Na semana em que a Igreja celebrou Pentecostes, 2010 anos após a chegada do menino Galileu que nasceu numa estrebaria, chegamos à Ocupação-comunidade Dandara, no Céu Azul, em Belo Horizonte, MG, e deparamo-nos com uma cena semelhante à encontrada pelos magos que buscavam o menino Jesus, orientados por uma estrela: a mãe, o pai, a irmãzinha e o menino aquecido envolto em paninhos no aconchego de um lar, fincado numa terra sagrada, marcada pela luta por dignidade humana e justiça social.
Encontramos uma sagrada família, a qual José tem o nome de Zezinho, Maria tem o nome de Ideslaine, e Jesus tem o nome de Isaac Victor, o recém nascido que tem uma irmãzinha chamada Iasmin Victória.
Mais um dandarense nasceu! Chegou como uma estrela, um sinal de esperança. Traz uma mensagem em tempos de julgamento de Dandara na Corte Superior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Chegou para anunciar a todo o povo, como o menino de Belém, que o seu Deus está ao lado e dentro da luta das 887 famílias empobrecidas que desde a quinta-feira da Semana Santa do ano passado estão construindo suas casas e construindo um novo jeito de viver, mais solidário, cristão e socialista.
Veio somar com um grande número de crianças que nasceram na Comunidade Dandara em um ano de caminhada e com tantas outras que lá moram e vieram de muitas exclusões onde a vida e a dignidade estavam extremamente ameaçadas pelo risco da área onde viviam ou pela tortura mensal do aluguel.
Esta criança que nasceu foi gerada no ventre de uma jovem mulher aguerrida e lutadora que ao receber a notícia da gravidez, embora em situação de acampada em um barraco de lona, a acolheu como bênção de Deus. Tinha a clara consciência de que em seu ventre carregava um “messias”, alguém que chega para continuar a luta dos pobres contra as injustiças sociais e a defesa da vida. Por isso, esta jovem, durante a gravidez, muitas vezes, como Maria, a mãe de Jesus, em sua militância cantou o “magnificat”, na certeza de que o seu Deus derruba do trono os poderosos e eleva os humildes. Com uma barriga enorme, já quase na hora de dar à luz Isaac, participou da Marcha pela paz e contra os despejos, participou das lutas na comunidade e até acampou na Praça 7 de setembro, marco zero de Belo Horizonte. Ajudou a “atrapalhar” o trânsito, reivindicando “um lugar”, não só para o seu filho, mas para o povo sofrido e injustiçado da capital mineira que tem a liberdade apenas como nome de uma praça, onde nem o Governador quis lá permanecer, preferindo construir uma Cidade Administrativa faraônica e desde ali exercer a administração do estado.
Enquanto a irmãzinha engatinhava pelo chão do barracão e aprendia a dar os primeiros passos, Isaac Victor ia crescendo no ventre de Ideslaine. Junto à mãe, o pai Zezinho, com muita luta, ia colocando o tijolo de cada dia nas paredes da pequena casa. Isaac nasceu e ainda tem muito por se fazer na casa, mas o espaço que o acolheu tem a cor da esperança da casa própria e um quintal com verduras e flores onde as crianças podem exercer o sagrado “direito de ser criança” e viver em paz. “Este chão foi Deus quem nos deu!” repetem Zezinho e Ideslaine, com confiança. Iasmin e Isaac são dádivas dadas por Deus para viverem neste sagrado chão, que é a Comunidade Dandara, construída sobre uma propriedade que não cumpria a função social.
A “história” do menino de Belém já se repetiu muitas vezes em Dandara. No caso de Isaac, sua mãe sentiu as dores do parto na madrugada de sábado, dia 15 de maio de 2010. De ônibus coletivo seguiu para o hospital. A bolsa se rompeu no caminho e - tendo que pegar um segundo ônibus, mas sem forças para isto - foi acudida por um taxista “bom samaritano” que passou, viu uma mãe negra em dores de parto, teve compaixão, parou e ofereceu carona. Ao chegar à Santa Casa de Misericórdia, a mãe Ideslaine sentiu a dificuldade de ser tratada com misericórdia, pois não tinha leito disponível no hospital. Ficou aguardando no corredor até ser encaminhada à maternidade quando já não mais agüentava tanta dor. O serviço de atendimento preliminar da Santa Casa (nada santo!) havia proposto uma consulta ou o retorno para a casa, mas dona Célia, avó de Isaac e acompanhante da mãe, reivindicou e brigou para que a parturiente fosse atendida, pois corria o risco da criança nascer na fila de espera. Isaac já não podia esperar mais! Exigia o direito de nascer. “Nasceu Isaac!”, um choro anunciou. Alegria irrompeu no coração da família e de toda a vizinhança. Isaac veio reivindicar o direito de morar em paz com sua família e com as famílias da comunidade onde vive. Deseja crescer em graça e sabedoria como cresceu o menino de Nazaré, filho de Deus.
Este novo dandarense, filho de Deus, pede aos tribunais e a cada desembargador/a que os compõem, que embora não o conheçam pessoalmente, lembrem que ele, juntamente com tantas outras crianças que estão no chão de Dandara e suas vidas dependem da interpretação que eles/as darão às leis e das decisões por eles/as tomadas. Sua mãe Ideslaine sabe muito bem que nem a Constituição do Brasil e nem a Constituição do povo de Deus, a Bíblia, defendem o direito absoluto à propriedade, mas que o direito à moradia e à dignidade humana deve prevalecer em casos como o da Comunidade Dandara.
Isaac Victor, você chegou! Só podia ser Isaac, que significa “Deus se lembrou” e Victor, “vitorioso”. Diz a sabedoria popular que toda vez que nasce uma criança, Deus nos visita e revela sua proximidade com a humanidade.
Você, Isaac, trouxe esperança e alegria! Você, Isaac, é para a Comunidade Dandara mais um arco-íris, um sinal da aliança de Deus com a luta do seu povo pela construção de uma sociedade justa, solidária e sustentável ecologicamente.
Isaac, você é o mais novo dandarense. Bem-vindo a esta comunidade que te acolhe, a esta terra que também é tua mãe! Vem somar conosco na luta e crescer entre nós. Na simplicidade de uma criança recém-nascida que abre os olhos claros e parece ver todo “o entorno que te cerca” e na força da vida que brota em/de te escutamos a mensagem que trazes anunciando, profeticamente, que a terra sagrada onde hoje está situada a Comunidade Dandara é do povo que nela habita. Ai das autoridades e poderosos que tentarem expulsar Isaac e tantas crianças filhas de Dandara!
A terra de Dandara, hoje, cumpre sua função social! Está planejada com aproveitamento racional e adequado, nos termos da legislação urbana. Os bens naturais ali existentes estão utilizados de forma adequada com preservação do meio ambiente. A terra de Dandara favorece o bem estar dos moradores e dos trabalhadores/as que ali residem. (Isso é o que está no art. 186 da Constituição brasileira de 1988. Logo, Isaac nasce numa família que luta para que a Constituição deixe de ser letra morta e se torne chão da vida do povo).
Por isso, Isaac, são muitas as crianças que te esperam para correr e brincar pelas ruas desta Comunidade. Andar de bicicleta pela Avenida Dandara, passear nas ruas Chico Mendes e Irmã Dorothy. Visitar as crianças das ruas Pedro Pedreiro e Dona Maria Diarista. Ir com sua mãe visitar as companheiras que moram nas ruas Estefânia e Beatriz, crianças que tiveram suas vidas amputadas bem antes da hora. Soltar papagaio e passear pelas hortas comunitárias... Brincar de roda com tantas crianças que te esperam e cantar, enquanto brinca e cresce, a justiça e a dignidade, fruto da luta e das consciências marcadas pela humanidade das leis e dos princípios fundamentais da administração pública.
Sua chegada transforma nossa história em natal e pentecostes. Anuncia que Deus nasce outra vez em nosso meio e que está conosco na hora da paixão e da morte, presente também na luta. Mas você anuncia, sobretudo, que haveremos de ressuscitar na força do sopro divino que habita neste acampamento e em todas as pessoas que aderem esta luta digna e legítima por direitos humanos. Isaac, em você e em todas as crianças de Dandara sentimos a ternura de Deus em nosso meio.
Belo Horizonte, 27/05/2010.
Encontramos uma sagrada família, a qual José tem o nome de Zezinho, Maria tem o nome de Ideslaine, e Jesus tem o nome de Isaac Victor, o recém nascido que tem uma irmãzinha chamada Iasmin Victória.
Mais um dandarense nasceu! Chegou como uma estrela, um sinal de esperança. Traz uma mensagem em tempos de julgamento de Dandara na Corte Superior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Chegou para anunciar a todo o povo, como o menino de Belém, que o seu Deus está ao lado e dentro da luta das 887 famílias empobrecidas que desde a quinta-feira da Semana Santa do ano passado estão construindo suas casas e construindo um novo jeito de viver, mais solidário, cristão e socialista.
Veio somar com um grande número de crianças que nasceram na Comunidade Dandara em um ano de caminhada e com tantas outras que lá moram e vieram de muitas exclusões onde a vida e a dignidade estavam extremamente ameaçadas pelo risco da área onde viviam ou pela tortura mensal do aluguel.
Esta criança que nasceu foi gerada no ventre de uma jovem mulher aguerrida e lutadora que ao receber a notícia da gravidez, embora em situação de acampada em um barraco de lona, a acolheu como bênção de Deus. Tinha a clara consciência de que em seu ventre carregava um “messias”, alguém que chega para continuar a luta dos pobres contra as injustiças sociais e a defesa da vida. Por isso, esta jovem, durante a gravidez, muitas vezes, como Maria, a mãe de Jesus, em sua militância cantou o “magnificat”, na certeza de que o seu Deus derruba do trono os poderosos e eleva os humildes. Com uma barriga enorme, já quase na hora de dar à luz Isaac, participou da Marcha pela paz e contra os despejos, participou das lutas na comunidade e até acampou na Praça 7 de setembro, marco zero de Belo Horizonte. Ajudou a “atrapalhar” o trânsito, reivindicando “um lugar”, não só para o seu filho, mas para o povo sofrido e injustiçado da capital mineira que tem a liberdade apenas como nome de uma praça, onde nem o Governador quis lá permanecer, preferindo construir uma Cidade Administrativa faraônica e desde ali exercer a administração do estado.
Enquanto a irmãzinha engatinhava pelo chão do barracão e aprendia a dar os primeiros passos, Isaac Victor ia crescendo no ventre de Ideslaine. Junto à mãe, o pai Zezinho, com muita luta, ia colocando o tijolo de cada dia nas paredes da pequena casa. Isaac nasceu e ainda tem muito por se fazer na casa, mas o espaço que o acolheu tem a cor da esperança da casa própria e um quintal com verduras e flores onde as crianças podem exercer o sagrado “direito de ser criança” e viver em paz. “Este chão foi Deus quem nos deu!” repetem Zezinho e Ideslaine, com confiança. Iasmin e Isaac são dádivas dadas por Deus para viverem neste sagrado chão, que é a Comunidade Dandara, construída sobre uma propriedade que não cumpria a função social.
A “história” do menino de Belém já se repetiu muitas vezes em Dandara. No caso de Isaac, sua mãe sentiu as dores do parto na madrugada de sábado, dia 15 de maio de 2010. De ônibus coletivo seguiu para o hospital. A bolsa se rompeu no caminho e - tendo que pegar um segundo ônibus, mas sem forças para isto - foi acudida por um taxista “bom samaritano” que passou, viu uma mãe negra em dores de parto, teve compaixão, parou e ofereceu carona. Ao chegar à Santa Casa de Misericórdia, a mãe Ideslaine sentiu a dificuldade de ser tratada com misericórdia, pois não tinha leito disponível no hospital. Ficou aguardando no corredor até ser encaminhada à maternidade quando já não mais agüentava tanta dor. O serviço de atendimento preliminar da Santa Casa (nada santo!) havia proposto uma consulta ou o retorno para a casa, mas dona Célia, avó de Isaac e acompanhante da mãe, reivindicou e brigou para que a parturiente fosse atendida, pois corria o risco da criança nascer na fila de espera. Isaac já não podia esperar mais! Exigia o direito de nascer. “Nasceu Isaac!”, um choro anunciou. Alegria irrompeu no coração da família e de toda a vizinhança. Isaac veio reivindicar o direito de morar em paz com sua família e com as famílias da comunidade onde vive. Deseja crescer em graça e sabedoria como cresceu o menino de Nazaré, filho de Deus.
Este novo dandarense, filho de Deus, pede aos tribunais e a cada desembargador/a que os compõem, que embora não o conheçam pessoalmente, lembrem que ele, juntamente com tantas outras crianças que estão no chão de Dandara e suas vidas dependem da interpretação que eles/as darão às leis e das decisões por eles/as tomadas. Sua mãe Ideslaine sabe muito bem que nem a Constituição do Brasil e nem a Constituição do povo de Deus, a Bíblia, defendem o direito absoluto à propriedade, mas que o direito à moradia e à dignidade humana deve prevalecer em casos como o da Comunidade Dandara.
Isaac Victor, você chegou! Só podia ser Isaac, que significa “Deus se lembrou” e Victor, “vitorioso”. Diz a sabedoria popular que toda vez que nasce uma criança, Deus nos visita e revela sua proximidade com a humanidade.
Você, Isaac, trouxe esperança e alegria! Você, Isaac, é para a Comunidade Dandara mais um arco-íris, um sinal da aliança de Deus com a luta do seu povo pela construção de uma sociedade justa, solidária e sustentável ecologicamente.
Isaac, você é o mais novo dandarense. Bem-vindo a esta comunidade que te acolhe, a esta terra que também é tua mãe! Vem somar conosco na luta e crescer entre nós. Na simplicidade de uma criança recém-nascida que abre os olhos claros e parece ver todo “o entorno que te cerca” e na força da vida que brota em/de te escutamos a mensagem que trazes anunciando, profeticamente, que a terra sagrada onde hoje está situada a Comunidade Dandara é do povo que nela habita. Ai das autoridades e poderosos que tentarem expulsar Isaac e tantas crianças filhas de Dandara!
A terra de Dandara, hoje, cumpre sua função social! Está planejada com aproveitamento racional e adequado, nos termos da legislação urbana. Os bens naturais ali existentes estão utilizados de forma adequada com preservação do meio ambiente. A terra de Dandara favorece o bem estar dos moradores e dos trabalhadores/as que ali residem. (Isso é o que está no art. 186 da Constituição brasileira de 1988. Logo, Isaac nasce numa família que luta para que a Constituição deixe de ser letra morta e se torne chão da vida do povo).
Por isso, Isaac, são muitas as crianças que te esperam para correr e brincar pelas ruas desta Comunidade. Andar de bicicleta pela Avenida Dandara, passear nas ruas Chico Mendes e Irmã Dorothy. Visitar as crianças das ruas Pedro Pedreiro e Dona Maria Diarista. Ir com sua mãe visitar as companheiras que moram nas ruas Estefânia e Beatriz, crianças que tiveram suas vidas amputadas bem antes da hora. Soltar papagaio e passear pelas hortas comunitárias... Brincar de roda com tantas crianças que te esperam e cantar, enquanto brinca e cresce, a justiça e a dignidade, fruto da luta e das consciências marcadas pela humanidade das leis e dos princípios fundamentais da administração pública.
Sua chegada transforma nossa história em natal e pentecostes. Anuncia que Deus nasce outra vez em nosso meio e que está conosco na hora da paixão e da morte, presente também na luta. Mas você anuncia, sobretudo, que haveremos de ressuscitar na força do sopro divino que habita neste acampamento e em todas as pessoas que aderem esta luta digna e legítima por direitos humanos. Isaac, em você e em todas as crianças de Dandara sentimos a ternura de Deus em nosso meio.
Belo Horizonte, 27/05/2010.
Maria do Rosário de Oliveira[1] e Gilvander Moreira[2]
[1] Irmã da Congregação das Filhas de Jesus; advogada da RENAP – Rede Nacional de Advogados Populares; e-mail: rosariofi2000@yahoo.com.br
[2] Frei Carmelita, mestre em Exegese Bíblica; professor de Teologia Bíblica; assessor da CPT, CEBs, SAB e Via Campesina; E-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br – www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis