Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

sábado, 14 de abril de 2012

As CEBs e os Movimentos Populares a serviço da vida no Nordeste e no Brasil.

Gilvander Luís Moreira[1]

Sigamos o método Ver-Julgar-Agir - método da Teologia da Libertação - para analisarmos o assunto “CEBs e Movimentos Populares a serviço da vida no Nordeste e no Brasil.” No Ver, façamos a análise de conjuntura a partir da realidade dos pobres do Nordeste. No Julgar, iluminemos a realidade com a luz dos textos bíblicos, das Ciências Humanas e da sabedoria popular. No Agir, coloquemos mãos à obra, com CEBs – Comunidades Eclesiais de Base - e Movimentos Populares de mãos dadas na luta por justiça permeada de ternura, ética e solidariedade.
Para refrescar a memória faz bem prestarmos atenção ao profundo significado das palavras “Comunidades Eclesiais de Base – CEBs”. O “C” diz Comunidade, aponta o jeito de viver e conviver, afugenta o individualismo e o egoísmo. “Se vivo sozinha sou apenas um pedaço; sou inteira quando vivo pertencendo a uma comunidade”, diz, feliz da vida, Carminha, participante de CEBs. O “E” diz Eclesial, que é diferente de eclesiástica; diz respeito a assembléia, comunhão, reunião, enfim, povo de Deus, a pérola encontrada pelo Concílio Vaticano II: Igreja é povo de Deus. Essa perspectiva convida ao protagonismo das/os leigas/os e inibe a submissão que se dá em igreja hierarquizada. O “B” diz Base social e eclesial. Quer dizer, as CEBs são igreja a partir da base social, dos pobres, e é igreja a partir da base eclesial, das/dos leigas/os. Assim, as CEBs têm como missão vivenciar a opção pelos pobres na sociedade e na Igreja.
Nas décadas de 70 e 80 do século XX se dizia: “As CEBs são sementeiras de Movimentos Populares.” É preciso resgatar esse vigor. Não dá para entender que haja participante de CEBs sem ser participante de algum movimento popular. CEBs não são movimentos populares, mas CEBs e Movimentos Populares devem andar de mãos dadas. Os movimentos populares também devem ser sementeiras de CEBs. No Brasil, e especificamente no Nordeste, não é possível pensar e lutar pela construção de um Outro Mundo, justo e solidário, e de uma Outra Igreja, justa e solidária, sem unir umbilicalmente as dimensões da mística religiosa e bíblica às lutas populares. Como ficar calado e não lutar diante de tanta injustiça?! Com a graça do Deus da vida, a luta a serviço da vida concreta está acontecendo em uma imensa rede de CEBs e de Movimentos Populares existentes no Nordeste e no Brasil. Expressão disso está nas Pastorais Sociais – CPT, P.O, CIMI, pastoral da Criança, Pastoral Carcerária, Cáritas etc – e em milhares de movimentos populares que se aglutinam na Via Campesina – MST, MAB, MPA etc -, na ASA – Articulação do Semi-árido -, na Articulação Popular São Francisco Vivo etc.
CEBs e Movimentos Populares devem estar a serviço da vida no Nordeste e no Brasil. Mas que tipo de serviço? Não pode ser um serviço ingênuo, assistencialista, clientelista, paternalista, como o Bolsa Família do Governo Federal. Deve ser um serviço que reforce as lutas por justiça. Que tipo de vida? É bobeira defender a vida em abstrato. Temos que defender os seres vivos no concreto, a partir do ser humano, especialmente a partir do mais empobrecido. Logo, é necessário ter consciência crítica e conhecimento das tramas que envolvem todas as questões. A visão da grande imprensa e do senso comum, normalmente, reforçam os sistemas de opressão, permitem apenas colocar panos quentes sobre feridas. E a partir de qual Nordeste e de qual Brasil? Claro que CEBs e Movimentos Populares não podem pensar e agir a partir do Nordeste (e do Brasil) turístico e dominante, o que impõe opressão sobre a maioria do povo. Temos que servir solidariedade e justiça defendendo a vida A PARTIR dos excluídos do Nordeste e do Brasil, onde há gritos ensurdecedores por justiça, principalmente por justiça ambiental. A preservação do meio ambiente deve considerar os aspectos sociais, os seres que trabalham e vivem nos lugares.
Com essas balizas, convido você a visitar os relatos dos evangelhos sobre a partilha dos pães. Eles nos ensinam como atacar pela raiz os problemas da fome, da cerca, da doença e da injustiça. Ensina-nos como devemos servir à vida de forma libertadora, não ingênua. Vejamos sete passos seguidos por Jesus, pelas primeiras Comunidades Eclesiais de Base e por movimentos populares da época do Filho de Maria e de José, que de tão humano tornou-se divino.
1. A fome, como a febre, era um problema tão sério na vida dos primeiros cristãos e cristãs, que os quatro evangelhos da Bíblia relatam Jesus partilhando pães e saciando a fome do povo (cf. Mt 14,13-21; Mc 6,32-44; Lc 9,10-17 e Jo 6,1-13). O evangelho de Mateus mostra que o povo faminto “vem das cidades”, ou seja, as cidades, ao invés de serem locais de exercício da cidadania, se tornaram espaços de exclusão e de violência sobre os corpos humanos.
2. “Jesus atravessa para a outra margem do mar da Galileia” (Jo 6,1), entra no mundo dos gentios, dos pagãos, dos impuros, enfim, dos excluídos. Jesus não fica no mundo dos incluídos, mas estabelece comunicação efetiva e afetiva entre o mundo dos incluídos e o mundo dos excluídos. Assim, tabus e preconceitos se desmoronam gradativamente.
3. Profundamente comovido, porque “os pobres estão como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34), Jesus percebe que os governantes da sociedade e líderes religiosos não estavam sendo libertadores, mas estavam colocando fardos pesados nas costas do povo pobre. Com olhar altivo e penetrante, Jesus vê uma grande multidão de famintos que vem ao seu encontro, só no Brasil são milhões de pessoas que têm os corpos implodidos pela bomba silenciosa da fome de justiça, pela violência, pela droga, pelo latifúndio, pela exclusão e por movimentos religiosos espiritualistas que enganam e alienam o povo.
4. Jesus não sentiu medo dos pobres, aproximou-se e procurou superar a fome que os golpeava e humilhava. Apareceram dois projetos para resgatar a cidadania do povo faminto. O primeiro foi apresentado por Filipe: “Onde vamos comprar pão para alimentar tanta gente?” (Jo 6,5). No mesmo tom, outros discípulos tentavam lavar as mãos: “Despede as multidões para que vão aos povoados comprar alimento para si.” (Mt 14,15). Filipe está dentro do mercado e pensa a partir do mercado. Está pensando que o mercado é um deus capaz de salvar as pessoas. Cheio de boas intenções, Filipe não percebe que está dentro da idolatria do mercado.
5. O segundo projeto é posto à baila por André, um outro discípulo de Jesus, que, mesmo se sentindo fraco, acaba revelando: “Eis um menino com cinco pães e dois peixes” (Jo 6,9). Jesus acorda nos discípulos e discípulas a responsabilidade social, ao dizer: “Vocês mesmos devem alimentar os famintos” (Mt 14,16). Jesus quer que todos ponham mãos à obra. Nada de desculpas esfarrapadas e racionalizações que tranqüilizem consciências. Jesus pulou de alegria e, abraçando o projeto que vem de André (Andros = humano, em grego), anima o povo a “sentar na grama” (Jo 6,10). Aqui aparecem duas características fundamentais do processo protagonizado por Jesus para levar o povo da exclusão à cidadania na cidade e à camponia no campo. Jesus convida o povo para sentar-se. Por quê? Na sociedade escravocrata do Império Romano somente as pessoas livres e cidadãs podiam comer sentadas. Os escravos deviam comer de pé, pois não podiam perder tempo de trabalho. Era só engolir e retomar o serviço árduo. 1/3 da população era escravo e outro terço, semi-escravo. Logo, quando Jesus inspira o povo para se sentar, ele está, em outros termos, defendendo que os escravos têm direitos e devem ser tratados como cidadãos na cidade e camponeses no campo.
6. Por que sentar na grama? A referência à existência de “grama” no local indica que o povo está no campo, na zona rural, e é a partir de uma reorganização da vida no campo que poderá advir uma solução radical para a fome, a violência e todos os outros problemas que afligem o povo nas cidades. Em outras palavras, o combate que liberta da fome e da violência passa necessariamente pela realização de uma autêntica Reforma Agrária. Não dá para continuar a iníqua estrutura fundiária no Brasil, com 2% da população sendo proprietária de quase 50% da terra.
7. Jesus estimula a organização dos famintos. “Sentem-se, em grupos de cem, de cinqüenta, de dez...” (Mc 6,40). Assim Jesus e os primeiros cristãos nos inspiram que a resolução dos problemas da fome, da cerca, da doença, da violência e da injustiça só serão superados quando o povo marginalizado e excluído se organizar e partir para a luta. Jesus provoca a solidariedade conclamando para a organização dos marginalizados como meio para se chegar à vida em abundância para todos e tudo.

Concluindo...
Em uma linguagem bíblica, podemos dizer que os desafios das CEBs e dos Movimentos Populares irrompem sempre a partir de esterilidade e virgindade férteis. O profeta Ezequiel, por exemplo, atento aos sussurros e cochichos do Deus solidário e libertador, olhava para o povo exilado pelo império babilônico e via como que um vale cheio de ossos. Pouco a pouco esses ossos começam a se mexer, vão se aproximando e se esfregando uns nos outros. Assim suscitam as energias, que viabilizam a irrupção de nervos e articulações, para, enfim, desaguar em uma ressurreição de ossos tidos como ressequidos (Ez 37,1-14).
Aprendemos que direitos só vêm com a organização e luta da classe trabalhadora. Estamos numa sociedade de classe com interesses antagônicos. A classe dominante sempre vai querer dominar e para isso tem que pisar na classe trabalhadora. Se essa não se une, não se organiza e luta, será sempre sapo debaixo do pé de boi. É necessário meter o pé no barranco e resistir.
Diante da avalanche de injustiças sociais e de devastação ecológica em progressão geométrica sentimos, muitas vezes, uma grande impotência. Parece que estamos caminhando para um apocalipse da vida sobre nossa única casa comum, o planeta Água, erroneamente chamado de planeta Terra. Mas a fina flor da experiência bíblica indica-nos que os momentos de crise são profundamente férteis. “O deserto é fértil”, dizia Dom Hélder Câmara, o santo rebelde do nordeste. Padre Ibiapina, Padre Cícero, Beato Zé Lourenço, Antônio Conselheiro e tantos outros/as transformaram situações de crise em ações que fertilizaram a vida do povo. Sigamos o legado espiritual profético desses homens de Deus e do povo. Em todas as pessoas há potencialidades que precisam ser acordadas.
É fundamental reconhecer que estamos participando de processos, de uma caminhada constituída de uma infinidade de passos que devem ser articulados entre si. Se ficarmos contemplando apenas o tamanho do Golias, não perceberemos a força e a grandeza presente no pequeno Davi. O sistema opressor e depredador é um gigante, mas tem pés de barro. A história demonstra que, quando menos se espera, guinadas na história são dadas e os ventos começam a soprar em outra direção. 
Nessa perspectiva lutam o povo das CEBs e dos Movimentos Populares, de mãos dadas. De 18 a 22 de julho de 2012, em Itabuna, na Bahia, o Nordestão das CEBs, encontro preparatório para o 13º Intereclesial das CEBs, que acontecerá na Diocese de Crato, no Ceará, de 7 a 11 de janeiro de 2014, nos convida: Vem, entra na roda com a gente! Você também é importante...


[1] Frei e padre Carmelita, mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblica, assessor da CPT, CEBs, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br - www.gilvander.org.br – facebook: gilvander.moreira – Texto escrito em Belo Horizonte, dia 19/03/2012, dia de São José, homem justo.