Lucimar Moreira Bueno(Lucia) - www.lucimarbueno.blogspot.com

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Moto-homicidas

Motoristas bêbados matam tanto quanto os bandidos. Reclama-se da violência pensando apenas na praticada por gente que está na marginalidade, mas os números são duríssimos: as pessoas “de bem”, que têm carro, causam sofrimento igual a todos os malfeitores do Brasil juntos. São mais de 50 mil mortes por ano no trânsito e um número incerto de pessoas que ficam com lesões permanentes, inclusive paralisias parciais ou totais. Não é o trânsito que mata, são os motoristas.

As lesões físicas são mensuráveis em dinheiro. O custo do sistema público de saúde é imenso e pago por todos nós. Porém as lesões emocionais são muito mais duráveis e intensas. A tristeza não tem preço, nem cura. Uma viagem de família à praia ou uma ida ao parque podem transformar subitamente a vida de pessoas que estavam felizes e são lançadas no amargor da perda de parentes ou da destruição da saúde. Além disso, a amargura se aprofunda quando os moto-homicidas permanecem impunes. Não existe família brasileira livre desse sofrimento.

Os motoristas que mais machucam e matam têm perfil nítido: homens, jovens, sob o efeito de álcool ou outras drogas. Para reduzir drasticamente a tristeza se poderia impedir que os homens dirigissem antes dos 30 anos. Como essa tese é severa ao extremo, as tentativas governamentais têm sido na linha de punir quem dirige alcoolizado ou drogado e, com a Lei 1.1705/08, chegou-se à tolerância zero em relação à embriaguez ao volante. É verdade que o bafômetro não detecta maconha, cocaína, crack, ecstasy e será necessário inventar aparelho simples para perceber drogas não-etílicas. Neste momento se põem duas indagações: a lei está eticamente certa e será que vai pegar ou se tornará letra morta?

Argumenta-se que ao igualar todos a lei prejudica aqueles que bebem e mantêm os reflexos em bom estado. Ainda que essas diferenças pessoais sejam verdadeiras, deve-se sacrificar a segurança coletiva ou liberdade individual? Com certeza, nesse dilema ético a segurança deve ser eleita em detrimento da liberdade. É preferível que alguém de fígado mais resistente volte de ônibus para casa a que as vítimas não voltem. O sofrimento causado pela restrição à liberdade de dirigir levemente embriagado é muito menor que o das vítimas dos abusos da liberdade. É nessa ponderação dos danos que se fundamenta a escolha, o julgamento moral.

Do ponto de vista ético a lei não é rigorosa em excesso. Na verdade, ela é tardia e demorou-se tanto a adotá-la porque vivemos impregnados com a idéia individualista de que beber ou se drogar é assunto pessoal, que não interessa aos outros. Esse entendimento só faz sentido se a pessoa cuja consciência e freios inibitórios estão alterados estiver completamente reclusa, sem nenhuma possibilidade de causar dano aos outros; se exercer a liberdade sem causar sofrimento a outrem. Se houver perigo de dano, quem estiver na posição de eventual vítima tem direito a exigir segurança e limitação preventiva da liberdade do algoz. A tolerância zero é justa.

Ainda que faltem bafômetros, haja poucos policiais e a fiscalização seja deficiente, a lei permanece eticamente correta e a frouxidão moral com os bêbados e drogados ao volante deve mudar. Os costumes sociais são perniciosos e, nesse caso, a lei é o norte (magn)ético para diminuir a tristeza.

Por fim, as palavras bêbado e drogado são consideradas politicamente incorretas porque constrangem quem está dirigindo sob efeito de produtos químicos. Do ponto de vista das vítimas, essas palavras são levíssimas, insuficientes.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito na UTP.