Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Eleições: a credibilidade da CNBB posta em xeque - Dom Demétrio Vanlentini

IHU On-Line - No primeiro turno, alguns bispos aconselharam a sociedade a não votar na candidata do PT, Dilma Rousseff. Qual a postura da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB nessa questão?

Luiz Demétrio Valentini - Esse é um assunto sério e merece muita atenção. Penso que a credibilidade da CNBB Está sendo colocada em xeque. A CNBB, tradicionalmente, sempre marcou presença na realidade brasileira como uma entidade responsável que colaborou para a implantação da democracia no Brasil, ciente, claramente, da sua responsabilidade própria. Agora, corre o risco de ser mal interpretada por equívocos acontecidos por manobras em andamento. Existe uma espécie de falácia que precisa ser desmontada e esclarecida. Essa falácia consiste, em primeiro lugar, em invocar o nome da CNBB sobre posições que não são dela. Foram impressos milhares de folhetos com a mensagem: "CNBB proíbe católicos de votarem em Dilma, do PT". Isso não é verdade. Foi feito um estratagema para vincular opiniões pessoais de alguns bispos à imagem da CNBB. O equívoco maior se deu no Regional Sul I da CNBB: a presidência recomendou que todos lessem e levassem em consideração uma manifestação de duas comissões diocesanas, onde se manifestava, claramente, posições preconceituosas contra Dilma e o PT. A solicitação de que esse documento deveria ser levado em conta comprometeu o posicionamento do Regional. Com isso, se criou a ambiguidade e o equivoco de que todo o Regional estava de acordo com esse posicionamento, o que não é verdade. Isso influenciou o resultado das eleições.

Outra falácia mais séria e difícil de ser compreendida foi o fato de lançar a condição de abortistas a todos aqueles que propõem políticas sociais que levem em conta a situação do aborto para melhorar a legislação e as providências para favorecer a vida e evitar situações de aborto. Foi montada uma acusação, a qual foi vinculada o voto dizendo que quem é católico não pode votar em quem é abortista . Quem disse que determinada pessoa é abortista? O próprio acusador se vê no direito de estabelecer alguém como abortista, sem levar em conta as ponderações que ele faz.

IHU On-Line - Qual o posicionamento da CNBB diante do segundo turno das eleições presidenciais?

Luiz Demétrio Valentini - Enviei um apelo à CNBB. Estou aguardando um pronunciamento da presidência da CNBB. Fiz questão de ressaltar a Dom Geraldo Lyrio Rocha, presidente da CNBB, que se fazia necessária uma clara tomada de decisão da presidência, esclarecendo que ela não tem posição partidária, não tem restrições a nenhum dos dois candidatos, de modo que se torna urgente enfatizar a posição de neutralidade em termos de opções partidárias e eleitorais. Espero que esse pronunciamento seja feito ainda hoje (6-10-2010) e coloque com muita evidência que a posição da presidência do Regional Sul I da CNBB foi fruto de um equívoco, que, me parece, deveria ser esclarecido pelos próprios autores que elaboraram a declaração.

IHU On-Line - Como percebe o posicionamento de Dilma em relação ao aborto? Ela está tratando o tema de maneira diferente no segundo turno?

Luiz Demétrio Valentini - Penso que ela demorou a se dar conta da gravidade das acusações que eram feitas contra ela e da complexidade do assunto. Percebo que ela tem convicção de que o aborto é um problema de saúde e que não se reduz a isso. Então, deveria ter manifestado de maneira mais enfática o reconhecimento da defesa da vida desde a sua fecundação, como a Igreja afirma. Ela precisava perceber melhor a causa que está em jogo. Dilma tem a oportunidade de esclarecer melhor o seu posicionamento no segundo turno.

IHU On-Line - O que diferencia o posicionamento de Dilma e Serra em relação ao aborto?

Luiz Demétrio Valentini - Serra, como Ministro da Saúde, referendou medidas concretas de prática do aborto. De modo que, aqueles que de maneira tão enfática acusam a Dilma de abortista, deveriam se dar conta de que o outro candidato também teve um posicionamento, o qual pode ser, de acordo com o rigor dos acusadores, acusado de abortista.

IHU On-Line - Como entender que a opinião pública não coincide mais com a opinião publicada? Isso indica que tipo de mudança social?

Luiz Demétrio Valentini - Não é mais a grande imprensa que conduz o processo político. Alguns jornais armaram um esquema de denúncias para inviabilizar uma candidatura, de modo que tentaram, mas obtiveram resultados. Não foi por obra da grande imprensa que a candidatura Dilma diminuiu seu percentual. Dá para sentir que o povo brasileiro começa a formar a sua opinião a partir de fatos próximos e concretos que ele vivência. Quem está a favor da vida? Não são os que gritam contra o aborto e, sim, os que implementam políticas sociais que acabam beneficiando e trazendo mais dignidade para a vida das pessoas. Em termos econômicos, sociais e culturais, o povo está aprendendo a discernir a partir das realidades que ele percebe. Esse é um fato promissor.

Independente do resultado dessas eleições, penso que está indicado um trabalho de cidadania promissor: incentivar o povo a formar a sua opinião a partir, não do que dizem os grandes jornais, mas, a partir de experiências concretas que o povo experimenta e o onde ele se sente sujeito e, não mais, objeto de manobra política.

IHU On-Line - O senhor acredita mesmo que a grande imprensa perdeu o poder de criar opinião pública? O caso Erenice parece ter sido o responsável pela queda de Dilma na reta final?

Luiz Demétrio Valentini - Sem dúvida esse caso ainda conseguiu influenciar a candidatura de Dilma, sobretudo, a partir de situações concretas, visuais. Evidente, o jornal que denunciou tinha "boas intenções" e queria desestabilizar uma candidatura. A grande imprensa ainda é atora. Não sou contra a imprensa, pelo contrário, quanto mais se difunde a possibilidade de comunicação, mais ela está ao alcance da participação popular. A grande imprensa ainda tem a sua parcela de influência, mas não é mais a mesma que forma a opinião pública

IHU On-Line - E as pesquisas eleitorais interferem na formação de opinião e decisão de voto para muitos brasileiros?

Luiz Demétrio Valentini - São instrumentos importantes e indispensáveis, contanto que sejam feitos sem tendências. Foi clara a tentativa de, ao longo do processo eleitoral, apresentar estatísticas que favoreciam mais um candidato do que outro. Houve tentativa de distorcer o resultado das pesquisas, ainda mais quando há institutos de pesquisas que estão comprometidos com uma posição eleitoral.

IHU On-Line - Que fatos relevantes o senhor destaca nesta campanha eleitoral?

Luiz Demétrio Valentini - Penso que a presença da internet é um fator que não estava na contabilidade de ninguém, mas que está emergindo e traz sérias preocupações. Somente o exercício esclarecido da cidadania pode enfrentar os problemas suscitados por esse novo meio de comunicação que possibilita difundir largamente denúncias injustas. Não se trata de coibir, mas de neutralizar a informação com a apresentação de conteúdos verdadeiros, mostrando e desautorizando quem difunde inverdades, posições inventadas e acusações gratuitas.

IHU On-Line - O que leva o senhor a acreditar que estamos caminhando rumo a um processo político promissor no Brasil?

Luiz Demétrio Valentini - Questiono firmemente a tentativa de manipular o outro. O voto é um instrumento melhor, um aprimoramento democrático, quando o eleitor percebe que são eleitos aqueles indicados pelo voto. Por isso, toda a legislação deve fortalecer a liberdade do voto. De modo que, a prática democrática do voto é o melhor instrumento que temos. Precisamos batalhar para que as campanhas sejam oportunidade de esclarecimento da consciência dos eleitores. A batalha pelo voto é a grande batalha pela democracia