Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Carta de Pe João Caruana a CNBB

Paróquia São Silvestre I Papa
Arquidiocese de Maringá
Rua Soldado Adivaldo L.da Silva 634
Jardim São Silvestres 87055-310
Maringá – Paraná
12 de Fevereiro 2008

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Secretário-Geral
Dom Dimas Lara Barbosa
Brasília

Prezado Excelentíssimo Secretário Dom Dimas,

Como deve ser do seu conhecimento Padre João Maria Cauchi da Arquidiocese de João Pessoa Paraíba, é Coordenador da Comissão Pastoral da Terra Paraibana e juntos com os seus colegas são responsáveis pelo o assentamento de umas 6000 (seis mil) famílias, através de uma perseverança na luta que não e´ comum, durante todos estes anos!

Devido a esse resultado fenomenal, ele está sofrendo junto com uma parcela de camponeses aproximadamente 20 (vinte) processos! Na verdade não e´ de se surpreender, sabendo contra quem a CPT de Paraíba, coordenada por Pe. João Maria Cauchi vem lutando – o latifundiário paraibano!

Do outro lado sabemos a mística, que sem duvida orientou o Pe. João Maria Cauchi toda a vida sacerdotal desde que ele chegou no Nordeste uns 45 anos atrás ainda como seminarista! Ele cresceu imbuído com o ensino do Concilio Vaticano II que no documento “Gaudium et Spes” de 7 de dezembro de 1965, no momento em que Pe. João Maria Cauchi estudava a teologia, no parágrafo 71 do documento conciliar: Acesso á Propriedade e ao Domínio Particular dos Bens. Os Latifúndios, ensina “em muitas regiões economicamente menos desenvolvidas existem grandes ou também extensíssimas propriedades rurais, pouco cultivadas, ou sem cultura alguma á espera de valorização enquanto a maior parte do povo não tem terra ou dispões somente de parcelas mínimas, e, por outra parte, o desenvolvimento da produção nos campos se apresenta de urgência evidente..........Não raro, os que são contratados pelos donos para o trabalho, ou que cultivam uma parte a titulo de locação, recebem somente um salário ou produção indignos do homem, são privados de habitação decente e são explorados pelos intermediários......vivem debaixo de tal servidão pessoal, que lhes é tirada quase toda a possibilidade de iniciativa e responsabilidade. Portanto, em vários casos, as reformas são necessárias para o crescimento das remunerações, o melhoramento das condições de trabalho, o aumento de segurança, no emprego, o incentivo á iniciativa de trabalho, e também, a distribuição das terras insuficientemente cultivadas com aqueles que consigam torná-las mais produtivas.”

Na verdade, lendo este parágrafo, não da para acreditar que se passaram 40 anos, e hoje como hoje, tudo ficou igual a descrição que o Concilio nós deu na época, com exceção nas regiões onde pessoas como Padre João Maria Cauchi dentro da igreja, e outros lideranças envolvidas em grupos sócias leigas mas também animados com este ensino, junto com outras analises que o mundo acadêmico mais progressista produziu, arrancaram as mangas e foram para a luta! Luta, que produziu até mártires como no caso de Irmã Dorothy!

Este ensino do Concilio Vaticano II foi depois desenvolvido com documentos bem conhecidos no Brasil e na América Latina afora, fruto de uma reflexão mais profunda da Palavra de Deus – tais como Medellín e Puebla. No parágrafo 1245 do documento da Puebla nós lemos: “Aos camponeses: vós sois uma força dinamizadora na construção duma sociedade mais participada. Advogando por vós , o Santo Padre dirigiu estas palavras aos setores do poder: Da vossa parte, responsáveis pelos povos, classes poderosas que mantendes por vezes improdutivas as terras que escondem o pão que falta a tantas famílias: a consciência humana, a consciência dos povos, o clamor do desvalido, e sobretudo a voz de Deus, a voz da Igreja vos repete comigo: não e´ justo, não e´ humano, não e´ cristão continuar com certas situações claramente injustas...Irmãos e filhos muito amados: trabalhai por vossa elevação humana”.
Temos outros documentos mais recentes da Santa Sé como aquele publicado em 1997 durante o pontificado do saudoso Papa João Paulo II pela Comissão Justiça e Paz intitulado “Para Uma Melhor Distribuição da Terra”.

Este documento, que se diz de passagem, ao meu ver não foi muito divulgado e estudado nas dioceses que eu conheço, mas que pessoas como Padre João Maria Cauchi sem duvida nenhuma, acharam nele mais uma confirmação da validade de tudo que eles vem fazendo!

No parágrafo 32 intitulado A Condenação do Latifúndio, este documento declara que “A doutrina social da Igreja, com base no princípio da subordinação da propriedade particular á destinação universal dos bens, analisa a modalidade de exercício do direito da propriedade da terra como espaço cultivável e condena o latifúndio como intrinsecamente ilegítimo”.
No parágrafo 44, discutindo as ocupações das terras, no mesmo momento em que o documento declara que a ocupação da terra “continua a ser um ato não conforme aos valores e ás regras de uma convivência verdadeiramente civil” declara também que a reforma agrária constitui “a única resposta concretamente eficaz e possível da lei ao problema da ocupação das terras”.

Ou seja a resposta dos governadores , secretários da segurança, promotoria, juizes e meios da comunicações não era pra ser de crimínalizar, intimidar ou perseguir esta liderança respeitada no Brasil e pelo mundo afora, mas sim, como uma minoria daqueles o fizeram, juntar as forças com estes lutadores e lutadoras contra os donos do latifúndio opressor, e fazer a reforma agrária acontecer!

Em fim este documento pontifício reivindica todo o trabalho de Pe. João Maria Cauchi quando ele declara solenemente: “Manifestação, muitas vezes, de situações intoleráveis e deploráveis no plano moral, a ocupação das terras e´ um sinal alarmante que exige a atuação, em nível social e político de soluções eficazes e justas. São, sobretudo, os Governos a ser interpelados, na sua vontade e determinação, a fim de fornecerem urgentemente estas soluções. O retardamento e adiamento da reforma agrária tiram toda a credibilidade ás suas ações de denuncia e de repressão da ocupação das terras”.

Agora, dizer que o seu colega está enfrentando 20 processos pode ser engolida como piada: “que absurdo!”Mas na verdade para aqueles que como ele devem responder a estes processos e´ um tormento, tendo de enfrentar acusações inventadas com juramentos de testemunhas equivocadas!

As duas vezes que eu o visitei com o único intuito de prestigiar-lo e mostrar apoio moral, presenciei duas audiências e tive condições de sentir o constrangimento que lideranças como Pe João Maria Cauchi passam. A secretária da CPT de Paraíba uma vez me disse por telefone: “Coitado Padre João Maria, na agenda dele tem mais audiências marcadas do que Missas!” Naquele momento eu reparei o sofrimento que este homem de Deus está enfrentando! E como ele, todos os lutadores pela reforma agrária dentro de movimentos sociais espalhados pelo Brasil afora, alguns deles eu conheço pessoalmente na minha região onde eu atuo como simpatizante.

Excelência, a razão de escrever para sua Excelência como Secretário da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que conhece de perto como ninguém neste pais o sofrimento dessas pessoas e a justa causa para a qual eles e elas lutam , será que não esteja na hora da CNBB, partindo do caso de Padre João Maria Cauchi encampar uma luta contra estes desmandos legais contra pessoas honestas que lutam pela construção de um mundo melhor plantando os valores de justiça e partilha do Reino de Deus em favor dos pobres e marginalizados do campo, pedindo o arquivamento ou cancelamento destes processos ? Estes lideres sociais que muito lutaram para o bem por aqueles camponeses que queriam terra para que nela trabalhar, merecem ter o mesmo direito que o saudoso Papa João Paulo II no “Laborens Exercens” reconhece aos trabalhadores e trabalhadoras e lideranças sindicais que lutam para os seus direitos na cidade, ou seja de fazer isto “sem terem de sofrer sanções penais pessoais”!

Acabar sendo condenado para a cadeia após ter dedicado a sua vida – sendo religioso ou leigo - para uma reforma que o mundo inteiro cobra do Brasil e praticando uma mística que o mesmo Magistério da Igreja pregou e prega, seria o absurdo do absurdo se isso acontecesse na Terra de Santa Cruz!

Que Nossa Senhora de Guadalupe que conhece bem o sofrimento dos povos mais sofridos na América Latina, que Nossa Senhora Aparecida padroeira do Brasil que na imagem que chegou até nós representa tão bem aqueles que tanto sofreram com a escravidão, e a Nossa Senhora “Ta Pinu” padroeira da diocese original de Padre João Maria na ilha de Gozo que plasmou nele ainda no seio de sua mãe este amor por Jesus que teve compaixão das multidões, a Igreja que durante os séculos no meio de muitas turbulências conservou sempre a opção dela pelos pobres a quem Pe. João Maria se dedicou de modo muito exemplar, ilumine os nossos passos!

Prezado Secretário me da a liberdade de enviar uma copia ao meu bispo Dom Anuar Battisti como e´ o meu costume, ao bispo de Padre João Maria Cauchi, ao bispo da diocese de Gozo terra natal de Padre João Maria Cauchi onde a família dele mora - inclusive o pai dele que recentemente celebrou 99 anos, - ao Núncio Apostólico por sendo este último representante do Papa com a Igreja no Brasil mas também com o Governo do Brasil, e se acho oportuno, a outras pessoas e movimentos com quem eu atuo. Obrigado!

Pe. João Caruana