Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

quarta-feira, 9 de julho de 2008

O imaginário popular ajudou a construir a idéia "Medellín-Puebla", afirma João Batista Libânio

Por Moisés Sbardelotto, jornalista

Na segunda etapa do ciclo de estudos De Medellín a Aparecida: marcos, trajetórias e perspectivas da Igreja Latino-Americana, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, o conferencista João Batista Libânio, teólogo jesuíta e professor da FAJE-BH, enfocou elementos da 3ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano realizada em Puebla de los Ángeles, no México, em 1979. Em palestra intitulada “Nas pegadas de Medellín: as opções de Puebla”, o sacerdote revisitou o contexto eclesial da época, analisando as opções explícitas e implícitas que a Conferência tomou, assim como seus silêncios sobre problemáticas que a Igreja vivia à época.

Para Libânio, houve um enquadramento da Teologia da Libertação em Puebla, o que levou a que o termo não fosse usado nenhuma vez nos documentos finais da Conferência. O debate ficou bastante polarizado entre uma ala minoritária, que provinha das idéias de Medellín, e uma ala restauracionista, que propunha uma volta à vida da Igreja anterior ao Concílio Vaticano II. Essa polarização ficou marcada em vários aspectos, segundo o jesuíta, de acordo com as opções de Puebla.

Libânio indicou que houve uma espiritualização da opção pelos pobres em Puebla. Para ele, em Medellín, essa opção estava bastante clara, sem nenhum adjetivo: “opção pelos pobres”. Já em Puebla, houve diversas tentativas para minimizar a força da expressão. Uma das formas foi o enfraquecimento dessa opção trocando-a por “amor aos pobres”, um termo com menos impacto militante do que “opção”. Já para demonstrar a segunda forma de espiritualizar a opção pelos pobres, Libânio utilizou-se da lingüística ao afirmar que a adjetivação de um termo diminui sua força. E foi isso que, segundo ele, ocorreu em Puebla, com o acréscimo de adjetivos à expressão, como “opção preferencial”, “evangélica”, “universal”, “piedosa”. Com isso, tentava-se enfraquecer o peso da opção que era clara em Medellín.

Houve também, segundo o jesuíta, uma tentativa de enfraquecer a Igreja popular, marcada pela experiência das CEBs e de tantos personagens que lutaram contra a dominação que o continente vivia. Com relação às CEBs, Libânio afirmou que se pretendia enfraquecer seu compromisso de transformação social e de luta por direitos, para transformá-las em pequenas comunidades de reflexão bíblica e fraterna, sem a força militante que sempre desempenharam. Havia questionamentos, por parte de Roma, quanto a um desvirtuamento dessas comunidades com relação à hierarquia da Igreja, assim como à metodologia que essas comunidades desenvolviam no Brasil. Com relação aos mártires latino-americanos, Libânio afirmou que o tema é até hoje um tabu, quanto mais na época. Segundo ele, a Igreja sempre canonizou aqueles que entregaram sua vida pela fé, porém não os diversos agentes de pastoral leigos ou religiosos, além de religiosos, sacerdotes e bispos que assumiram atitudes proféticas de crítica ao sistema vigente na América Latina. Citando Leonardo Boff, Libânio indicou que muitos são os “mártires do Reino de Deus”, cristãos ou não, que derramaram o seu sangue pela justiça no continente e que não são lembrados pela Igreja oficial, mesmo que lotem os martiriológios populares e a agenda dos cristãos latino-americanos.

Segundo Libânio, o melhor de Puebla se encontra em sua leitura da realidade da época e em sua crítica radical àquele momento de extrema repressão em um continente marcado pela ditadura militar, como era o Brasil ao governo do general Médici. A partir das experiências episcopais, a Conferência conseguiu realizar uma leitura e uma análise dos problemas do continente, interpretá-los e indicar ações para um agir pastoral mais focado. Exemplo disso foi o próprio papa João Paulo II que, em seu discurso inicial da Conferência, havia sido muito duro com a Igreja latino-americana, especialmente com seu agir pastoral marcado pela Teologia da Libertação. Porém, segundo Libânio, ele participou de toda a Conferência, indo também ao encontro dos pobres e conhecendo sua realidade. Assim, a partir das falas do Papa junto a essas pessoas, muitas citações foram feitas posteriormente no documento final da Conferência. De acordo com Libânio, João Paulo II foi citado mais de 100 vezes em Puebla, mesmo sem ter publicado uma única encíclica até aquele momento.

Assim, Puebla entra para a história como uma Conferência que, em seu documento final, não há um entusiasmo para ir ao encontro do povo como havia no de Medellín. Para Libânio, o espírito medellínico perdeu muito de sua força em Puebla, mesmo que o discurso da opção pelos pobres tenha permanecido. Houve inclusive o acréscimo da opção pelos jovens, já que o continente, estatisticamente, era bastante jovem, sem contar todo o mito da força da juventude, em uma Conferência que ocorria logo depois dos eventos de maio de 1968. Segundo Libânio, também essa inclusão foi uma tentativa de diminuir o impacto da opção pelos pobres.

Mas, segundo ele, o imaginário popular construiu uma unidade entre as Conferências: “Medellín-Puebla”. Para Libânio, mesmo que o texto de Puebla não condiga com essa unidade, os detalhes conservadores que reforçam uma separação entre as Conferências “escaparam pelo ralo”. O que restou para a história foi a continuidade do melhor da teologia latino-americana, com sua pastoral viva, comunidades de base atuantes e uma opção pelos pobres bastante clara, sem a necessidade de adjetivação.