Leonardo Boff escreveu sobre as várias dimensões do saber cuidar, em SABER CUIDAR – Ética do humano – Compaixão pela Terra (Ed. Vozes, 2003, 9ª edição).
Cuidado com o nosso único planeta: “Cuidado todo especial merece nosso planeta Terra. Temos unicamente ele para viver e morar. É um sistema de sistemas e superorg anismo de complexo equilíbrio, urdido ao longo de milhões e milhões de anos. Por causa do assalto predador do processo industrialista dos últimos séculos, esse equilíbrio está prestes a romper-se em cadeia. O cuidado essencial é a ética de um planeta sustentável.”
Cuidado com o próprio nicho ecológico: “O cuidado com a Terra representa o global. O cuidado com o próprio nicho ecológico representa o local. O ser humano tem os pés no chão (local) e a cabeça aberta para o infinito (global). O coração une chão e infinito, abismo e estrelas, local e global. Esse cuidado com o nicho ecológico só será efetivo se houver um processo coletivo de educação, em que a maioria participe, tenha acesso a informações e faça troca de saberes.”
Cuidado com uma sociedade sustentável: “Atualmente quase todas as sociedades estão enfermas. Sustentável é a sociedade ou o planeta que produz o suficiente para si e para os seres dos ecossistemas onde ela se situa; que toma da natureza somente o que ela pode repor; que mostra um sentido de solidariedade generacional, ao preservar para as sociedades futuras os recursos naturais de que elas precisarão.”
Cuidado com o outro, ‘animus e anima’: “Cuidar do outro é zelar para que esta dialogação, esta ação de diálogo eu-tu seja libertadora, sinergética e construtora de aliança perene de paz e de amorização. O outro se dá sempre sob forma de homem e de mulher. São diferentes mas se encontram no mesmo chão comum da humanidade.”
Cuidado com os pobres, oprimidos e excluídos: “Nada agride mais o modo-de-ser-cuidado do que a crueldade para com os próprios semelhantes. A libertação dos oprimidos deverá provir deles próprios, na medida em que se conscientizam da injustiça de sua situação, se organizam entre si e começam com práticas que visam transformar estruturalmente as relações soci ais iníquas. O compromisso dos oprimidos e de seus aliados por um novo tipo de sociedade, na qual se supera a exploração do ser humano e a espoliação da Terra, revela a força política da dimensão-cuidado.”
Cuidado com nosso corpo na saúde e na doença: “Corpo é um ecossistema vivo que se articula com outros sistemas mais abrangentes. Cuidar de nosso corpo implica cuidar da vida que o anima, cuidar do conjunto das relações com a realidade circundante, relações essas que passam pela higiene, pela alimentação, pelo ar que respiramos, pela forma que nos vestimos, pela maneira como organizamos nossa casa e nos situamos dentro de um determinado espaço ecológico.”
Cuidado com a cura integral do ser humano: “A cura acontece quando se cria um novo equilíbrio humano. Cuidar de nossa saúde significa manter nossa visão integral, buscando um equilíbrio sempre por construir entre o corpo, a mente e o espírito e convocar o médico (co rpo), o terapeuta (mente) e o sacerdote (o espírito) para trabalharem juntos visando a totalidade do ser humano.”
Cuidado com a nossa alma, os anjos e os demÃ?nios interiores: “Eis um desafio ingente: o de cuidar de nossa alma inteira. Cuidar dos sentimentos, dos sonhos, dos desejos, das paixões contraditórias, do imaginário, das visões e utopias que guardamos escondidas dentro do coração.”
Cuidado com o nosso espírito, os grandes sonhos e Deus: “O ser humano chama essa suprema Realidade com mil nomes ou simplesmente dá-lhe o nome de Deus. O ser humano pode cultivar o espaço do Divino, abrir-se ao diálogo com Deus, confiar a ele o destino da vida e encontrar nele o sentido da morte. Surge então a espiritualidade que dá origem às religiões. Elas expressam o encontro com Deus nos códigos das diferentes culturas. Cuidar do espírito significa cuidar dos valores que dão rumo à nossa vida e das significações que geram esperança para além de nossa morte.”
Cuidado com a grande travessia, a morte: “Na morte se dá, então, o verdadeiro nascimento do ser humano. Nessa perspectiva não vivemos para morrer. Morremos para ressuscitar, para viver mais e melhor. A morte significa a metamorfose para esse novo modo de ser em plenitude. Cuidar de nossa grande travessia é internalizar uma compreensão esperançosa da morte.”