por Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)
Para muitos a novela “Amor e Revolução”, do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), seria apenas uma tentativa de passar a limpo o período mais vergonhoso da história recente do país. Os militares bradaram, através de um sítio na internet, mas logo descobriram que no Estado de Direito da sociedade globalizada os berros podem virar sussurros. O programa tornou-se moldura para os depoimentos que, candentes e surreais, são a expressão dos que sobreviveram à tortura, à censura e à ditadura.
Agora chegou a vez dos evangélicos e sua participação no movimento revolucionário iniciado no dia 31 de março à meia-noite, que logo se mostrou uma caricatural quartelada de 1º de abril que impôs ao país regras da caserna – incluída o cala a boca e o calabouço – com traços pitorescos, como o policial que leva o frade para jantar com sua família, antes de entregá-lo ao delegado.
Agora começa o relato testemunhal de quem resistiu e guardou a memória do horror. Do líder carismático que entendeu que o golpe militar era a resposta à batalha do céu até o líder eclesial que negou a existência de tortura e teve como reação a transferência de uma assembleia mundial, em 1970.
Ao mesmo tempo, havia comunidades de fé em sessões de oração e êxtase, enquanto brasileiros e brasileiras eram supliciados – do sequestro de filhos até o assassinato “exemplar” de militares – e de “acidentes” como o do Riocentro. Outras guardaram a memória dos torturados e assassinados, dos que morreram sem ver o país defrontar-se consigo mesmo, e dos que a vivem este momento. Pela fé.
A repatriação de documentos do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), de Genebra, Suíça, e do Center for Research Libraries, de Chicago, EUA, na Procuradoria Regional da República da 3ª Região, é, talvez, o momento de maior maturidade vivido pela cidadania brasileira. Esse gesto coincide com a marca de lideranças religiosas como o rabino Henry Sobel – com apenas 32 anos e recém chegado ao Brasil, presidindo o sepultamento do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975 – para o qual pediu a ajuda do cardeal arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, e do pastor James Wright – mais conhecido como Jaime – da Igreja Presbiteriana Unida.
O Projeto “Brasil: nunca mais”, que se iniciou desse contato, levantou um conjunto de documentos entre 1979 e 1985, através de 30 advogados, obtendo informações de mais de 1 milhão de páginas contidas em 707 processos do Superior Tribunal Militar (STM) que, ao serem sistematizadas, revelaram a extensão da repressão política no Brasil no período de 1961 a 1979. A obra, de 312 páginas, foi assinada pelo cardeal Arns, que é Doutor em História pela Sorbonne, fazendo um registro histórico da repressão. O livro foi publicado pela editora Vozes em 1985.
Um dos casos emblemáticos, que recebe destaque nesta semana, é o de Anivaldo Padilha, estudante de ciências sociais da Universidade de São Paulo (USP), preso em 1970, aos 29 anos, e torturado no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Ele admitiu até ter pensado em suicídio, pelo medo de trair os irmãos da igreja que partilhavam seus ideais de luta pela justiça, mas suportou calado a tortura, apesar do corpo franzino, e a prisão por dez meses, até ser mandado para o exílio, que amargou por 13 anos, no Uruguai, na Suíça e nos Estados Unidos.
Houve muitos casos em que pessoas que atuavam na igreja sofreram essa dupla dor: estarem submetidas à ofensa, ameaça, pressão psicológica, estupros, sequestro de parentes, tortura diante de parentes – um verdadeiro bestiário moderno – e à segunda, ao se descobrir denunciado por um membro da mesma comunidade de fé, em alguns casos um membro da diretoria ou até mesmo o pastor.
Muito recentemente, esse pano de fundo de horror voltou a dar as caras na articulação político-religiosa-inconstitucional para impedir a eleição de Dilma Rousseff, mostrando-se completamente frustrada. A participação dos setores mais conservadores das igrejas, liderados por padres, bispos e pastores que manipularam os grupos mais controlados e desinformados, como um lumpen operariado, despolitizado e economicamente vulnerável.
Além disso, houve a articulação de púlpitos e sacristias assumindo o crime de orientar fieis pela internet e em horário eleitoral, e as coberturas de emissoras de rádio e TV, portais, revistas e jornais do país, articulando as redações num discurso único, mas acabaram obtendo míseros 5,5% de aumento em relação aos resultados do segundo turno das eleições anteriores.
A última manifestação da direita religiosa, de poucos dias atrás, veio após a sessão em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu os direitos civis de homossexuais e os tumultos causados pela reação em defesa da família, em que religiosos, militares, deputados de partidos conservadores, especialmente os que têm em comum as concessões de veículos de comunicação oferecidas pela ditadura como gesto de gratidão pelo apoio, com os quais exerce a influência sobre setores populacionais pobres, despolitizados e com necessidades básicas, atendidas a custo de votos.
Em todos esses casos percebe-se que a participação política dos evangélicos tem – além da marca de sua fragmentação – a de bastante dependente de um conservadorismo baseado em lideranças, da influência da moral do dever e de certo deslumbramento diante da possibilidade de chegar ao poder.
Para muitos a novela “Amor e Revolução”, do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), seria apenas uma tentativa de passar a limpo o período mais vergonhoso da história recente do país. Os militares bradaram, através de um sítio na internet, mas logo descobriram que no Estado de Direito da sociedade globalizada os berros podem virar sussurros. O programa tornou-se moldura para os depoimentos que, candentes e surreais, são a expressão dos que sobreviveram à tortura, à censura e à ditadura.
Agora chegou a vez dos evangélicos e sua participação no movimento revolucionário iniciado no dia 31 de março à meia-noite, que logo se mostrou uma caricatural quartelada de 1º de abril que impôs ao país regras da caserna – incluída o cala a boca e o calabouço – com traços pitorescos, como o policial que leva o frade para jantar com sua família, antes de entregá-lo ao delegado.
Agora começa o relato testemunhal de quem resistiu e guardou a memória do horror. Do líder carismático que entendeu que o golpe militar era a resposta à batalha do céu até o líder eclesial que negou a existência de tortura e teve como reação a transferência de uma assembleia mundial, em 1970.
Ao mesmo tempo, havia comunidades de fé em sessões de oração e êxtase, enquanto brasileiros e brasileiras eram supliciados – do sequestro de filhos até o assassinato “exemplar” de militares – e de “acidentes” como o do Riocentro. Outras guardaram a memória dos torturados e assassinados, dos que morreram sem ver o país defrontar-se consigo mesmo, e dos que a vivem este momento. Pela fé.
A repatriação de documentos do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), de Genebra, Suíça, e do Center for Research Libraries, de Chicago, EUA, na Procuradoria Regional da República da 3ª Região, é, talvez, o momento de maior maturidade vivido pela cidadania brasileira. Esse gesto coincide com a marca de lideranças religiosas como o rabino Henry Sobel – com apenas 32 anos e recém chegado ao Brasil, presidindo o sepultamento do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975 – para o qual pediu a ajuda do cardeal arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, e do pastor James Wright – mais conhecido como Jaime – da Igreja Presbiteriana Unida.
O Projeto “Brasil: nunca mais”, que se iniciou desse contato, levantou um conjunto de documentos entre 1979 e 1985, através de 30 advogados, obtendo informações de mais de 1 milhão de páginas contidas em 707 processos do Superior Tribunal Militar (STM) que, ao serem sistematizadas, revelaram a extensão da repressão política no Brasil no período de 1961 a 1979. A obra, de 312 páginas, foi assinada pelo cardeal Arns, que é Doutor em História pela Sorbonne, fazendo um registro histórico da repressão. O livro foi publicado pela editora Vozes em 1985.
Um dos casos emblemáticos, que recebe destaque nesta semana, é o de Anivaldo Padilha, estudante de ciências sociais da Universidade de São Paulo (USP), preso em 1970, aos 29 anos, e torturado no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Ele admitiu até ter pensado em suicídio, pelo medo de trair os irmãos da igreja que partilhavam seus ideais de luta pela justiça, mas suportou calado a tortura, apesar do corpo franzino, e a prisão por dez meses, até ser mandado para o exílio, que amargou por 13 anos, no Uruguai, na Suíça e nos Estados Unidos.
Houve muitos casos em que pessoas que atuavam na igreja sofreram essa dupla dor: estarem submetidas à ofensa, ameaça, pressão psicológica, estupros, sequestro de parentes, tortura diante de parentes – um verdadeiro bestiário moderno – e à segunda, ao se descobrir denunciado por um membro da mesma comunidade de fé, em alguns casos um membro da diretoria ou até mesmo o pastor.
Muito recentemente, esse pano de fundo de horror voltou a dar as caras na articulação político-religiosa-inconstitucional para impedir a eleição de Dilma Rousseff, mostrando-se completamente frustrada. A participação dos setores mais conservadores das igrejas, liderados por padres, bispos e pastores que manipularam os grupos mais controlados e desinformados, como um lumpen operariado, despolitizado e economicamente vulnerável.
Além disso, houve a articulação de púlpitos e sacristias assumindo o crime de orientar fieis pela internet e em horário eleitoral, e as coberturas de emissoras de rádio e TV, portais, revistas e jornais do país, articulando as redações num discurso único, mas acabaram obtendo míseros 5,5% de aumento em relação aos resultados do segundo turno das eleições anteriores.
A última manifestação da direita religiosa, de poucos dias atrás, veio após a sessão em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu os direitos civis de homossexuais e os tumultos causados pela reação em defesa da família, em que religiosos, militares, deputados de partidos conservadores, especialmente os que têm em comum as concessões de veículos de comunicação oferecidas pela ditadura como gesto de gratidão pelo apoio, com os quais exerce a influência sobre setores populacionais pobres, despolitizados e com necessidades básicas, atendidas a custo de votos.
Em todos esses casos percebe-se que a participação política dos evangélicos tem – além da marca de sua fragmentação – a de bastante dependente de um conservadorismo baseado em lideranças, da influência da moral do dever e de certo deslumbramento diante da possibilidade de chegar ao poder.