Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

domingo, 10 de maio de 2015

Sermão do encontro - Pe. Nelito Dornelas

Sermão do encontro

O mistério de Jesus

Está Jesus não em um jardim de delicias, como o primeiro Adão que nele se perdeu e a todo o gênero humano, mas em um jardim de suplicas, onde se salvou e a todo o gênero humano. Sofre, no horror da noite, essa pena e esse abandono. Creio que só desta vez Jesus se queixou. Mas foi como se não pudesse mais conter em si a dor excessiva: “Minha alma esta triste até a morte”. Jesus procura companhia e alivio da parte dos homens. Penso que isso aconteceu uma só vez em toda a sua vida. E nada recebe. Os seus discípulos dormem. Jesus estará em agonia ate o fim do mundo. É preciso não dormir durante esse tempo. Blaiser Pascal
           
O encontro dos anjos de asas quebradas
           
Conta-se que havia um anjo que quebrou a asa e entrou numa enorme crise existencial. E caminhando com sua dor e desolação, encontra-se com outro anjo também com a asa quebrada. Os dois anjos de asas quebradas se abraçaram e, de maneira surpreendente, se descobrem com duas asas. Ensaiam um vou abraçados e percebem que deu certo. Superaram a crise e voaram juntos para o seu destino final, podendo, assim, um anjo completar o outro.
            Agora os dois anjos quebrados tornaram-se um anjo inteiro e voaram para o infinito, a eternidade.
            Diante destes dois anjos de asas quebradas, Jesus e Maria, que se aproximam para este encontro, perguntamo-nos, tristes e desolados, o que se passa no transfundo destes dois sagrados corações?
            Passa exatamente o palco da historia de toda a humanidade. É aquilo que mais angustia a cada coração humano.
            De fato, o que mais agita o ser humano são as demandas do coração onde moram as grandes emoções que invadem toda nossa existência.  São aqueles sentimentos profundos de pertença à humanidade que nos enche de medo, duvidas, angustias, solidão, desespero, dor, abandono e desolação.
            Perscrutar o coração do outro e sentir com ele suas dores é fazer com ele uma aliança de compromisso que nos obriga, muitas vezes, a silenciar nossas palavras, abrir mão de nossas respostas prontas e a nos colocar no lugar do outro, para procurar entender os seus sentimentos com o seu próprio coração.
            Como bem nos advertia Guimarães Rosa:
Diante da vida do povo sofrido, a gente não fala, só sabe calar, esquece as ideias do povo sabido, fica humilde e começa a pensar!
            É isso que Maria fez ao encontrar-se com seu filho Jesus, estes anjos de asas quebradas.
            Quanta historia de vida passou pela mente e o coração de Maria neste instante!
            Maria, também agora um anjo de asa quebrada, é aquela mulher que viveu em toda sua vida as mais desafiadoras questões para um ser humano.
            Primeiro. Maria, sempre viveu mergulhada no mistério divino, sendo acolhida e envolvida por ele.
            Segundo. Maria sempre foi uma mulher de comunhão solidaria com seu povo, sua raça, sua religião, sua família e sua comunidade, vivendo plenamente um amor correspondido e comprometido.
            Terceiro. Maria soube se colocar sempre em disponibilidade serviçal e missionária, na vivencia de um amor compartilhado e solidário.

Maria: Amor acolhido
Ø  Ave Maria, a cheia de graça
Ø  Eis que conceberás em teu seio e darás à luz um filho
Ø  Olhou para a humildade de sua serva
Ø  Conservava todas estas coisas em seu coração
1-      Maria: amor correspondido
Ø  És feliz porque acreditaste
Ø  Era-lhes submisso
Ø  Minha alma engrandece o Senhor
Ø  A mãe de Jesus estava perto da cruz
2-      Maria: amor compartilhado
Ø  Foi às pressas para a montanha
Ø  Viram o menino com Maria sua mãe
Ø  Fazei tudo o que Ele vos disser
Ø  Eis ai o teu filho. E o discípulo a recebeu em sua casa

Do sim livremente pronunciado pelos lábios de Maria nasceu a Igreja de sue filho Jesus
           
Maria, mulher simples, totalmente aberta ao Mistério, ao Amor, porque “cheia de graça”.            Corajosa como uma profetiza ao suplicar a intervenção de deus para “derrubar os poderosos dos seus tronos” e para “encher de bens os famintos”, estava preparada para acolher dentro de si o maior Mistério da historia. Estava pronta para fazer-se solidaria com a sorte de todos os pobres e oprimidos da face da terra e com os sofrimentos e alegrias da humanidade.
            Estava ela pronta para receber e hospedar o Espírito Santo dentro de si, com todas as consequências que este hospede impõe a quem tem a coragem de o receber.
            “O Espírito virá sobre ti e o poder do altíssimo te cobrirá com sua sombra”.
            E Maria disse SIM, que assim seja!
            Desde aquele instante, o Espírito Santo está plenamente nesta mulher. Aquele mesmo Espírito santo que pairava sobre o abismo, sobre o caos e a confusão, na criação do mundo. Aquele mesmo Espírito que fez gerar todos os seres, enchendo-os de vida. Aquele Espírito que empurra todas as coisas para cima e para frente, que penetra todos os mistérios e faz a diversidade de todas as coisas. Aquele Espírito que faz explodir em cada criatura os sentimentos de cuidado, ternura, zelo, amizade, amor, compaixão e misericórdia. Aquele Espírito que faz os profetas e profetizas gritarem o amor e a bondade de Deus, quebrando a arrogância humana, que destrói e penaliza os humildes quando estes são subjugados pelos tiranos. Aquele mesmo espírito que faz os poetas cantarem seus amores e desilusões afogados nas magoas da existência e a exaltarem a beleza e a grandeza de um amor correspondido. Aquele Espírito que inspira a arte, a ciência, o invento, o trabalho, a honradez e toda sorte de bem querer.
Repito: É este mesmo Espírito que agora está plenamente nesta mulher, Maria de Nazaré, a Nossa Senhora, e, por meio dela, vivifica e renova toda a face da terra. Fecunda com sua energia, vigor, ternura e força o útero mais sagrado para transforma-lo na manjedoura da graça que acolhe o Santíssimo e Sacrossanto, bendito fruto deste ventre.
Assim como o Espírito veio até Maria, Ela foi até o Espírito, sentindo sempre que Deus estava com ela em seu alento, como um fogo abrasador, uma Sarça Ardente a emperrá-la cada vez mais para a experiência mais profunda do Mistério.
Maria espiritualizou-se de tal maneira que se identificou plenamente com o Espírito Santo que a habita e a invade.
Este Espírito fecundou no seio de Maria os frutos de todas as bênçãos que nos veem da santíssima Trindade. De Deus Pai, ela agora recebe a bênção da fecundidade biológica e espiritual; de Deus Filho, recebe a bênção da fidelidade a toda prova e de Deus Espírito Santo, a bênção da indissolubilidade, aquela força que se renova a cada instante e mantém acessa a chama do amor.
Fecundidade, fidelidade e indissolubilidade vão agora acompanhar Maria por todos os séculos dos séculos, por todas as gerações que, olharão para ela e a proclamarão para sempre a bem aventurada, a cheia de graça, aquela que é feliz porque acreditou.
            E como a mãe da Igreja por excelência, Maria transmite para todos os seus filhos e filhas que a invocarem estas três bênçãos que os acompanharão e os sustentarão por todos os tempos para guiá-los a eternidade feliz dos bem aventurados, na casa do Pai.
           
E perplexa, Maria exclama: “Como será fará isso se não conheço homem algum?”
           
Superado o susto inicial, Maria mostra-se, desde o início, capaz de acolher o infinito dentro de si e gerar o Mistério, que poderá salvá-la e toda a humanidade, reestabelecendo o canal de ligação entre o céu e a terra, que havia sido interrompido por causa do pecado e permitir o inicio do Reinado de Deus sobre a face da terra.
            Em Maria, o Filho eterno do amoroso Pai, armou sua tenta entre os mortais e fez entre estes sua morada para sempre. E Maria tornou-se, por excelência, a Arca da Aliança, o Tabernáculo da Trindade, a Custódia da salvação e o Sacrário da Divindade.
            E Maria experimenta agora uma nova dor de parto, ao perceber que Aquela mesma Palavra que em seu ventre se fez “carne e habitou entre nós”, agora se faz Mistério silenciado, o Servo sofredor, o Homem das dores, rejeitado e humilhado, um malfeitor, o lixo e o esterco da humanidade, um verme sem beleza e formosura, vítima escorraçada e escarrada.
 E ele agora um grão de trigo caído por terra, quase morto e triturado, um cacho de uva pisoteado por zombadores a festejarem tal colheita com escarno e zombaria, gozação e blasfêmia em um ato sacrílego e desumano ferindo diretamente a face de Deus e o sagrado coração de uma mãe desconsolada, a Santíssima Virgem Maria, pura e cheia de graça.
            E Maria guardava todas estas coisas em seu coração. Ela, e somente ela, sabia que:
            Para que tivéssemos a luz, veio-te a faltar a vista.
            Para que tivéssemos a união, sentistes a separação do Pai. 
Para que tivéssemos a sabedoria, tu te fizeste ignorância.
Para que tivéssemos a inocência, tu te fizeste pecado.
Para que tivéssemos a esperança, tu quase chegastes ao desespero. 
Para que Deus estivesse em nós, sentiste-o longe de ti.
Para que o céu fosse nosso, saboreaste o inferno.
Para dar-nos uma feliz passagem pelo mundo entre centenas de irmãos, aceitastes ser expulso do céu e da terra, do meio da humanidade e da natureza.
És Deus, o meu Deus, o nosso Deus de amor infinito.
(Chiara Lubichi – 1998)

O segredo de Maria
           
Somente Maria e mais ninguém sabe e guarda silencioso em seu coração que Ele é o Filho eterno do Pai, o Mistério mais profundo, a beleza mais esplendorosa capaz de salvar o mundo!
            Ela sabe que Ele assumiu nossa carne, fazendo-se um miserável e vulnerável, escravo e malfeitor, “tornando-se pecado”, cercado de fraquezas e horror, porque Ele “aprendeu a obedecer através dos sofrimentos” e dirigiu ao Pai, por meio de “súplicas e lágrimas”, seus gemidos, súplicas, gritos e clamores, carregando em suas pisaduras as chagas e os pecados de toda a humanidade.
            Maria sabe que seu filho Jesus, o homem das dores, o Senhor dos passos, soube orientar toda sua existência, não a partir de si mesmo como centro, mas, tendo o seu Pai, Abbá, Papaizinho, como o eixo orientador de sua vida, dos seus desejos e vontade. “Pai, seja feita a vossa vontade!”
            E mais ainda: ela sabe que o seu filho, ao chamar a Deus de Abbá, Papaizinho, criou a possibilidade de cada ser humano, sentir-se também filho e filha amada desde mesmo Pai amoroso. Todos estamos mergulhados na mesma natureza humana que Ele carregou, que somos feitos do mesmo barro, do “pó da terra” e “para a terra iremos voltar”. Mas somos espírito, seres espirituais que para o Pai iremos voltar. “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito!”  Neste exato momento, nossa natureza foi tocada pelo Filho eterno em toda sua plenitude e nos tornamos filhos e filhas do mesmo Pai, seres divinizados e eternos no Filho eterno do Pai.
             Este é o ponto mais alto da consciência alcançado por Maria naquele exato momento desse encontro entre estes dois anjos de asas quebradas, os anjos das dores!
            O Homem das Dores, o Senhor dos Passos, mostra o seu poder e a sua vitória sobre as dimensões mais sombrias da existência humana neste momento, quando, em seu silencio mais profundo vence o ódio, a maldade, as enfermidades, a violência, a prepotência, a arrogância, o pecado, o desespero, o medo e a morte.
            Em Jesus, neste exato momento, toda a face da terra começa a se renovar a partir de dentro. Aproxima-se o inicio do reinado de Deus, que se desencadeará em um processo que, a partir de agora, somente terá fim, quando houver a transformação de todas coisas em um “novo céu e nova terra”. Quando a criação for redimida e liberta, “pois a criação inteira foi submetida ao pecado e à morte e geme, como em dores de parto, aguardando a manifestação dos filhos e filhas de Deus”.

A dor de Maria        

E a maior dor que invade o coração de Maria é saber que seu Filho “veio para os seus e os seus o rejeitaram”, “veio como luz e as trevas o rejeitaram”.
            Maria sabe que diante de seu Filho Jesus, de cada encontro com Ele, sendo Ele o sacramento do encontro, todos, indistintamente, temos que fazer uma opção: ou ficar contra ou a favor dele, como Ele mesmo afirmou: “quem não recolhe comigo, se espalha!” “Quem se envergonhar de mim diante dos homens eu me envergonharei dele diante do meu Pai!” “Quem se declarar a meu favor neste mundo, eu o defenderei diante de meu Pai!”
            Mas, sobretudo, Maria é consciente de que seu filho “não despreza nenhum daqueles que dele se aproximar”.  Que suas palavras são de conforto e acolhimento: “Não perturbeis os vossos corações. Eu vos dou a paz, a minha paz, não como o mundo a dá. Eu vou para o meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus. Na casa do meu pai há muitas moradas. Vou preparar-lhes um lugar para esteja comigo todos os que eu amo”.
            Maria agora toma consciência plena do significado daquele SIM e do que é se fazer a “serva do Senhor”. Pois o Senhor mesmo já havia alertado pela boca profeta, “não basta ser meu servo, Eu farei de ti luz das nações”.
Jesus, o Homem das Dores, o Servo do Senhor, torna-se agora a luz das nações. Ele é o Sol, “o sol da justiça que nos veio visitar, lá do alto, como luz resplandecente, a iluminar a todos quantos jazem nas trevas e na sombra da morte estão sentados”. Maria é a lua, a mulher das doze estrelas. Ambos agora iluminam a escuridão mais densa de nossa alma.
           
A nossa missão

E agora, autorizados por Cristo, o Servo, a Luz, todos nós recebemos dele a mais nobre herança: “Vocês são a luz do mundo!” Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte e nem se acende uma lâmpada para escondê-la. Que seja colocada em lugar visível para que ilumine a todos.
            Somos agora a nova cidade, a nova Jerusalém, sem muros e sem templo, cuja lâmpada é o Cordeiro imolado. Somos a nova cidade banhada pelo sangue do Justo e inocente que grita por justiça desde o primeiro justo Abel até o último eleito da face da terra que clama pela intervenção divina em nossa história.
            Lavemos, pois as nossas vestes no sangue do Cordeiro para que sejamos dignos de participar do banquete do reino. Purifiquemos, pois nossas mentes, consciências e coração, abrindo mão de nossos pecados e ações abomináveis, tornando-nos filhos e filhas da luz.
            Que sejamos “mansos como as pombas e prudentes como as serpentes” tomando cuidado com o alerta de Jesus: “Orai e vigiai para não cairdes em tentação”. “Se comigo fazem o que fazem, sendo eu um lenho verde, imagem com vocês que são lenho seco!” “Coragem, não tenham medo, eu venci o mundo!” “Não tenham medo pequenino rebanho! Foi do agrado do meu Pai confiar-lhes o Reino”.  “Eu não peço que os tire do mundo. Eu rogo ao Pai para que o livre do maligno!”
            Que Maria, a Mulher forte do Magnificat, que cantou as maravilhas de Deus, cuja alma o engrandeceu, ao ver os poderosos derrubados de seus tronos e os famintos saciados, a mulher grávida da nova humanidade redimida, nos sustente em nosso combate espiritual, para que esmaguemos a cabeça da serpente e alcancemos o fulgor das estrelas e a coroa da glória dos bem aventurados. Assim seja!

Pe. Nelito Dornelas
Matipó – MG, 17 de abril de 2013