Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Reportagem sobre julgamento de assassinato de dois sem-terra no Paraná

“A Justiça é o pão do povo
Às vezes bastante, às vezes pouca”, Bertolt Brecht

Estado brasileiro e madeireira não olharam para o juiz
Acusados de assassinato de dois sem-terra são absolvidos em Laranjeiras do Sul (PR). Crime aconteceu em 1997, na maior área de ocupação da América Latina, território grilado pela madeireira Araupel
Pedro Carrano, de Laranjeiras do Sul (PR), para o Brasil de Fato


Uma foto de Sebastião Salgado, hoje na memória de militantes de todo o mundo, retrata um sem-terra empunhando a foice e rompendo uma porteira. A cabeça baixa, o rosto coberto pelo boné, ele era seguido por uma multidão. O local da imagem foi a ocupação que reuniu 3340 famílias, em Rio Bonito do Iguaçu (PR). A tomada de parte dos 87 mil hectares do latifúndio aconteceu em 17 de abril de 1996, mesmo dia do massacre de Eldorado dos Carajás (PA), quando 17 trabalhadores sem-terra foram mortos. Apenas a primeira de uma série de tristes coincidências.


Meses mais tarde, em 16 de janeiro de 1997, os agricultores Vanderlei das Neves (16) e José Alves dos Santos (34) foram vítimas de emboscada de milícia privada, na divisa entre a plantação de pinus da fazenda Pinhal Ralo e o cultivo de milho na parte ocupada pelos agricultores. O território era grilado pela empresa madeireira conhecida como Giacomet-Marodin, adquirida da Votorantim, e hoje chamada Araupel. No mesmo dia do assassinato, o governo federal tinha decretado a desapropriação da área.


“A ocupação foi um fato político grande, a empresa pagou apenas R$ 150 de impostos no ano de 1996. Havia denúncias na imprensa. O Lula na época esteve aqui. O repórter Caco Barcellos também”, dimensiona Laurecir, militante do MST. As vítimas foram seis ao todo, duas assassinadas e quatro sobreviventes. As armas usadas eram de calibre 12, 22, 357 e fuzil 762. Na emboscada, ao tentar proteger o rosto, Vanderlei das Neves teve as mãos perfuradas pelos tiros à queima roupa. Todos os disparos vieram da mesma direção, fato reconhecido pela perícia no local do crime.


Os réus, acusados pela chacina, estavam mais velhos quando foram a júri. Ainda que o inquérito do crime tenha sido finalizado em poucos meses, passaram-se oito protelações na Justiça e mais de treze anos de espera. Agora, Jorge Dobinski da Silva (69) e Antoninho Valdecir Somensi (57), funcionários da empresa até hoje, foram a julgamento no dia 14 de dezembro de 2010, na cidade de Laranjeiras do Sul (PR), a partir de denúncia do Ministério Público. A acusação contou com a assessoria do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh. Os jurados reconheceram que houve crime contra os sem-terra, mas, por quatro votos a dois, não atribuíram os incidentes aos dois acusados. Ao longo de todo o processo, não houve associação entre a ação de milícias na região e a empresa proprietária dessas grandes extensões de terras.


Jacson Zilio, promotor do Ministério Público que acompanha o caso desde 1997, apontou o tempo como um dos fatores que pesou para que o processo não apontasse os responsáveis dos crimes. “Acho que o resultado é fruto dessa demora, se tivesse uma resposta antes não seria assim (...) O distanciamento da data do fato é algo que acabou nos prejudicando”, analisa.


A absolvição deixa a chacina sem resposta por parte do Estado. De acordo com a organização Terra de Direitos, a impunidade que se verifica no âmbito penal não exclui a chance de outras formas de responsabilização, no âmbito internacional, junto à Organização dos Estados Americanos (OEA).


Logo após o depoimento no júri, no dia 14, José das Neves, vítima e testemunha ocular dos fatos, afirmou ao Brasil de Fato que se manteve na luta pela terra após a morte do filho. Como tantos outros que vivenciaram aquele período, hoje ele é assentado. “Vanderlei tinha um desejo profundo no coração de ter terra. Perdeu a vida, mas nós precisávamos de um pedacinho de terra, por isso não desisti”, afirma. Foi em 1998, um ano depois, que Neves teve acesso à terra prometida. Em uma região do Paraná marcada por ocupações massivas e práticas de pistolagem.