O Consenso de Washington foi a denominação de uma articulação para implantar o neoliberalismo de maneira ordenada nos diversos países. Em novembro de 1989, pela primeira vez na história, reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionários do governo daquele país e dos organismos financeiros internacionais especializados em assuntos latino-americanos - FMI, Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
O objetivo do encontro era fazer uma avaliação das políticas econômicas implantadas até então. Para relatar as experiências locais, também participaram do evento diversos economistas latino-americanos. As conclusões desta reunião dar-se-ia, posteriormente, o nome informal de Consenso de Washington (BATISTA, 1994: 10). A novidade era o consenso estabelecido entre as diversas fontes do ideário neoliberal. As políticas recomendadas por aquelas agências e organismos internacionais seriam finalmente unificadas. A mensagem seria transmitida de forma mais vigorosa e seria absorvida pela maior parcela da elite econômica e intelectual da região como sinônimo de modernidade.
John Willianson, economista inglês e diretor do instituto promotor do
encontro, foi quem alinhavou os dez pontos tidos como consensuais entre os
participantes. E quem cunhou a expressão ‘Consenso de Washington’, através da
qual ficaram conhecidas as conclusões daquele encontro, ao final resumidas nas
seguintes regras universais: Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve
limitar seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público; Focalização dos
gastos públicos em educação, saúde e infra-estrutura; Reforma tributária que
amplie a base sobre a qual incide a carga tributária, com maior peso nos
impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos; Liberalização
financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras
internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado
do setor; Taxa de câmbio competitiva; Liberalização do comércio exterior, com
redução de alíquotas de importação e estímulos à exportação, visando a
impulsionar a globalização da economia; Eliminação de restrições ao capital
externo, permitindo investimento direto estrangeiro; Privatização, com a venda
de empresas estatais; Desregulação, com redução da legislação de controle do
processo econômico e das relações trabalhistas; e Propriedade intelectual
(NEGRÃO, 1998: 41-42).
O receituário do FMI, dali em diante, deveria fazer parte do discurso das elites dos países periféricos, como se fosse de sua iniciativa e de interesse do seu povo.
As reformas comerciais liberalizantes, recomendadas pelo Banco Mundial, deveriam ser postas em prática em troca da continuidade de financiamento para obras sociais. Elas foram fielmente encampadas pelo governo Collor e fizeram parte do elenco de reformas constitucionais defendidas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso para viabilizar o seu plano de estabilização econômica, o Plano Real.
No plano ideológico da propaganda, as elites dos países latino-americanos perceberam que a raiz de seus problemas não era mais a dependência externa e o alto grau de endividamento, os juros extorsivos, a deterioração dos preços de seus produtos no mercado internacional, oligopolizado pelas grandes corporações e, sim, fatores internos. Desta maneira, a solução seria a aplicação das reformas neoliberais e uma conseqüente abertura total das portas e dos portos, como se houvesse uma transfusão de capitais para revitalizar economias. O que ocorreu na prática foi a entrada de capital especulativo e uma maior exploração dos trabalhadores.
De acordo com Ivo Lesbaupin,
[...] um dos meios que estão sendo utilizados nesta campanha neoliberal é
procurar convencer a todos que a política que está sendo implementada (o
neoliberalismo), é a única possível na atual situação do mundo, é a única saída
que a economia mundial nos permite (LESBAUPIN, 1996: 126).
O individualismo, a dificuldade de organização e articulação dos movimentos e partidos populares, o descrédito com a maioria dos partidos políticos, a cultura do lucro e da pós-modernidade, entre outros aspectos, facilitam e dão sustentação para que o neoliberalismo se implante.
Na verdade, o Consenso de Washington representou, no contexto da América Latina, o mesmo movimento de contra-ataque dos capitalistas, em relação às conquistas dos trabalhadores a partir da resistência e da organização de movimentos populares, como, por exemplo, as greves dos metalúrgicos do ABC e o Movimento dos Sem-Terra, no Brasil.
É desnecessário afirmar que aqui o pano de fundo é outro; que existem, quando muito, arremedos de Estados de Bem-Estar e que a democracia, a muito custo, tenta fazer sua reentrada num continente marcado por sucessivos períodos de ditaduras declaradas ou disfarçadas, civis ou militares (com preponderância das últimas).
Trata-se de uma doutrina que acredita ser hegemônica e que podia ter alcançado êxito político e ideológico, mas fracassou no plano econômico e alcançou êxito social ao implantar os programas de incentivo à desigualdade. E a questão que devemos repensar neste século XXI é o porquê o neoliberalismo continua encontrando legitimação no regime democrático?
Contudo, vivemos tempos de crise financeira que se aproxima da catástrofe econômica de 1929. Estamos assistindo o fim do neoliberalismo. Os Estados Unidos da América estão passando por uma profunda crise econômica e porque não dizer também que se trata de uma crise moral, pois o consumismo vem sendo afetado profundamente.
O mundo clama por outra sociedade, outro mundo possível. O mercado que durante décadas apresentou uma plataforma de descarte do Estado, hoje pede clemência exatamente ao objeto descartável, o Estado que era omisso, ineficiente, irresponsável. Por outro lado, poderíamos perguntar: alguém está lucrando com a crise? Com certeza existem especuladores de plantão que estão enriquecendo suas fortunas diante dessa crise. Alguns analistas dizem que mais de 30 trilhões sumiram da economia mundial. Para onde foram? Por acaso evaporou-se? Com certeza, em algum lugar se encontra. Ao invés de socorrer estes empresários, talvez tenha chegado o momento do Estado e dos governos começarem a projetar novas alternativas de sociedade, investindo na promoção da igualdade entre os povos.
Com 400 bilhões de dólares poderíamos solucionar o problema da fome na África. Com 1 trilhão de dólares poderíamos solucionar todos os problemas da crise ecológica que nos ameaça com o aquecimento global. Mas, parece-me que a questão é realmente vontade política de fazer, de resolver problemas humanos. Ainda existem países como os Estados Unidos e o próprio Brasil que preferem fortalecer o mercado. Os Estados Unidos parece não querer perder o discurso de endeusamento do mercado. O Brasil parece, por outro lado, retomar a lógica também liberal-burguesa de implantação de um Estado de Bem-Estar Social negado pelos neoliberais.
Penso que seja um momento propício para enterrar o discurso econômico de Hayek e Friedman e do próprio Consenso de Washington. Contudo, não acredito que o retorno ao Estado de Bem-Estar social seja a melhor saída, pois poderemos ainda manter uma porta aberta para que o neoliberalismo possa retornar. A melhor saída seria realmente pensarmos na construção de uma alternativa socialista. Um Estado Socialista que colocasse a sociedade civil e os movimentos sociais como protagonistas de direitos e que acontecesse a equitativa redistribuição de renda e bens, pois o que existe no Estado de Direito é uma hipocrisia jurídica que legitima a desigualdade social e amplia a distancia entre os direitos dos ricos e os direitos dos pobres. No entanto, já podemos afirmar que o velório do neoliberalismo está anunciado... Resta saber o que faremos após na sociedade pós-neoliberal.
Referências Bibliográficas
BATISTA, P. N. O Consenso de Washington. 2ª edição. São Paulo: PEDEX, 1994.
BATISTA, P. N. O Consenso de Washington. 2ª edição. São Paulo: PEDEX, 1994.
LESBAUPIN, I. et al. Como entender a conjuntura atual. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
NEGRÃO, J. J. Para conhecer o Neoliberalismo. São Paulo: Publisher Brasil, 1998.
Claudemiro Godoy do Nascimento
Filósofo e Teólogo. Mestre em Educação/Unicamp. Doutorando em Educação/UnB. Professor da Universidade Federal do Tocantins – UFT/Campus de Arraias.
Filósofo e Teólogo. Mestre em Educação/Unicamp. Doutorando em Educação/UnB. Professor da Universidade Federal do Tocantins – UFT/Campus de Arraias.