Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Um sonho diante da dura realidade

Pe Ivaldir Camaroti
Pe Ari Antônio dos Reis

Os meios de comunicação noticiaram nesta semana, em alguns de seus tele-jornais e na imprensa escrita, o assassinato do estudante de biomedicina Alcides do Nascimento Lins, de 22 anos, na madrugada do sábado (6) de fevereiro, em frente a sua residência. Alcides morava na zona Norte de Recife. Negro, filho de empregada doméstica, é um daqueles raros casos de jovens da sua condição social que consegue entrar em uma universidade pública, num dos cursos mais concorridos. A sua aprovação foi também noticiada pela imprensa.

Alguém poderia dizer que fora coincidência o mesmo jovem sobre quem a TV Globo noticiou, quando havia passado no vestibular, agora estar em rede nacional como vítima de um crime estúpido. Num país aonde a população afro-descendente chega a 50%, não deveria ser motivo de notícia nacional a entrada de um jovem negro no curso de biomedicina.

As estatísticas demonstram que o índice de jovens negros assassinados no Brasil é muito alta, na proporção de três por um, em relação aos jovens brancos. Contudo, a imprensa dificilmente aborda este assunto. A mortalidade de jovens negros pode ser compreendida como “normalidade”. Alcides morreu porque era um negro, pobre, filho de empregada doméstica, condição de muitos jovens afro-brasileiros. Morava em um bairro marcado pela violência, consumo e tráfico de drogas.

Sonhava com uma vida melhor. O curso universitário poderia ajudar a concretizar este sonho. Muitos jovens sonham todos os dias com a possibilidade de freqüentar uma universidade, realidade que vem mudando, favorecidas, pelo sistema de cotas. Alguns pensam que as cotas não sejam a melhor forma de ingressar na universidade. Afirmam que o estudante tem que entram por méritos próprios, o que, no Brasil, poder ser traduzido por “condições financeiras de pagar uma escola particular de boa qualidade ou um curso pré-vestibular”. Não compreendemos isto por mérito. Outros não querem perder a chance de continuar garantindo a Universidade pública apenas para os brancos e “bem nascidos”.

Porém, o que se pode constatar é que, mesmo cursando biomedicina por seu esforço, e de sua mãe, Alcides trazia na cor da pele a marca histórica da sua condição social. Morando num bairro pobre, de família humilde, como alguns outros raros casos, seu curso mudaria sua vida, mas não a visão preconceituosa de uma sociedade que se nega enxergar as vítimas do sistema escravocrata.

Esse caso reforça a idéia de que as cotas, mesmo não sendo o modelo ideal, constituem um instrumento para corrigir a deformação educacional no nosso país, quando pensamos a situação dos jovens afro-brasileiros. As últimas avaliações afirmam que os jovens que entraram nas universidades, via sistema de cotas, imprimiram uma qualificação significativa nos processos de ensino e contribuíram para dar aos Campi Universitários o rosto real do Brasil, ou seja, um rosto negro.

A comoção tomou conta dos colegas, professores e reitor da Universidade. Eles acompanharam de perto a luta daquele jovem, porém, é preciso que as universidades criem possibilidades do ingresso universitário aos milhões de jovens que estão às suas portas e que não conseguirão fazer parte desse grupo seleto, se essa abertura não ocorrer através de cotas ou outras formas de reparação da dívida do nosso país com os afro-descendentes.

Temos pela frente, dentre tantos desafios, a tarefa de gritar contra a violência que atinge a juventude, especialmente os jovens negros. Temos também a tarefa de lutar pelo acesso democrático ao Ensino Universitário público gratuito.