(Texto publicado no Jornal EXPRESSÃO SINJUS, ano 12, n. 166, 07/08/2008, p. 3.)
Frei Gilvander Moreira[1]
Daniel Dantas, banqueiro e fundador do Opportunity Asset Management, junto com outros dez diretores do banco foram presos no dia 08 de julho de 2008 pela Polícia Federal na Operação Satiagraha. A operação contém em seus autos inúmeras suspeitas contra Dantas, entre as quais: a) receber e trocar informações privilegiadas de contatos que mantinha no meio das telecomunicações; b) Dantas teria enviado ilegalmente ao exterior recursos públicos provenientes das privatizações realizadas durante o governo FHC. Neste esquema, estariam envolvidas pessoas do alto escalão do governo, do Judiciário e da imprensa.
O juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, foi quem mandou prender temporariamente o banqueiro Daniel Dantas. Gilmar Mendes, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) mandou soltar Daniel Dantas, concedendo-lhe habeas corpus. Dr. Fausto, pela segunda vez, decretou prisão de Dantas, de forma preventiva. Gilmar mandou, pela segunda vez, soltá-lo, via hábeas corpus. Quem está certo? Qual dos dois juízes realmente está promovendo justiça?
Quem és tu?
“Diga-me com que tu andas que direi quem tu és” ou “Diga-me o que tu fizeste no passado que direi quem tu és”, diz a sabedoria popular. No governo de FHC, Daniel Dantas foi o formulador e operador do plano de privatizações de dezenas de empresas estatais, inclusive a Vale do Rio Doce, privatizada por apenas 3,3 bilhões de reais quando valia quase 100 bilhões. (Mais de 100 ações questionam na Justiça a venda da Vale, um dos maiores crimes da história do Brasil.) Gilmar Mendes foi Advogado Geral da União no governo FHC. Cargo que equivale ao de ministro de estado. Estiveram umbilicalmente ligados durante os oito anos de venda do patrimônio público, compra de parlamentares para aprovar a reeleição de FHC, controle das propinas pagas pelos senhores da nova ordem econômica e política (empresários, banqueiros, latifundiários). Gilmar cuidou de dar feições jurídicas válidas a atos corruptos e eivados de vícios à política neoliberal privatizadora de FHC, como também gostam de dizer os juristas.
Em prol da Justiça
A decisão do juiz Fausto de Sanctis, decretando a prisão preventiva de Daniel Dantas a pedido dos delegados que comandam o inquérito, escoima-se na lei, como costumam dizer os juristas. Provas novas surgidas durante o interrogatório dos presos mostram que Dantas de fato tentou comprar um delegado que atua no inquérito. Isso significa que Dantas estava tentando atrapalhar as investigações, sumir com provas, além de sugerir que Luís Roberto Demarco, seu inimigo fosse investigado. São razões que justificam a prisão preventiva decretada pelo juiz. A primeira prisão foi temporária, máximo de dez dias. A segunda, preventiva. O juiz Fausto de Sanctis concluiu que a ação de Dantas fora da cadeia prejudicaria o andamento do inquérito. Seja pela proposta de suborno (rejeitada e comunicada ao juiz), seja por ameaças a testemunhas, ou por ações que visassem apagar toda a constelação de atos criminosos do banqueiro. Os fatos revelam que, até o presente momento, quem foi o autor da corrupção ou responsável pelo envio da tentativa de corrupção em um milhão de dólares foi o banqueiro Daniel Dantas. Quem fez a entrega e as propostas do dinheiro para o delegado naquela operação foram duas pessoas que ainda se encontram presas. Ou seja, o verdadeiro corruptor, até que o contrário seja provado, está solto, e as pessoas que fizeram apenas a entrega do dinheiro a mando deste corruptor ainda estão presas.
Em minha opinião, o presidente do STF violou o artigo 108, I, ‘d’, da Constituição, que diz que habeas corpus contra ato de juiz de primeiro grau quem julga é o Tribunal Regional Federal em primeiro lugar. Gilmar Mendes atropelou o TRF e o STJ – Superior Tribunal de Justiça -, dois tribunais que deveriam, antes do STF, apreciar um eventual pedido de hábeas corpus.
Existe a súmula (que é o resultado da jurisprudência dos tribunais compilados num verbete) 691, na qual se afirma que não cabe ajuizar habeas corpus em um tribunal superior contra o indeferimento de liminar em um tribunal inferior. Gilmar Mendes desrespeitou também a súmula 691, já infringida pelo STF para conceder habeas corpus a Paulo Maluf e ao seu filho Flávio Maluf. Seis dias antes do hábeas corpus concedido a Flávio Maluf, um pedido de um habeas corpus que questionava o afastamento dessa súmula 691 foi impetrado por Douglas Fischer, membro do Ministério Público Federal e Procurador Regional da República na 4ª Região, a favor de um réu pobre, que estava preso por um pequeno tráfico de entorpecente, preso há mais de dois anos. O hábeas corpus foi negado pelo STF alegando que a súmula 691 não podia ser desrespeitada.
Ponderações
Dalmo Dallari pondera: “Gilmar Mendes age como advogado, não tem equilíbrio emocional e utiliza suas funções para objetivos que são contrários à lei e à Constituição. Ele não tinha condições para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal. Ele vai intimidar juízes, desembargadores, ministros, porque vai abusar de seu poder institucional para exigir a obediência àquilo que ele acha verdadeiro e correto. De maneira que isso vai reduzir o poder dos juízes e dos tribunais, o que é uma conseqüência extremamente grave para todo o povo brasileiro.”
E agora Gilmar? Você se esqueceu que a Constituição Federal de 1988 diz que só pode ser ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) quem tem notável saber jurídico e ilibada reputação?
Se formos, em um plebiscito perguntar ao povo brasileiro quem deve, daqui em diante, ser o presidente do STF: Gilmar Mendes ou o juiz Fausto de Sanctis? Certamente o povo responderá: “O Juiz Fausto de Sanctis. Que Gilmar se converta à justiça ou peça demissão, ou aposente-se, antes que o STF vire galhofa na boca do povo.”
Com Eugênio Mattos Viola, na conclusão do artigo “O Inferno de Dant(As) e a visão de Kellen” afirmamos: “Causa indignação acompanhar os desdobramentos de casos de mega-corrupção em um país onde muitos vão dormir sem saber o que comerão no dia seguinte. Mas não podemos fechar nossos olhos e corações para outros fatos que fortalecem nossa esperança de que o Ser Humano é um projeto divino em fase de evolução. Na mesma semana em que a justiça decretava a prisão preventiva de ‘gênios do mercado financeiro’ - escravos da escuridão da ganância -, os pais do menino João Roberto, de 3 anos, morto a tiros pelo total despreparo de nossa polícia do Rio de Janeiro, decidiam doar as córneas do filho. A jovem Kellen, de 13 anos, nascida cega, libertava-se das trevas e recebia a graça da visão. Levada pela mãe à praia de Copacabana, disse emocionada ‘O mar é azul, que lindo’.” Justiça ainda que tardia!
[1] Pároco da Igreja do Carmo, de Belo Horizonte, MG; mestre em Exegese Bíblica e assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e VIA CAMPESINA
Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com