuela e Paraguai. Para mim, os mais importantes foram o convênio que se propõe a acabar com o analfabetismo em Paraguai (em dois anos), como foi feito na Venezuela. Também gostei dos acordos para assistência a agricultura familiar e agro-ecologia. Alem disso, um acordo sobre a implantação no Paraguai da Telesur, para nos dar notícias mais verdadeiras e a partir do que está acontecendo com os mais pobres da América Latina.

4. Conclusões
Agora, volto ao Brasil e mando ao presidente Lugo minha crítica à relação quase exclusiva do seu governo com a Igreja Católica. Volto muito confiante no futuro deste novo processo político no Paraguai.
Fernando Lugo sabe que há dificuldades para que sua proposta transformadora seja realizada. Para ser eleito presidente do Paraguai, no dia 20 de abril, ele teve de fazer coalizões e alianças que nós do Brasil conhecemos bem... E o poder executivo depende muito dos poderes legislativo e judiciário.
Mesmo com as limitações, decorrentes das velhas estruturas políticas do país, já é ótimo ter um presidente que, honestamente e com sinceridade, se propõe a governar pensando na maioria dos seus conterrâneos, até hoje excluídos da vida social e política. Esperamos que o poder não lhe suba à cabeça e ele não se torne apenas mais um dócil gerente das multinacionais no país e do interesse dos bancos internacionais.
Certamente, dentro de poucos dias, a imprensa nacional e internacional vai desencadear uma guerra sem trégua a Fernando Lugo, como faz com todos os presidentes progressistas e populares do continente. Quem não governa para os ricos é chamado ditador e caudilho, mesmo se submete a eleições democráticas e respeita as oposições do país.
No Paraguai, esta imprensa não poderá ridicularizar o presidente porque ele fala errado ou porque usa imagens no estilo dos peões da indústria. O Lula do Paraguai é filósofo e teólogo. Lá, a imprensa terá de disfarçar mais o seu racismo e o seu ódio a qualquer pessoa que queira transformar as velhas instituições do país, para que não sirvam apenas aos privilegiados de sempre. No Paraguai ainda não existe a revista Veja, nem a revista Quanto É. Também, naquele país, parece que governo e grupos econômicos dos Estados Unidos ainda não acharam necessário pagar reportagens mentirosas para destruir governantes locais. Mas, quem sabe, em breve começarão. Para nós, simples mortais, fica a alegria da confirmação de todas as melhores esperanças e a convocação para a retomada permanente da construção de um mundo de paz e amor.

Com meus melhores votos de amizade, um abraço amigo do irmão Marcelo Barros