O anúncio, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dos projetos para a exploração do chamado petróleo "pré-sal" pode ser visto como mais um capítulo de um fenômeno claramente perceptível no mundo de hoje: a volta do Estado. O governo Lula quer o Estado brasileiro, por meio da Petrobras, soberano na exploração dessa nova riqueza nacional, muito diferente do que defendia a estratégia tucana para o setor nos tempos de FHC.
Logicamente, o Estado nunca foi embora, especialmente no Brasil, onde seus tentáculos, tamanho e inoperância na solução de problemas do país são fontes de críticas desde a independência do país. Mas, diante dos erros, exageros e ilusões do neo-liberalismo, com as recentes consequências nefastas nos quatro cantos do planeta, o Estado recuperou boa parte de sua credibilidade como motor de desenvolvimento econômico e provedor de soluções para os desafios da humanidade.
Aqui na Europa, o debate continua em torno de que modelo de capitalismo prevalecerá nos próximos dez, 20 ou 30 anos. A versão mais liberal, anglo-saxã, que desde os anos 80 dava aos Estados Unidos e à Grã-Bretanha uma sensação de vitória na batalha econômica mundial, perdeu força. O discurso de nações como França e Alemanha, a favor de uma maior regulamentação dos mercados financeiros e mais força do Estado na condução das economias nacionais, vem tomando a dianteira. No Japão, a derrota do antes invencíveis conservadores nas eleições palamentares indica uma guinada histórica, com o futuro premiê Yukio Hatoyama prometendo aumentar gastos do Estado nas áreas sociais. O campo vitorioso na política japonesa fala em se distanciar politicamente dos Estados Unidos e promete um Estado ativo na missão de tirar o país do atoleiro econômico, mesmo diante de uma dívida pública já estratosférica.
Aqui na Grã-Bretanha, o premiê trabalhista, Gordon Brown, corre sério risco de perder o emprego nas eleições do ano que vem. Não devido às suas históricas credenciais de centro-esquerda, mas por ter liderado o namoro do seu partido com o grande capital por mais de uma década e, com isso, ter sido responsabilizado pela grave crise econômica que assola o país. Os conservadores, que nos tempos de Margaret Thatcher ajudaram a estabelecer o capitalismo financeiro como modelo mais bem-sucedido no mundo, agora criticam abertamente a cultura dos bônus milionários para banqueiros. Também juram de pés juntos que vão fortalecer o sistema estatal de saúde britânico, caso vençam as eleições a serem marcadas para breve, como vêm indicando as pesquisas de opinião. Não ousam mais defender um Estado mínimo, discurso que lançaram nos anos 70 e 80. Falam apenas em Estado eficiente e austero.
Em outubro, no auge do processo de semi-estatização do setor bancário britânico, a super liberal revista The Economist analisou a crise do capitalismo, dizendo que torcia para que o mundo não abandonasse o que chamou de "liberdade econômica". O capitalismo havia errado, dizia o editorial, mas também continuava acertando. Mais recentemente, em julho, a revista disse que a crise não questionava apenas o futuro do capitalismo, mas a credibilidade das ciências econômicas. Em reportagem de capa, a publicação afirmou que tanto a macroeconomia como a economia financeira saem desacreditadas da crise e precisam de uma reinvenção. A publicação não abraçou a tese de que o mundo voltará a uma era do Estado forte, como sugeriu o presidente Lula em sua fala sobre o petróleo. A Economist apenas crê na necessidade de uma reinterpretação do capitalismo moderno.
Num futuro próximo devemos conhecer melhor a estrada em que estamos, pois é provável que o mundo já esteja a caminho do fim da crise. Um economista do FMI acaba de dizer que o órgão deve rever para cima sua estimativa de crescimento global para 2010, de 2,5% para quase 3%. O responsável pela recuperação? Para o horror de neo-liberais convictos, o salvador de pátrias mundo afora ainda será o dinheiro público. Segundo o The Wall Street Journal, o economista, Jörg Decressin, disse que em algum momento o setor privado terá de retomar a dianteira, mas sem arriscar quando. Até lá, o Estado segue mais forte e com mais credibilidade do que jamais teve nas últimas décadas. Resta saber se, para o bem ou para o mal, também o futuro ao Estado pertence.
Artigo tirado de um blog no BBc Brazil