Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A esperança dentro da sacola - Maria Soave

Libéria significa "terra livre". A Libéria é um país do continente africano. A África é a terra-mãe da primeira Humanidade. Segundo os últimos estudos, todos e todas somos filhos e filhas da mãe África. Da África, por muitos séculos, vieram obrigadas, nos porões dos navios, as pessoas escravas que construíram muitas das riquezas da América.

Da África, por muitos séculos, vieram obrigados e presos, pior do que bichos, nos porões dos navios, os escravos. Muitas destas pessoas, crianças, mulheres e homens, morreram na longa viagem, no meio do mar. O oceano guarda milhões de corpos negros, vítimas da ganância e da violência dos senhores escravagistas. Todos os poderosos da terra foram senhores de escravos, poderosos militares e religiosos. Desde os tempos antigos, a voz da profecia se levanta contra a escravidão, a favor dos pequenos e dos pobres.

O Brasil foi um dos últimos países modernos a eliminar a escravidão, formalmente em 1888. A Libéria foi o primeiro estado africano a conquistar a liberdade dos colonizadores. Libéria, primeiro país africano livre da escravidão colonialista. Libéria, "terra livre". Mas na África, terra-mãe da primeira humanidade, mãe da Libéria, continua a via sacra da fome e da violência. Os poderosos do mundo, os donos da economia e das armas esqueceram, faz muito tempo, a mãe África e o seu povo. A Mãe da Humanidade é hoje o grande mercado da fome e das guerras. A Libéria, primeiro país africano que conquistou a liberdade dos colonizadores, continua vivendo na fome e na miséria. Nestes dias voltou aos meus olhos e ao meu coração este país: a Libéria.

Sobre um pequeno barco, mais de 130 pessoas, mulheres, homens e crianças tentaram uma longa viagem da esperança, saindo da fome e da miséria da própria terra, rumo ao mar do sul da Itália. O barco era pequeno demais, muita esperança, muita gente..., muito sonho num barco pequeno. Perto da praia do sul da Itália, na tempestade do mar, o barco virou. O barco, pequeno demais, muito sonho... muita gente. A terra italiana estava muito perto, não mais de duzentos metros a nado. Muita daquela gente faminta e esperançosa não sabia nadar.

O mar, que trouxe o sonho de uma vida melhor, sem fome, sem guerras e sem epidemias daquela gente negra, engoliu quarenta corpos. Quarenta pessoas morreram por tentar fugir da fome e da miséria. Quarenta pessoas, mulheres, homens e crianças, morreram olhando a terra prometida, sem que deus nenhum abrisse o mar para deixar o seu povo amado e sofrido, por tanta escravidão e injustiça, passar a pé, enxuto.

O povo negro da Libéria, primeiro país africano que conquistou a liberdade da escravidão, deixa, nestes dias, quarenta dos seus filhos mortos no mar do sul da Itália. O povo negro da mãe África em busca de vida melhor, sem fome e sem guerras, deixa quarenta dos seus filhos no mar do sul da Itália.

Mulheres, homens e crianças morreram sem poder entrar na terra prometida. Morreram afogados como os cavalos e os cavaleiros do faraó, sem que nenhum deus abrisse as águas do mar para deixar o seu povo amado passar a pé, enxuto. Olho com os olhos e o coração sangrando de lágrimas os sobreviventes desta tragédia humana. Restaram 94 pessoas, gente cansada. A pele, da cor mágica de uma noite sem luar. Vejo-os chegar no centro de acolhida para migrantes clandestinos. No sul da Itália, com um número pendurado no pescoço; gente, considerada pelos poderosos da economia e da história, sem importância. Gente sem nome, sem dignidade, sem documentos. Um número pendurado no pescoço. Algumas dezenas de anos antes, com os mesmos números, os pais e as mães deste povo eram conduzidos ao mercado dos escravos. Gente enfileirada com uma pequena sacola nas mãos, um pouco de pão, quem sabe uma blusa que algumas pessoas simples daquelas ilhas do sul da Itália deram em solidariedade a esta gente pobre e desesperada para enfrentar o frio. A vida e a esperança estavam numa pequena sacola - um pedaço de pão e um pano para se cobrir do frio. E meu coração que sangra, pergunta: "Deus (a), onde estás?" Das lágrimas, vem o sabor de um antigo conto do Evangelho. Jesus, quando caminhou entre nós, dizia que os discípulos e as discípulas do Reino de Deus se reconhecem pelo sonho de uma vida plena, de uma vida sem senhores e sem miséria, pela luta em favor da vida em abundância.

Os discípulos e as discípulas de Jesus, construtores do Reino, se reconhecem porque chegam às nossas casas, pobres, sem chinelos nos pés, com uma pequena sacola nas mãos. Os pobres de Deus, com a vida dentro de uma pequena sacola... Jesus, no Evangelho, nos diz que o anúncio destes pobres é a paz, o fim da fome e das guerras (Lc 10,3). Por este anúncio de paz, muitas vezes, os discípulos e as discípulas do Reino de Deus não são bem acolhidos. O governo italiano, governo de um dos 7 países mais ricos do mundo, não irá acolher o povo sobrevivente do barco da Libéria. O povo pobre, anunciador do sonho do fim da fome e da guerra, não ficará na Itália. O governo de direita, surdo ao grito dos excluídos do mundo, manda embora os pobres de Deus, gente negra com a vida dentro de uma sacola. Neste outubro missionário, o meu coração em sangue pergunta: "Deus(a), onde estás?".

E vem uma frágil resposta de solidariedade e de fé, a frágil resposta dos pobres da Bíblia e da Vida. Deus(a) caminha, pé de chinelo, com a vida dentro de uma pobre sacola, com um número pendurado no pescoço, com a mesma cor negra do seu povo amado. Amém.