Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

quinta-feira, 14 de maio de 2009

QUERO SER ESCRAVO*

Diante da comemoração do dia da abolição da escravatura, realizada em 13 de maio 1888, pela Princesa Isabel e o Conselheiro Rodrigo Augusto da Silva, com a assinatura da lei áurea, pensei que essa data pudesse despertar, em todos nós, um reconhecimento, pelo direito à liberdade, mas principalmente nossa gratidão e pedido de perdão pelos milhares de escravos que derramaram o próprio sangue no trabalho forçado, em nosso país. Sei que ainda tem muitos, não só negros, vivendo em situação deprimente para arranjar riqueza para patrões ambiciosos. A escravidão não terminou, pelo contrário, é o grande desafio da sociedade moderna, fazer com que todos “ganhem o pão com o suor do próprio rosto”, com dignidade.

Hoje, constatamos uma série de novas escravidões que vai além do trabalho braçal. A técnica, os avanços da informática, os novos e modernos meios de comunicação social, como a internet, são sinais de progresso, de modernização cuja finalidade é aproximar pessoas, construir valores, criar relacionamentos verdadeiros. Ao mesmo tempo, gerou uma mentalidade que está cravada na mente e no coração desde os mais pequenos e humildes, de consumo desenfreado e absurdo. Somos hoje, escravos do celular, carregando até nos momentos mais sagrados, nos templos de oração, obrigando expor avisos de “desligue o celular por favor aqui é lugar de oração”.

Outra escravidão é a da internet, que trás mil e uma vantagem, mas que mal usada, cria dependência e escraviza de tal forma, que já não se dialoga mais com os da aldeia e sim com os da “aldeia global” . Os amigos já não são mais os pais ou os filhos, já não importa quem está ao lado e se dele precisar é para o estritamente necessário. As relações são frias e formais, não tem espaço para o afeto e o calor humano que forma a mente e o coração de quem ama e ensina a amar. Escravos porque queremos ser livres, livres para fazer o que mais convém ou para ser perfeitos à imagem e semelhança de quem nos criou? As coisas de Deus, nunca podem ocupar o lugar do Deus das coisas. Tudo tem como finalidade promover a dignidade de todos e Glória do Pai Deus.

Criados como seres livres e para a liberdade, nos sentimos escravizados pelo relógio que corre contra o tempo, pela agenda que transborda de compromissos, pelos desejos que se somam intermitentemente numa corrente sem fim, pela vontade de querer fazer tudo e mais um pouco, dentro do menor tempo possível. Assim, dominados pelas exigências da vida moderna, sentimos a necessidade de sermos escravos, não das coisas e dos desejos, mas sim dos deveres e dos direitos de ser gente capaz de trabalhar com dignidade, de cultivar auto-estima acreditando nos próprios talentos, o gosto de viver e defender a vida, de ter tempo para trocar idéias e criar relações de amizades que perduram,de ter um tempo para orar e medir com o criador a força da perseverança.

Esse é um tempo de nos deixar escravizar pela prática do bem e da verdade, pela busca incansável de justiça e de paz, pela capacidade de dialogar com o outro e com o totalmente outro. Esse é um tempo que jamais se repetirá em nossas vidas, seremos gente livre e com força de libertar quando formos escravos do amor a nós mesmos, para poder amar o outro, garantindo assim o maior amor ao Pai Deus. Quem sabe poderemos repetir como a menina de Nazaré: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua Palavra”(Lc 1,38).

*Dom Anuar Battisti
Arcebispo de Maringá